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O projeto de melhoramentos de Ouro Preto

Para os mudancistas, a capital de Minas Gerais deveria partir de um marco zero, ser planejada, simbolizar o início absoluto e sem máculas de um processo civilizador que se intentava empreender; para os não-mudancistas, cabia remodelar Ouro Preto, apagar de sua materialidade as marcas que recordassem um passado ignominioso, e sustentar o progresso sobre a imagem da tradição que a antiga Vila Rica espelhava. Neste caso, o passado a ser esquecido dizia respeito ao período monárquico, findo com o advento da República e por esta combatido. O período heróico a ser lembrado dizia respeito, principalmente, à Inconfidência Mineira e a outros acontecimentos políticos relevantes que tiveram lugar nas Minas durante o século XVIII, como a revolta de Felipe dos Santos (SALLES, 1982). Com a recriação de Ouro Preto nos moldes modernos, a tradição serviria como amparo do futuro desenvolvimento, do progresso, e o presente não partiria de um início absoluto, como queriam os mudancistas. Assim, remodelando-se Ouro Preto, o progresso teria história e respeitaria as gerações passadas. Ouro Preto seria, portanto, inserida na civilização e reforçaria o valor dessa mesma civilização uma vez que representava os feitos faustos dos Inconfidentes, de Aleijadinho, de Felipe dos Santos, etc. Em nome dessa tradição e desse peso histórico, fazia-se necessário e inadiável que Ouro Preto fosse melhorada, reformada, modernizada, reinventada.

Embora os não-mudancistas recorressem a um discurso conservador, onde o passado de glórias e a tradição possuíam papel de destaque, esse mesmo discurso só fazia apoiar as técnicas modernas no melhoramento da então capital de Minas. Ou seja, tanto os mudancistas como os não mudancistas tinham em mente a questão de fundar a

modernidade a partir dos novos conceitos e valores instituídos com a República. No entanto, os primeiros primavam pela construção de uma nova capital, como símbolo de um novo tempo, enquanto os segundos defendiam a reforma de Ouro Preto pelos mesmos padrões modernos defendidos pelos primeiros. Se para os mudancistas a fundação de uma nova capital significava a fatura dos tempos futuros, era em nome de um passado glorioso que os não-mudancistas empregariam a modernização de Ouro Preto. Assim, tanto um grupo como o outro defendia a reforma urbana como princípio e meio de se consolidar uma capital republicana de qualidade, mas discordavam quanto a seus fins. Para os mudancistas:

O passado seria enterrado definitivamente com as ruínas barrocas de Ouro Preto, ao planger dos sinos das suas igrejas centenárias. Tudo novinho em folha, trepidante, moderno, funcionando como nos Estados Unidos, a terra do progresso e da esperança, graças à República, graças à federação. (BARBOSA, 1982, p. 98).

Com efeito, não bastavam as arengas travadas na assembléia constituinte e na imprensa: era preciso agir antes que Ouro Preto sucumbisse às ameaças mudancistas. Ouro Preto deveria manter-se capital às custas de uma série de reformas; deveria provar que era uma cidade capacitada fisicamente aos fins de uma capital e ao projeto de uma civilização republicana e moderna.

Tendo em vista que a maioria dos congressistas era de cunho mudancista, e que a posição mudancista ganhava força com os debates no congresso mineiro, os defensores de Ouro Preto procuravam por um programa de reforma e modernização que objetivasse, sobretudo, a revitalização desta cidade como centro político-administrativo diante das denúncias que a detratavam. Pensando na transformação de Ouro Preto, e buscando convencer os constituintes mudancistas a não decidirem pela mudança da capital, os integrantes da Intendência Municipal ouropretana firmaram um contrato com os Srs. Vicente Barreiros e Dr. Alexandre Moura Costa em 12 de setembro de 1891, criando a Empresa de Melhoramentos da Capital41. Assim, estava fundada a empresa responsável pela modernização de Ouro Preto.

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A dita empresa foi o mais vultoso projeto urbano da época direcionado ao remodelamento da capital mineira; previa intervenções jamais constatadas, tendo em vista os riscos que Ouro Preto corria. Foram estipulados 6 ou 7 anos para a finalização das obras, tamanha era a pretensão de tal projeto. A população ouropretana e todos aqueles que defendiam Ouro Preto depositavam na Empresa de Melhoramentos todas suas esperanças de vitória sobre aqueles que pretendiam a transferência da capital. A resistência ouropretana procurava, com este projeto, não apenas modificar o traçado, o desenho, o aspecto da cidade, mas visava, principalmente, dotá-la de elementos que garantissem fosse preservada sua dignidade e qualidade de capital. Se Ouro Preto estava ameaçada por ser antiquada e decadente, então, que fosse remodelada segundo as técnicas e os preceitos da urbanística moderna.

As manifestações jubilosas do povo foram a prova inequívoca do critério com que a Intendência compreendeu a situação da cidade precária nas portas do dilema – ou melhorar ou perecer. Resta agora só que as obras comecem e prossigam com toda energia; e que ao lado de suas tradições maiores, sinta Ouro Preto no sangue generoso do presente desatar-se a fé no futuro – como a Cidade Eterna de Minas Gerais. (Informação sobre o Contrato Celebrado pela Intendência Municipal para os Melhoramentos da Cidade de Ouro Preto. Ouro Preto: Typographia, “A Ordem”, 1891, p. 5).

A Empresa de Melhoramentos foi criada para sustentar-se com recursos da municipalidade; consistiu, por assim dizer, numa reação das autoridades ouropretanas às ameaças que Ouro Preto sofria. A tarefa de remodelar a cidade simbolizava, pois, a soberania, o orgulho e a afirmação da municipalidade como órgão competente em dar cabo das transformações que Ouro Preto necessitava naquele momento. Reformar Ouro Preto por conta própria, sem depender da ajuda do governo estadual, representava aos ouropretanos a afirmação da grandiosidade histórica e importância política desta cidade diante das demais cidades mineiras: constituía a própria afirmação de uma cidade que se via desrespeitada, menosprezada, injustiçada pelo perigo de não ser mais o centro político e administrativo de Minas Gerias. Se Ouro Preto corria o risco de não ser mais a capital do Estado, isto significava que toda uma tradição e uma identidade perigavam perecer. Recusar Ouro Preto como capital seria ferir os brios dos ouropretanos e demais anti- mudancistas. Se, por um lado, o congresso constituinte trazia uma maioria de políticos

que desejavam a transferência da capital, cabia à instância municipal ouropretana, por sua vez, modernizar a cidade pelas próprias mãos, sem precisar de outrem. Custear os melhoramentos urbanos com os fundos da municipalidade era uma questão de honra aos defensores de Ouro Preto, de modo a combater com independência aqueles que

Diziam, e dizem ainda que a cidade carece de ser reconstruída, mas que é de terrenos ingratos: e que, se para renová-la a ponto de corresponder a seu destino de cabeça do Estado as despesas tenham que sair do orçamento estadual, mais vale dizer, e dizem convictos, a edificação de uma cidade nova, feita como o Juiz de Fora, sob plano, em lugar seleto – que reúna todas as vantagens sem nenhum dos defeitos do local de Ouro Preto.

Diante destas razões – o que cumpria fazer? Corrigir quanto possível os defeitos apontados, nada pedir nem receber do Estado, e só por conta do município tentarmos os melhoramentos da cidade.

Seria morrer de vergonha, se mortos de vergonha víssemos pela negação das nossas últimas energias prevalecer a causa contrária, quando pela autonomia temos recursos, e podemos relativamente atenuar as asperezas do conceito desfavorável.

(...) Os organismos velhos, repetimos, resistem; e ninguém levará a mal o povo de Ouro Preto, sensato e brioso se resolva pela mais nobre, mais independente e mais digna reação, melhorando à sua custa a sua querida cidade, como pode, sem requerer, sem esmolar sacrifícios do Estado. (Informação sobre o Contrato Celebrado pela Intendência Municipal para os Melhoramentos da Cidade de Ouro Preto. Ouro Preto, Typographia “A Ordem”, 1891, p. 11-13).

No entanto, a Empresa de Melhoramentos não pôde amparar-se apenas nos recursos da municipalidade e recebeu um empréstimo do governo estadual, mediante a Caixa Econômica de Minas Gerais, avaliado em 200:000$000, com juros de 6% e amortização de 5% ao ano42. Havia um grande contraste entre as obras planejadas para Ouro Preto e as condições financeiras do município em dar-lhes cabo. Um empréstimo se fazia essencial para a construção da moderna cidade ouropretana. O Intendente Dr. Borja proferia em sessão solene do dia 19 de dezembro de 1891 as seguintes palavras a respeito dos melhoramentos da capital:

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Na época, o governador mineiro era Cesário Alvim. Ver Informação sobre o Contracto Celebrado pela Intendência Municipal para os Melhoramentos da Cidade de Ouro Preto. Ouro Preto: Typographia “A Ordem”, 1891.

Como a sessão de hoje marca era nova na História da prosperidade deste município, sejam lançados na ata de hoje os nomes dos doutores João Pinheiro da Silva, Antônio Augusto de Lima e José Cesário de Faria Alvim um voto de agradecimento pelo auxílio que prestaram a esta municipalidade concedendo autorização para os empréstimos que se tem efetuado em benefício dos melhoramentos da capital. (Livro de atas no 109, 1891 a 1893, p. 46).

Subseqüente a esse discurso, outro intendente, Francisco Ferreira Real, já apresentava uma proposta visando os esperados melhoramentos. Ele sugeria que fosse aberta uma rua no Rosário, “...de modo que esta vá ter à Praia (de Ouro Preto), assim como que seja aterrado e nivelado o beco que segue da Rua Direita à Rua das Flores, sendo o dito beco calçado a paralelepípedos.” (Livro de atas no 109, 1891 a 1893, p. 46). E finalizando as propostas dessa sessão no sentido de modernizar Ouro Preto,

o senhor Candido Cruz ainda apresentou a seguinte indicação: proponho que se ouça a empresa de melhoramentos da capital sobre quais as condições por que realizará o corte do morro acima da praia denominada Manejo, de modo a ligar a rua das cabeças com a estação, e por meio de um viaduto com o Morro da Forca. (Livro de atas no 109, 1891 a 1893, p. 46).

Ruas seriam alargadas e alinhadas, avenidas e bulevares seriam abertos, praças espaçosas construídas, além de novas áreas destinadas a futuras habitações. Essas obras deveriam ser realizadas segundo os princípios urbanísticos que apregoavam o nivelamento de qualquer sinuosidade topográfica, a normatização das construções e do traçado das vias, e a inserção de infra-estrutura e materiais modernos dentro do perímetro urbano, tais como o vidro e o ferro. Saneamento, transporte, iluminação, abastecimento de água, industrialização, jardinagem, sistema de esgoto, estes foram alguns dos aspectos mais relevantes apontados pelo projeto de modernização de Ouro Preto. As reformas visariam, antes de tudo, ao embelezamento da cidade, à abertura de espaços mais amplos e homogêneos, o que facilitaria a circulação de ar e de pessoas, higienizando e ordenando a urbes. A concepção de espaço ordenado e homogêneo pressupunha uma malha urbana ortogonal, divisora de quarteirões quadrangulares, na forma de tabuleiro de xadrez,

apontando a racionalidade do desenho das ruas e da disposição material da cidade43. A modernização ouropretana deveria seguir os rigorosos princípios geométricos, os procedimentos técnicos e científicos do urbanismo44. A cláusula primeira do contrato da Empresa de Melhoramentos da Capital sintetizava a reforma pela qual Ouro Preto deveria passar. Citemo-la em sua integridade:

Os contratantes obrigam-se: primeiro, a cortar o morro da Forca até o nível do caminho Novo, e a aplainá-lo em toda superfície para receber edifícios e embelezamento.

Segundo: aterrar com material extraído do morro o vale do Ribeirão Funil de modo que a área fique ao nível da estrada da Barra e nessa direção acompanhe a margem esquerda até o limite dos quintais das casas do Caminho Novo, construindo um cais de segurança para todo o aterro.

Terceiro: a construir por conta ou de terceiros nas áreas de aterros ou desaterros casas de tipos modernos com acomodações suficientes para duas, quatro, oito e dez pessoas.

Quarto: construir um teatro bem situado para ambas as Freguesias da Cidade, com proporções para seiscentos expectadores, distribuídos em duas ordens de camarotes, galerias e platéia, sendo um Camarote destinado ao Chefe do estado, e outro ao Presidente dos espetáculos. As cadeiras da platéia serão convenientemente espaçadas uma das outras, divididas em primeira e segunda classe.

Quinto: construir um Matadouro e dependências para o abatimento diário de 20 rezes, sendo o edifício de modo que possa se aumentado sem prejuízo de sua harmonia.

Sexto: construir um Mercado de ferro e vidro conforme o tipo modernamente adotado, espaçoso, perfeitamente arejado com bastante luz em proporção às necessidades da população da Capital, havendo um local contíguo para abrigo de tropas e carros que vierem abastecer a Cidade. Dentro do edifício, além de lugar destinado à exposição de víveres, os contratantes farão compartimentos e cobertas para serem utilizados por negociantes, merceeiros e vendedores de carnes, pão, aves, legumes, frutas, cereais, louça, etc.

Sétimo: Reparar, limpar, calçar e restaurar a fachada do antigo Mercado. Oitavo: alargar de quatro metros e cinqüenta centímetros a rua do Jangadeiro, recuando o muro do Outeiro do Carmo empregando o matéria extraído para aterrar o desbarrancamento atrás da Cadeia. O melhoramento começará da frente do Teatro atual.

Nono: calçar com paralelepípedos as ruas constantes do edital da Intendência, com obras aí estipuladas, sendo de pedra de primeira qualidade as que servirem ao trânsito de veículos de rodas, podendo ser

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A respeito das obras que seriam realizadas pela Empresa de Melhoramentos da Capital ver anexo A ao final do texto.

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Sobre o urbanismo ver CHOAY, Françoise. O urbanismo: utopias e realidades, uma antologia. Trad. Dafne Nascimento Rodrigues. São Paulo: Perspectiva, 1979.

as demais de pedras de inferior qualidade contanto que resistentes. As ruas são: do Jangadeiro, passando pelo Congresso desde o teatro até a cadeia. Do Conselheiro Afonso Pena desde a Ponte Painhas até as imediações da Chácara “Secofo”, incluída a nova ponte, direção da rua do largo da Marcenaria. Rua da Ponte Seca desde o Rosário até o fundo da Matriz. Rua do Conselheiro Santana desde a Matriz até a Ponte Seca. Ladeira das escadinhas. Ruas das Flores. Ladeira do Gibu e rua do Jogo de Bola até a Barra.

Décimo: Além dessas obras, a empresa obriga-se a construir e trafegar uma linha de Bondes pelas ruas que comportarem este modo de locomoção, podendo completar a viação por um elevador no lugar mais conveniente ao tráfico da Estação para a Cidade. (Contrato celebrado entre a Intendência Municipal de Ouro Preto e os cidadãos Doutor José Alexandre de Moura Costa e Vicente Barreiros, aprovado pelo decreto no 558 de 14 de setembro de 1891)45.

Em linhas gerais, a reforma pela qual Ouro Preto deveria passar objetivava a cura de uma cidade doente, imersa em um mórbido passado, bem como a correção de seu traçado irracional, desordenado, de modo a propiciar a prática de atividades industriais e comerciais rentáveis, desempenhado dessa forma o desenvolvimento capitalista, juntamente com suas relações políticas e sociais peculiares, próprias a uma cidade moderna. Seria uma reforma que revolucionasse toda a estrutura urbana arcaica de Ouro Preto e a transformasse numa cidade moderna e republicana46.

Era preciso, portanto, construir a moderna Ouro Preto e fazer frente às ameaças mudancistas. A cidade que se pretendia fazer deveria constituir-se, basicamente, de uma arquitetura de “gosto moderno”47; suas vias deveriam seguir um traçado reticular; indústrias seriam construídas; viadutos, avenidas, bulevares, linhas de Bondes, ruas e planos inclinados seriam criados48; previa-se o estabelecimento de sistemas eficientes de

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Ver anexo A.

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Sobre a construção de uma cidade moderna que satisfizesse os desejos políticos da incipiente República brasileira ver MAGALHÃES, 1989.

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Ouro Preto era uma cidade considerada feia, pois que antípoda de uma urbes moderna. Eis a opinião a esse respeito do Deputado Silviano Brandão: “Estarei de acordo que Ouro Preto é uma cidade feia, apesar de muitos a julgarem poética, incômoda, que mal impressiona os seus visitantes, construída sobre rochas, terreno tão ingrato, que nada produz e nem se presta a desenvolvimento (...)”. (Discurso do Deputado Silviano Brandão da 5ª sessão extraordinária do Congresso Constituinte do Estado de Minas Gerais, em 4/05/1891. In: Anais do Congresso Constituinte do Estado de Minas Gerais, 1891, p. 94).

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“Não é já objeto de discussão a inadiável necessidade de melhorar-se a locomoção interna da cidade. A este fim, pois (...) a Câmara, após detido exame do assunto, a que concorrerão com suas luzes os distintos profissionais doutores Bruno Von Sperling e Cypriano José de Carvalho, adotou o parecer da sua comissão de fazenda, composta dos ilustres vereadores Lauro de Lima, Dr. Bernardes Pinto Monteiro e Antônio José Netto a concessão de uma empreza, que tem por fim construir dois planos inclinados para cargas e passageiros, um da nova rua da Estação ao alto caminho novo, outro na rua das Flores; bem como duas

esgotos e água encanada, bem como o calçamento, alargamento e alinhamento das ruas já existentes; ansiava-se pela construção de novos chafarizes e pontes no lugar dos antigos; pela construção de um teatro amplo e moderno; pelo estabelecimento de um cemitério e matadouro públicos afastados do centro urbano; pela construção de muros de arrimo para conter as águas dos rios e evitar deslizamentos. Ademais, era necessário tomar as devidas providências para embelezar a cidade: arborizar as ruas e os adros das igrejas, construir parques e jardins, restaurar as vias e edifícios que estivessem em estado calamitoso, suprimir os becos onde se acumulavam detritos putrefatos e insalubres, nivelar áreas acidentadas e abrir praças e novas áreas planas, mais amplas e arejadas, para evitar miasmas e epidemias.

A preocupação com o asseio da cidade e conseqüentemente com a saúde da população é uma variável relevante na motivação de reformar Ouro Preto e promover sua modernização; o estigma ouropretano de cidade fétida e insalubre não condizia com os parâmetros sociais da modernidade. A cidade estava doente e suja: era preciso limpá-la e curá-la para ensejar seu caráter moderno49. Ou seja, era imprescindível que se sanasse a cidade enquanto missão de salvamento da sociedade, e também promoção do progresso da mesma50.

Em primeiro lugar, está presente a idéia de que existe um caminho da civilização, isto é, um modelo de “aperfeiçoamento moral e material”

linhas de bondes, ambas a partirem do mesmo caminho novo, passando uma pelas ruas do Paraná, Tiradentes e São José, outra em direção ao local da matriz de Antônio Dias (...)”. (Relatório apresentado à Câmara Municipal em sessão de 2 de janeiro de 1895 pelo presidente e agente executivo Randolpho José Ferreira Bretas. Câmara Municipal de Ouro Preto. Ouro Preto, 1895, Typographia Silva Cabral, p. 14).

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“A percepção sensorial orienta o movimento de remodelação urbana, ao assinalar, no espaço, pontos virtuais de contágio. O saneamento da cidade é também uma recodificação desse espaço. As redes de água e esgoto passam subterrâneas às vias de circulação dos corpos, segundo uma nova racionalidade de gestão dos fluxos e fluídos.” (LOPES, Myriam Bahia. O Rio em movimento: quadros médicos e(m) história. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2000, p. 37).

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É na França do final do século XVIII onde surge a Medicina Urbana. Esta estava preocupada com o crescimento desordenado de cidades como Paris e Londres, que sofriam com a concentração caótica de contingentes miseráveis em seus limites urbanos. O discurso sanitarista propagado pela Medicina Urbana orientou as direções e formas do traçado urbano moderno, pressupondo novas articulações espaciais, engendrando áreas mais extensas e arejadas, de modo que os focos de insalubridade fossem combatidos.O saber urbano-higienista surge em meio às Revoluções industriais e burguesas. Com o capitalismo em cena, formou-se uma massa de miseráveis ao redor de núcleos urbanos, o que comprometeu suas respectivas estruturas e fez vir à tona surtos de epidemias e um quadro desolador de condições subumanas de sobrevivência- tal como se constatou em Paris e Londres em fins do século XVIII e começo do XIX (BRESCIANI, Maria Stella. Londres e Paris no século XIX: o espetáculo da pobreza. São Paulo: Brasiliense, 1994; FOUCAULT, 1979).

que teria validade para qualquer povo, sendo dever dos governantes zelar para que tal caminho fosse rapidamente percorrido pela sociedade sob seu domínio. Em segundo lugar, há a afirmação de que um dos requisitos para que uma nação atinja a “grandeza” e a “prosperidade” dos países mais cultos seria a solução dos problemas de higiene pública. (CHALHOUB, 1996, p. 35).

O entusiasmo com a modernização de Ouro Preto tomava conta dos discursos