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3.1 Universo Revelado

3.1.3 Projeto “O Hospital Como Universo Cênico”

Afetar o espaço e ser afetado por ele seria a primeira proposta a ser trabalhada nas intervenções. Adentrar o hospital, interagir com doentes, acompanhantes, médicos, funcionários e criar um atrito, naquele espaço específico, que provocasse o ato criativo foi o objetivo dessa proposta. Atrito que o teatro, no seu fazer

provocativo, pretendia explorar, criando tensões que, de certa

forma, acabaram por desvelar, também, tensões que já ali existiam. Tensões essas provocadas, pôde-se constatar nas experiências realizadas, pelos confrontos entre concepções antagônicas a respeito da medicina. Tensões que vieram intensificar aquelas advindas do atrito entre o ritual medico estabelecido e o jogo teatral39(grifo meu)

Provocar um estranhamento oferecendo atividades nada comuns ao espaço do hospital se apresenta como uma das propostas do projeto de pesquisa, ensino e extensão “O Hospital Como Universo Cênico”, da Graduação em Teatro modalidade Licenciatura, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), conforme podemos observar na Figura 17. Desenvolvido por estudantes de teatro, bolsistas e voluntários, e é supervisionado pela professora Lucia Helena de Freitas40, que desde 1999, trabalha com apresentações teatrais, técnicas e dinâmicas de teatro, experienciadas por pacientes internados, seus acompanhantes e funcionários do hospital, em dois dias da semana no Hospital da Lagoa/RJ, esse projeto objetiva tornar mais humanizado o atendimento aos pacientes do hospital, ao propor a arte cênica uma alternativa terapêutica adicional paralela àquelas tradicionalmente empregadas no âmbito hospitalar (http://www.facebook.com/photo/o-hospital-como-universo-cênico).

39 FREITAS, Lúcia Helena (Gyata). Cruzando Espaços e Olhares: o teatro no hospital. Tese de

Doutorado. UNIRIO, 2005, p.12 e 13.

40 Formada em Português-Literatura pela UERJ, em Interpretação Teatral pela UNIRIO, é mestre em

Educação pela UERJ com a dissertação “O Avesso do Avesso do Avesso: O Teatro Na Escola” e doutora em Teatro, pela UNIRIO com a tese “Cruzando Espaços e Olhares: O Teatro no Hospital”. Professora dos cursos de Licenciatura e Pós-Graduação em Teatro da UNIRIO e desenvolve o projeto de pesquisa e de extensão, denominado “O Hospital Como Universo Cênico”.

Figura 17 - Grupo O Hospital como Universo Cênico.

Fonte: site do grupo.

No início do processo, segundo registros na Tese de Lucia Helena, quando a Escola de Teatro foi convidada pelo Departamento de Psiquiatria do Hospital da Lagoa, para a realização de intervenções teatrais no ambiente hospitalar, começou com uma oficina de jogo teatral direcionado para médicos, psicólogos e assistentes sociais, baseada na metodologia de Viola Spolin41. Havia também intervenções com o emprego da técnica do teatro invisível42 que faz parte da pesquisa do Teatro do Oprimido43 de Augusto Boal44, as quais aconteciam na porta de entrada, na sala de espera do hospital.

Depois, as intervenções foram seguindo para a pediatria, primeiramente com “contação” de histórias, depois duas oficinas: O Resgate do Riso, que visava descobrir o palhaço de cada um; e a outra de Dedoches (bonecos de dedo), com confecção e desenvolvimento do jogo dramático infantil. A intenção era se apropriar de experimentações metodológicas, a serem trabalhadas no ambiente hospitalar, proporcionando ao aluno de licenciatura em teatro, uma reflexão crítica de sua práxis educativa, muito importante para sua formação (FREITAS, 2005, p. 89 a 93).

O projeto com o teatro dentro do hospital foi abrindo proposta para acontecer em vários espaços, como hall das escadas, corredores, enfermarias, saguão das

41 Autora e diretora norte-americana de teatro, criadora do sistema de “jogos teatrais”, uma

metodologia de atuação e conhecimento da prática teatral (http://pt.wikipedia.org/wiki/Viola_Spolin).

42 Um método do Teatro do Oprimido, onde, não é revelado como teatro, e é realizado no local onde a

situação encenada deveria acontecer, surgiu como resposta à impossibilidade, ditada pelo autoritarismo, de fazer teatro dentro do teatro (www.ctorio.com.br).

43 É um centro de pesquisa e difusão, que surgiu em 1986, e desenvolve metodologia

específica do Teatro do Oprimido em laboratórios e seminários, ambos de caráter permanente, para revisão, experimentação, análise e sistematização de exercícios, jogos e técnicas teatrais (www.ctorio.com.br).

escadas, sala de espera, salas cirúrgicas, ambulatório, sala de triagem. Ou seja, nessa relação com o espaço, surge a importância de trabalhá-lo, não apenas para delimitar um determinado espaço físico, mas indo muito além, no sentido de “pensar

este espaço para uma grande possibilidade de relações, estabelecidas pelo olhar, pelo contato físico, entre quem assiste e quem atua” (FREITAS, 2005, p. 223). A cena teatral chega ao hospital para ir ao encontro do paciente que está internado, e também dos acompanhantes e profissionais que estão neste espaço, com isso há a necessidade de se promover uma ousadia infinita na busca de encontros com este público.

O Projeto “O Hospital Como Universo Cênico”, a partir da tese de doutoramento da Professora Lúcia Helena de Freitas, defendida em 2005, Cruzando

Espaços e Olhares: o teatro no hospital45 faz uma análise de todas as ações do projeto desenvolvidas até este período, do público atendido, dos espaços de intervenção,da estrutura metodológica, do trabalho com os atores. Sendo que, a partir de 2006, o processo foi encontrando necessidade de novos métodos, além dos utilizados, como jogos teatrais, contação de histórias e música, com novas propostas, em consequência de muitas dificuldades para a realização do jogo teatral dentro do espaço, pois, este, na maioria dos casos, bem reduzido, implicava assim problemas nas apresentações e na manipulação de objetos da cena teatral.

A partir da necessidade de experimentação de novas propostas para o trabalho cênico, foi criado um suporte cênico-cenográfico, chamado de “bandeja cênica”. É uma bandeja que vem ressignificar a condição de espaço da

apresentação, mobilizando uma relação mais lúdica com o material e favorecendo maior aproximação do paciente com a cena. As “Bandejas” pontuam como proposta elementos fundamentais para a sua concepção, como: a bandeja hospitalar usada nas intervenções médicas, a bandeja usada no teatro na venda de bombons e os livros que contam histórias em 3D46.

A proposta de criação de uma diversidade de objetos em um diálogo com o universo teatral e hospitalar acrescenta para dentro de um processo, o aparecimento de recursos cenográficos e históricos que irão se compondo em um conjunto rico de ideias contextualizado com o processo educativo, e um

45 FREITAS, Lucia Helena. Cruzando Espaços e Olhares: o teatro no hospital. Tese de doutorado defendida em 2005. Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas. UNIRIO.

46 HTTP://www.portalabrace.org/vicongresso/pedagogia/LuciaHelena de Freitas - O Hospital como

Universo Cênico e as Bandejas contadoras de Histórias. I Congresso de pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas 2010. Acesso em 06 de abril de 2012.

favorecimento à descoberta do imaginário, provocado pelo encontro de possibilidades temáticas que a cena teatral oferece, “a bandeja, portanto, poderia

remeter o paciente a um espaço afetivo, subjetivo, deslocando-o do espaço físico do hospital que o paralisava para um espaço lúdico de imaginação, mobilizando, de alguma forma seus afetos” 47.

O recurso da bandeja, como forma metodológica, gerou o surgimento da Companhia Teatral “Bandejas Contadoras de Histórias”, com a proposta artístico-pedagógica de descobrir formas estético-teatrais, valorizar a cultura brasileira e humanizar os espaços hospitalares. É dirigida pela professora Lúcia Helena de Freitas e composta de atores formados por professores de teatro, ex-alunos do curso de Graduação em Teatro, músicos e compositores. A Companhia vem ampliando sua pesquisa do teatro na saúde, saindo do lócus universitário, e indo atuar em escolas, teatros e hoje estão em quatro hospitais do Rio de Janeiro.

O Hospital Como Universo Cênico e a Companhia Bandejas Contadoras de Histórias são mais duas realidades que trazem o “Fazer-Ver” (FREITAS, 2005, p.

100) do teatro para dentro da realidade hospitalar, aguçando o sentido dos sujeitos para um olhar em outras perspectivas, como movimento provocador de ideias, desejos e desafios, usando em seus diagnósticos dosagens de atritos48, como provocação de um ato criador, necessário para um teatro que se faça transformador.

47 HTTP://www.portalabrace.org/vicongresso/pedagogia/LuciaHelena de Freitas - O Hospital como

Universo Cênico e as Bandejas contadoras de Histórias. I Congresso de pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas 2010. Acesso em 06 de abril de 2012.

48 A técnica da

“dosagem de atritos” funciona como uma analogia das tensões que são provocadas com a chegada do teatro no hospital, entre as relações da arte e a saúde, tudo que provoca de mudanças, de mexer neste universo do hospital, uma dosagem de atrito para que estes universos saiam da sua zona de conforto e aceitem o desafio da mudança, “[...] pelos confrontos entre concepções antagônicas a respeito da medicina. Tensões que vieram intensificar aquelas advindas do atrito entre, o ritual médico estabelecido, e o jogo teatral” (FREITAS, 2005. p.12 e 13)