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Projeto para “fortalecer e divulgar a tradição”

Capítulo 3. Juventude, etnicidade e disputas: os casos do Pau-furado Juvenil e da

3.2 Projeto para “fortalecer e divulgar a tradição”

Considero oportuno relatar o processo de construção do projeto “Pau-furado Juvenil”, voltando atenção, neste momento, para os agentes externos envolvidos na reformulação da dança em curso, a fim de mapear as relações e redes sociais (Barnes; 1987) em que o grupo se insere. Para isso, realizei uma entrevista com a mentora do projeto, Giselma Sacramento, então aluna do curso de graduação em Ciências Sociais, UFRN e militante do movimento negro, da Kilombo, Organização Negra do Rio Grande do Norte.

Segundo suas declarações, esta visualizou o edital do Ministério da Cultura através do programa Mais Cultura e pensou na possibilidade de levar a proposta do projeto para

Fotografia 17: Mãos que tocam os novos tambores. Fonte: pesquisa de campo. Samara Freire, 2011.

Fotografia 18: Seu Deba (chapéu preto) seguido de seus filhos, José Airton e José Cassiano (lado esquerdo da foto). Fonte: pesquisa de campo. Samara Freire, 2011.

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Capoeiras, para isso entrou em contato com Ana Cleide que já a conhecia fazia alguns de anos devido a sua inserção no movimento negro, em encontros, reuniões e acionou a jovem e esta concordou em dar prosseguimento a iniciativa:

Desde 2003, quando eu entrei na Kilombo que passei a ter contato com algumas comunidades quilombolas e umas delas é Capoeiras que fica em Macaíba, dessas idas e vindas à Capoeiras, eu conheci Cleide, aí ela sempre falava do Pau-Furado e também conheci o pai dela, o Deba. Durante uma atividade que aconteceu o encontro da Coordenação Estadual de Quilombos em 2009 em Capoeiras, sempre nos momentos de socialização das conversas, nos bastidores e ela foi contando como é que funcionava (Pau- furado) e aí, umas das coisas que me chamou atenção eram que uma manifestação cultural estava sendo ressignificada. No início da história do Pau-furado, era uma dança, estritamente masculina e que naquele momento ganhava uma nova roupagem que tinha a participação das mulheres e isso me chamava muito atenção, inclusive, não só das mulheres, mas também dos jovens e naquele momento quem tava na frente era Cleide, uma jovem negra que tava no processo. (Giselma, março de 2012).

Após esse contato, Cleide foi informando a Giselma do que se tratava o grupo e que havia a necessidade de recursos para poder dá continuidade ao grupo, pois constantemente eram convidados a se apresentar fora de Capoeiras, e por vezes, não detinham de instrumentos suficientes e nem de indumentárias para que a exposição do grupo acontecesse fora da localidade.

O que ela colocava como dificuldade era que essa dança acontecia na comunidade, só que o fato dela só estar na comunidade... Aí o fato que ela estuda, de participar de reuniões, palestras, porque ela vai para outros lugares e ela achava que precisava de instrumentos de camisas de materiais dessas coisas que para levar para o outro para fora da comunidade. Era necessário aquela coisa mais elaborada, e aí envolvia a questão de recursos e pelo o que ela contava era uma luta muito grande, tanto dela quanto do pai dela de procurar apoio da Fundação José Augusto, da Coeppir, também, que eles chegaram a procurar no tempo em que Elizabeth era coordenadora chegaram até conseguir camisas, mas ainda sentiam que estava faltando coisas. A partir dessas informações eu comecei a ficar atenta eu sempre estou atenta a questão dos editais e tudo, aí surgiu essa oportunidade (Giselma, março de 2012)

Com o edital lançando Giselma convocou uma reunião que aconteceu na COEPPIR- Coordenadoria de Políticas Públicas para Promoção da Igualdade Racial no ano de 2009 que se fazia presente duas lideranças de Capoeiras, Ana Cleide e Maria Barbosa, conjuntamente com Elizabeth Lima na época coordenadora da COEPPIR no estado do RN e Silvana

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Rodrigues liderança da comunidade de Moita Verde em Parnamirim. Nesta reunião foram feitos ajustes no projeto. Giselma ficou responsável por sistematizar a história do surgimento do Pau-furado e o relativo a questão dos instrumentos, materiais e orçamentos que seriam necessários para o bom andamento da iniciativa ficou a carga da Ana Cleide, auxiliada por Elizabeth Lima dada a experiência que detém na elaboração de projetos sociais. O projeto só foi contemplado na segunda chamada do processo seletivo, para só no final do ano de 2010, os recursos estarem disponíveis a fim de dar início ao processo suscitado.

Eu tava como coordenadora, mas participou Deba e Cleide que foram as pessoas assim mais atuantes para mim, eram nós três, que estavam o tempo todo andando. Então assim, foi bem interessante que eles mesmos diziam, que passaram a ter uma noção de como é que funciona essa coisa do projeto, essa parte mais burocrática, mas é necessário por que se trata de recurso público e que possa acontecer (Gilsema, março de 2012).

No início de 2011, eles atualizaram o projeto para poder se inserido na proposta do edital, acrescentaram o “juvenil” no final do nome do grupo:

Aí esse lance juvenil foi uma coisa bem nova, porque como a ação do projeto ele tinha ... E as ações teriam que ser voltada para juventude, então, a gente ressignificou mesmo o Pau-Furado. Mas a gente tinha que entrar nessa categoria, então, vamos acrescentar, o pau-furado juvenil. Aí pôs o pau- furado juvenil, mas Deba se fez sempre presente, não poderia faltar de jeito nenhum, ele é o mestre, como ele diz, né? (Giselma, março de 2012).

O seu “Deba” é o único mais velho a participar do grupo. Desde o começo desse grupo, por se concentrar a organização em torno de uma jovem, esta queria agregar a juventude dentro do Pau-Furado, diferentemente do tempo em que a bricandeira era brincada por seu pai e em que se concentravam pessoas da mesma faixa etária dele.

Em relação ao processo de envolvimento dos jovens locais, Giselma nos informa como se deu:

Aí lá vai o processo de pensar como vai ser a roupa, e as meninas foram dando as ideias da cor da roupa como seria o desenho, fizeram várias sugestões e a gente acabou juntando um pouquinho de cada para fazer a arte das camisas. No dia em que a gente foi comprar os instrumentos, os irmãos de Cleide, eles foram também pra ver, pra testar qual é o melhor material e tudo e assim todo o processo eles participaram. E teve pessoas que não puderam participar vindo para Natal, mas dentro da comunidade tiveram uma atuação muito grande... porque eles passaram desde o inicio do projeto até maio, as atividades tinham que acontecer, tinham que acontecer porque tinha que registrar a formalidade. (Giselma, março de 2011).

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O público-alvo do projeto seria contemplar trinta jovens, da faixa etária dos 17 aos 29 anos. Entretanto, surgiram outros jovens que não se encaixavam dentro dessa faixa etária e já participavam antes e queriam fazer parte do projeto.

Uma preocupação suscitada na conversa foi a questão de tornar a “brincadeira” em algo que necessitasse entrar nos moldes do projeto, como haver lista de presença, registro de atas, fotografias. Como apontou Giselma: “aquilo que é uma prática que eles faziam no final de semana para se divertir virou oficina”.

Na realidade, isso já acontecia aquilo que é uma prática que eles faziam no final de semana para se divertir virou oficina. E era uma coisa bem interessante que eu achava... Assim ouvindo nas falas dos jovens e tal e uma das coisas que eles sempre falavam muito que a gente que vai de fora assim, a gente vai levando nossas concepções nossas visões e às vezes a gente leva um certo choque, né? De fazer oficinas, fazer isso aquela coisa de ter que passar uma lista, de ter que ter a data de ter a hora. E assim, tinha muito medo de acabar transformando aquilo que eles chamavam de brincadeira de outra coisa chata. Porque, antes quando os meninos falam, quando o seu próprio Deba fala “que a gente não pode deixar a nossa brincadeira acabar”, e aí de repente você transformar isso numa coisa que tem lista de presença que tem horário, então, a gente tá acabando com o teor da brincadeira, uma coisa lúdica para se descontrair no final da tarde e tal, eu tinha muito receio disso. Mas, ainda bem que os tramites burocráticos não conseguiram impedir não, então hoje tá sendo uma brincadeira mais que inclui algumas coisas que eles estavam querendo: uma caixa de som, um microfone, instrumentos que eles tinham, mas que estavam bastante velhos e assim... E como tinham uma quantidade maior de jovens é eles queriam fazer um som mais alto, então tinha que ter mais instrumentos para tocar (Giselma, março de 2012).

O público-alvo do projeto seria contemplar trinta jovens, da faixa etária dos 17 aos 29 anos. Entretanto, surgiram outros jovens que não se encaixavam dentro dessa faixa etária e já participavam antes e queriam fazer parte do projeto.

Aí tinha meninas de 12, 13, 14 anos que dançavam que só, tocavam que só, e agora num vai ganhar [usufruir dos materiais conseguidos dentro do projeto], não? Aí foi feita uma conversa que naquele momento tínhamos que seguir todas aquelas regras, mas que posteriormente isso teria que ser uma coisa do grupo, ficava a critério deles (...) Outra coisa, também bem bacana que eles conseguiram, foi a questão da máquina fotográfica, dos registros que eles não tinham. Tudo registrado só na mente e na oralidade mesmo e a partir de agora não, tem registro fotográfico. E bem bacana que acaba despertando outras habilidades no caso de fotografar, todo mundo revezava, todo mundo queria ser fotografo. Todo mundo tinha que escrever um pouco que estava acontecendo ali, todo mundo tinha que ser locutor, tinha que falar. Foi massa, porque foi um momento de descoberta também. O potencial que a juventude tem a juventude negra de Capoeiras. (Giselma, março de 2012).

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Considero oportuna a reprodução de mais um trecho da conversa realizada com a interlocutora supracitada:

Samara: Você avalia como importante essa participação da juventude?

Giselma: Considero importante porque é um marco de certa forma na comunidade. É a gente ver uma atuação de uma coisa que já exista desde que a comunidade existe que essa manifestação cultural existe, mas que os jovens só podiam ver. E acho que as crianças nem ver podiam e de repente passam eles a fazer aquilo que antes só podiam observar. E você repara que a mudança acontece a todo o momento, a exemplo, do senhor, seu Mestre Deba que deve tá com seus sessenta anos que o pau-furado só podia ser brincado por homem e quando chega um determinado momento que a filha dele pede o consentimento e ele concorda é uma satisfação muito grande. Imagina você entrar no ambiente masculino e hierárquico, porque seu Deba,tá ali para mostrar a sua hierarquia, ele tá sempre arrumado, engomado e de repente você deparara com uma jovem negra liderando essa questão. Samara: Eu percebi que as meninas têm mais participação ativa nas atividades, interagem mais do que os meninos.

Giselma: É assim, tanto é como na palestra que você falou sobre Racismo, quando foi aberto para que os públicos presentes pudessem falar e tal, as meninas arrasaram lá, falaram bastante, timidez ali não rola muito não. Aí a gente percebe que são as mulheres que estão com a escolaridade maior que estão na faculdade isso vai transbordando para outras esferas.

Em outro momento, Ana Cleide fala da contribuição de Giselma para o desenvolvimento da iniciativa:

Giselma ajudou, e até hoje continua ajudando, porque se não fosse também ela, esse momento não estaria acontecendo. Porque é importante agarrar tudo que vier, porque daqui a algum tempo são os filhos de vocês que vão está aqui pra fazer parte desse grupo (Ana Cleide, Abril de 2011).

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