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A estréia desse espetáculo ocorreu no Rio de Janeiro, em 2002. Como o nome sugere, é um procedimento que orientaria artística e tecnologicamente a próxima produção, Skinnerbox, com estréia prevista para dois anos depois. Essa “coreografia” tem o intuito de tornar mais abrangente e verificável o processo criativo da companhia, expondo sua pesquisa interdisciplinar. Esse projeto apresenta dois objetivos estruturais:

1. Um programa que dê oportunidade para a participação de bolsistas de áreas diversas no processo criativo da Cia., em parceria com instituições de ensino superior com foco no próximo trabalho do Grupo (SKINNERBOX). 2. A realização de experimentos teóricos e práticos, nomeados de “Procedimentos”, que serão apresentados buscando um formato que integre a participação interdisciplinar dos bolsistas e outros convidados, e que estimule uma tomada de posição questionadora junto ao público em relação às propostas apresentadas em cena (CENA 11, 2004).

A partir de três parâmetros, o trabalho do grupo desenvolve-se nesse procedimento. São eles: homem-máquina; sujeito-objeto; controle-comunicação. O conceito de híbrido é um ponto de partida para investigação, por meio da dança e da tecnologia, das relações comportamentais (indivíduo-ambiente-indivíduo), que evidenciam a subjetividade na integração desses híbridos com o mundo que percebemos e construímos ao perceber. O conceito de híbrido presente no site do grupo caracteriza-se por fenômenos que misturam natureza e artifício, humano e inumano, vida e máquina, sujeito e objeto. Eles surgem principalmente “nas seguintes fronteiras: entre o Homem e os demais seres vivos, entre o Homem e a máquina, entre a vida e os sistemas físico-químicos” (RIBEIRO PEDRO in CENA 11, 2004).

Ainda no site do grupo encontra-se que “a ciência, que é um fruto da modernidade, fez surgir eventos, fenômenos, tecnologias que desafiam as fronteiras entre esses domínios” (RIBEIRO PEDRO in CENA 11, 2004). Ainda, cita como exemplos disso os estudos sobre inteligência artificial, nos quais, “o pensamento é simulado em máquinas de processamento de informação (computadores), que se comportam de forma semelhante ao pensamento humano” (idem).

As etapas da pesquisa realizada na construção desse procedimento foram: pesquisa e criação de acessórios individuais que distendessem o corpo do executor, funcionassem como operações do ambiente no corpo ou instrumentos para mais bem lidar com o ambiente; estudos em vídeo e fotografia que possibilitaram ao espectador observar a relação corpo-

ambiente com maior abrangência, além de proporcionar texturas específicas para situar sensorialmente o espaço; participação em laboratórios de robótica, que possibilitou integrar a utilização de robôs aos experimentos coreográficos; contato com técnicas e pensamentos que amplificaram a qualificação da investigação coreográfica, tanto na preparação técnica dos corpos como na utilização de recursos tecnológicos; e criação e execução de sistemas de amplificação de fontes sonoras, produto da pesquisa realizada pelos bolsistas.

Os patrocinadores desse projeto são a Brasil Telecom, o Programa Bolsas Vitae de Artes e a Transmídia (16a. edição) e o Prêmio de Apoio à Mídia-arte, do Itaú Cultural.

As etapas desse procedimento são: exposição ao público da formulação coreográfica (40 minutos de duração) e a discussão dos parâmetros do procedimento. A discussão do procedimento é antecedida pela distribuição ao públicode questionários sobre os parâmetros discutidos na coreografia. Os espectadores são convidados a escolher um dos parâmetros e responder à pergunta: Como você vê a relação entre os dois termos no parâmetro escolhido? Para esse momento, são destinados sete minutos cronometrados no telão para o público responder. A discussão é realizada entre coreógrafo, orientador convidado e platéia. Esse último momento também é cronometrado no telão, e predeterminado o tempo de 40 minutos.

Na primeira etapa, ou seja, exposição da formulação coreográfica, há predominância de quedas na linguagem corporal do grupo, que é condicionada por estímulos (ação e reação). Pares ordenados de dançarinos alteram-se para discutir as relações dos parâmetros: homem e máquina, sujeito e objeto, controle e comunicação.

Figura 15: Foto da coreografia Projeto SKR – procedimento 01 (2002) Fonte: Foto de Fernando Rosa, disponível: <http://www.cena11.com.br/html/foto.html>.

Um par de robôs permeia o espetáculo. Um demarca o chão e o outro capta imagens dos dançarinos em tempo real, que são projetadas no telão no fundo do palco. Em um dos momentos da coreografia, parece ocorrer um duo dos carrinhos de controle remoto. No telão são projetadas as imagens captadas pelo carrinho que filma, mas elas são do outro carrinho que está demarcando o chão. Nesse momento, somente os dois carrinhos compõem a cena. Em outro momento, o carrinho que filma foca um sapato que foi colocado no centro do palco. Diferentemente dos espetáculos anteriores, esse não apresenta volumosos cenários. Duas cadeiras ficam posicionadas nos fundos do palco, cada uma de um lado. Os dançarinos não saem totalmente de cena, posicionam-se nas laterais, porém, ficam pouco visíveis.

Márcia está posicionada no fundo central do palco. Em alguns momentos, ela canta ao vivo. Existe um momento em que Márcia chama os dançarinos que formam duos, sendo o chamamento previamente gravado. No mesmo momento em que o nome dos dançarinos é dito, a foto deles é mostrada no telão. O equipamento de Márcia, posicionado no palco, é semelhante às mesas de DJs, onde ela realiza remixagens ao vivo.

O figurino compõe-se por roupas comuns do cotidiano, como camisa, calça, vestido e sapato, e quase passam despercebidos alguns dos recursos de proteção, como a espuma presa na crista ilíaca de algumas dançarinas. Na cena em que o carrinho de controle remoto marca o chão e os dançarinos Pablo e Luísa posicionam-se nos “x” marcados no chão, executando várias quedas, o figurino é constituído por joelheira, proteção da crista ilíaca, cotoveleira, botas e cobertura para as genitais. A descrição desse figurino contempla todos os recursos utilizados durante o espetáculo para a proteção dos corpos, frente à execução técnica complexa e de risco do grupo. Durante o espetáculo, as quedas, que são marcas da técnica corporal do grupo, aparecem oito vezes projetadas no telão.

Figura 16: Foto da coreografia Projeto SKR – procedimento 01

Fonte: Foto de Fernando Rosa, disponível em: <http://www.cena11.com.br/html/foto.html>.

Outros recursos utilizados no espetáculo que influenciam as movimentações são patins, grandes bastões, sapato e blusas.

Limitações no corpo também são exploradas com blusas [...] o figurino tem aqui uma função diferente, atuando diretamente na seqüência de movimentos de duplas, que se alteram. Agilidade e violência fluida impressionam. O figurino está entre. Entre um corpo e outro, entre a tensão e a queda: é alavanca e meio. É sujeito e objeto, tal qual os corpos (SPANGHERO, 2003, p.106).

Muitas ações acontecem simultaneamente no espetáculo. Os sons presentes na apresentação são variados, e a música realizada por Márcia parece ser completada pelos sons produzidos pelas quedas dos dançarinos, quedas das barras, carrinhos de controle remoto e pequenas falas dos dançarinos.

As barras utilizadas na coreografia ficam posicionadas ao redor do palco. A técnica do break aparece nas movimentações. Parece predominar um “vocabulário” de movimento particular do grupo com muitas quedas. Saltos que são considerados incompletos e de risco em outras modalidades, como ginástica olímpica, são realizados pelos integrantes do grupo como possibilidade de movimentação.

A utilização de equipamentos de proteção para a realização da técnica, uma técnica que aparenta machucar os dançarinos, faz questionar qual técnica está presente no grupo e que relações se estabelecem para realizar essa técnica.