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4 ANÁLISE DA DISSEMINAÇÃO DO ESCOLA SEM PARTIDO PARA ALÉM DO

4.1 PROJETOS DE LEI QUE CRIMINALIZAM OS MOVIMENTOS SOCIAIS

De acordo com Negrisoli19 (2019), no ano de 2019, houve mais projetos de lei que tratavam do terrorismo do que pessoas condenadas pelo crime desde o fim da ditadura militar. Somente nos dois primeiros meses daquele ano, onze propostas envolvendo o tema do terrorismo foram apresentadas no Congresso Nacional, e a maioria delas objetivava ampliar o conceito do crime definido pela Lei 13.260⁄2016, a conhecida Lei Antiterrorismo, que foi sancionada pela então presidenta Dilma Rousseff (PT). No entanto:

[...] a lei gerou polêmica e aqueceu o debate sobre a relação do Estado com os movimentos sociais e o tratamento dado às manifestações políticas. Havia um temor

19 Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2019/03/04/interna_politica,1035298/onda-de-

de que a legislação pudesse ser utilizada para criminalizar a ação desses grupos. Apesar disso, o parágrafo segundo o artigo 1º da Lei 13.620⁄2016 impede que isso ocorra. O texto diz que a classificação de terrorismo não se aplica à ‘conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional’, que tenham como objetivo protestar com ‘propósitos sociais ou reivindicatórios’. (NEGRISOLI, 2019).

Em que pese a ressalva do texto da Lei Antiterrorismo à não criminalização das manifestações políticas e movimentos sociais que tenham como objetivo o protesto com propósitos sociais ou reivindicatórios, no ano de 2019, várias propostas legislativas pretendiam flexibilizar o dispositivo (NEGRISOLI, 2019). Dentre essas propostas está: “[...] o caso do Projeto de Lei 650⁄2019, de autoria do senador acreano Marcio Bittar (MDB), que inclui um terceiro parágrafo no artigo 2º da Lei Antiterrorismo prevendo que as garantias para movimentos sociais não se apliquem a manifestações ‘disfarçadas’” (NEGRISOLI, 2019).

Outro Projeto de Lei é o 492⁄2019, apresentado pelo deputado federal Heitor Freire (PSL), que “[...] pretende tratar como terrorismo atos específicos praticados por integrantes de organização criminosa, que vão desde ataques a bancos até atentar contra a vida de agentes de segurança pública” (NEGRISOLI, 2019). Um terceiro Projeto de Lei é o 271⁄2019, de autoria do deputado Célio Studart (Partido Verde), que deseja que pessoas que incendeiem meios de transporte públicos ou privados ou roubem e depredem com a finalidade de intimidar o Poder Público sejam também classificadas como terroristas (NEGRISOLI, 2019).

Ainda, um quarto projeto, apresentado pelo deputado federal Gurgel (PSL), o Projeto de Lei nº 443⁄2019, “[...] prevê que atentados contra a ‘vida ou integridade física’ de agentes de segurança pública, seus cônjuges, companheiros ou parentes ‘consanguíneos de até terceiro grau’ sejam considerados ataques terroristas” (NEGRISOLI, 2019).

No entanto, para Yuri Sahione, professor e especialista em Direito Penal, “[...] é importante diferenciar ações de movimentos sociais, mesmo aquelas que infringem a lei, das de grupos terroristas. ‘Mesmo que usem armas ou violência, essas ações são tipificadas de outra forma’” (NEGRISOLI, 2019). Ou seja, acerca dos Projetos de Lei mencionados: “[...] ‘Ou é uma questão de propaganda, ou ideológica para criminalizar movimentos sociais’ [...]” (NEGRISOLI, 2019).

Por esse ângulo, Cristiano Maronna, advogado e presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), ressalta que “[...] a tentativa de ampliação da legislação é ‘profundamente lamentável’ [...] ‘é um ataque à democracia [...] A Lei Antiterrorismo não pode jamais atingir lutas por direitos’ [...]” (OLIVEIRA, 2018).

A partir desse panorama, então, pode-se dizer que as propostas que pretendem criminalizar as manifestações políticas e movimentos sociais como atos terroristas atentam contra os dispositivos constitucionais do princípio do pluralismo político e do direito fundamental à liberdade de reunião. O pluralismo político está definido no artigo 1º, inciso V, da Constituição Federal de 1988, como fundamento da República Federativa do Brasil, nos seguintes termos: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] V – o pluralismo político [...]” (BRASIL, 1988). A liberdade de reunião, por sua vez, consta no rol de direitos fundamentais do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, especificamente no inciso XVI, nestes termos:

Art. 5º [...] XVI – todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente [...] (BRASIL, 1988).

Portanto, as propostas de lei atentariam contra o fundamento republicano, por violarem a possibilidade de coexistência de ideias que não coincidem com os interesses do Estado e que se expressam por meio das manifestações políticas e dos movimentos sociais (COSTA, 2015, p. 105). Além disso contrariariam o direito fundamental à liberdade de reunião, pela notoriedade de uma norma infraconstitucional impedir, através da criminalização, o exercício de um direito fundamental assegurado de acordo com o teor acima descrito.

Pode-se concluir, também, que, em que pese o movimento Escola Sem Partido ter perdido força política, jurídica e financeira nos últimos anos, como demonstrado no capítulo anterior, as propostas de lei ora apresentadas recuperam o ideário do movimento. Isso porque elas pretenderiam restringir o direito fundamental à liberdade de reunião e o princípio fundamental do pluralismo político, assim como o anteprojeto do Escola Sem Partido faz. Quanto à liberdade de reunião, na previsão da parte final do inciso III do artigo 4º, ao trazer o dever de o professor não incitar seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas (ESCOLA SEM PARTIDO, 2019b). Nesse sentido, Lira (2018, p. 84-85) aponta que o discurso do Escola Sem Partido vai além do programa escolar ao:

[...] propor a interdição aos professores de [...] ‘incitarem a participação em manifestações, atos públicos e passeatas’ [...], o discurso deixa entrever, para além de um projeto pedagógico, um modelo e projeto de sociedade, em que a ‘ordem’, a ‘obediência’ (não manifestação) e a ‘neutralidade’ seriam garantidoras do progresso. Este último entendido num contexto nitidamente capitalista e neoliberal [...]

Também, quanto ao pluralismo político, a violação constitucional do anteprojeto do Escola Sem Partido está no inciso IV do artigo 4º, que diz “[...] o professor [...] ao tratar de

questões políticas, socioculturais e econômicas, apresentará aos alunos, de forma justa, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito da matéria [...]” (ESCOLA SEM PARTIDO, 2019b), bem como no inciso I do mesmo artigo que diz que “[...] o professor [...] não se aproveitará da audiência cativa dos alunos para promover os seus próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias [...]” (ESCOLA SEM PARTIDO, 2019b).

Desse modo, pretendeu-se apresentar os Projetos de Lei que visam criminalizar as manifestações políticas e os movimentos sociais, ao abrirem lacuna jurídica para tipificar seus atos como terroristas, de acordo com a Lei 13.620⁄16, a Lei Antiterrorismo. Além disso, verificou-se que tais propostas legislativas não estão de acordo com a Constituição Federal de 1988, particularmente com o princípio fundamental do pluralismo político e o direito fundamental à liberdade de reunião e, também, analisou-se que o conteúdo das propostas recupera o discurso da proposta de lei do Escola Sem Partido.

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