• Nenhum resultado encontrado

Projetos em disputa na saúde pública: implicações para o trabalho do Assistente Social

Os/As assistentes sociais, a partir da década de 1990, são orientados/as por um Projeto Ético-Político que se posiciona claramente em defesa do Sistema Único de Saúde – SUS. Isso porque os princípios do projeto da reforma sanitária se articulam com os princípios do projeto profissional do/da assistente social.

Segundo o CFESS (2010):

[...] há uma relação entre o projeto ético-político e o de reforma sanitária, principalmente, nos seus grandes eixos: principais aportes e referências teóricas da formação profissional e princípios. Os dois projetos são construídos no processo de redemocratização da sociedade brasileira e se consolidam na década de 1980. As demandas democráticas e populares, a mobilização e organização dos trabalhadores urbanos e rurais colocam na agenda política brasileira a exigência de transformações políticas e sociais e a necessidade de

articulação dos projetos profissionais aos projetos societários que são propostos para o conjunto da sociedade (CFESS, 2010, p. 26).

Todavia, como vimos no capítulo I, a implementação do SUS entre as décadas de 1990 e de 2000 foi tensionada pela conjuntura política através da retomada de diversas reformas estruturais da seguridade social conduzidas pelo neoliberalismo para romper com a visão de saúde pública como direito social universal. E esse cenário irá influenciar no trabalho do/a assistente social na área da saúde. Costa (1998) apud Bravo e Matos (2010) ressalta que “a legitimidade do Serviço Social se dá pelo avesso, pois esta profissão vem tendo sua utilidade nas contradições fundamentais da política de saúde”

(p. 14)

No capítulo 1, notou-se como a contrarreforma do Estado e a lógica neoliberal vêm afetando os direitos sociais da população e conduzindo a maneira como o Estado vem tratando as políticas sociais, sendo a saúde a principal delas.

De acordo com o CFESS (2010):

A contrarreforma do Estado atingiu a saúde por meio das proposições de restrição do financiamento público; da dicotomia entre ações curativas e preventivas, rompendo com a concepção de integralidade por meio da criação de dois subsistemas: o subsistema de entrada e controle, ou seja, de atendimento básico, de responsabilidade do Estado (uma vez que esse atendimento não é de interesse do setor privado) e o subsistema de referência ambulatorial e especializada, formado por unidades de maior complexidade que seriam transformadas em Organizações Sociais. Nessa lógica, há ênfase em programas focais: Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e Programa de Saúde da Família (PSF); além da utilização de cuidadores com a finalidade de baratear os custos das ações básicas (CFESS, 2010, p. 20-21).

Desde o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), a saúde tem sido massacrada enquanto política pública e sofrido com o desfinanciamento e cortes no seu orçamento com o objetivo de boicotar a assistência integral e universal. Em detrimento disso, os governos vêm cedendo espaço para o fortalecimento dos planos privados de saúde. Fala-se, aqui, da privatização da saúde.

Um exemplo do retrocesso da saúde pública é a criação das Organizações Sociais (OSs) e das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs), criadas no governo FHC através do Plano da Reforma do Estado. Para Rezende (2008), as OSs surgiram no Brasil como um instrumento de viabilização e implementação de Políticas

Públicas legitimando-se com a Lei nº 9.637 de 15 de maio de 1998. Contudo, em tom de crítica, a autora aponta diversos aspectos sobre as OSs:

As OSs podem contratar funcionários sem concurso público, adquirir bens e serviços sem processo licitatório e não prestar contas a órgãos de controle internos e externos da administração pública, porque estas são consideradas

‘atribuições privativas do Conselho de Administração’, que podem todo o mais, tal como ‘aprovar por maioria, no mínimo, o regulamento próprio contendo os procedimentos que deve adotar para a contratação de obras, serviços, compras e alienações e o plano de cargos, salários e benefícios dos empregados da entendida’ (REZENDE, 2008, p. 27).

É nesse contexto que se torna propícia a precarização dos vínculos dos trabalhadores, a falta de estabilidade, uma vez que os concursos públicos ficam em segundo plano, diferente dos processos seletivos sem qualquer garantia de estabilidade.

É visível que a implantação das OSs se pauta na lógica capitalista em busca de lucros, metas, contenção de gastos, desresponsabilização do poder público, passando as suas funções para as empresas privadas. E essa forma de gestão com o passar dos anos vai se reconfigurando e se atualizando em outros modelos com as mesmas finalidades. As OSCIPs são exemplos disso.

As OSCIPs foram instituídas através da Lei nº 9.790 de 23 de março de 1999, como alternativa de privatização da saúde. De maneira geral, esse instrumento tinha o objetivo de dar continuidade às OSs. Isso porque as OSCIPs visavam maior abrangência na privatização de programas, atividades, ações e serviços públicos. As OSs eram aplicadas para os serviços prestados pelo Estado, visando flexibilidade e agilidade na gestão. Em contrapartida, o modelo de OSCISs seria para as empresas que já desempenhavam serviços públicos ou de interesse coletivo, o qual o Estado se interessava em fomentar.

Outra diferença em relação às OSCIPs é que a prestação de serviços públicos passa a ser transferida para as Organizações Não-Governamentais (ONGs), cooperativas e associações da sociedade civil em geral. Mas de que forma? Através das chamadas parcerias, garantindo ainda mais a flexibilização da força de trabalho, enxugamento do Estado e controle social limitado, mesmo que isso descumprisse a constituição federal (REZENDE, 2008).

Para melhor compreensão, a tabela 5 demonstra a diferença do modelo de gestão do SUS, das OSs e das OSCIPs.

Tabela 5: Síntese do modelo de gestão do SUS, das OSs e das OSCIPs

SÍNTESE DO MODELO DE GESTÃO DO SUS, DAS OSs e das OSCIPs

Sistema Único de Saúde (SUS) Organizações Sociais (OSs) Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs) Gestão única do Sistema de

Saúde em cada esfera de governo (Gestão do Sistema e da Rede de Ações e Serviços)

Autonomia administrativa e Financeira de cada OS

Autonomia administrativa e Financeira de cada OSCIP

Descentralização da gestão entre as três esferas do governo

Descentralização das ações e serviços de saúde para a iniciativa privada e não para os municípios

Descentralização das ações e serviços de saúde para a iniciativa privada e não para os municípios Hierarquização dos serviços,

conforme a complexidade da atenção à saúde, sob comando único

Autonomia gerencial dos serviços de cada OS

Autonomia gerencial dos serviços de cada OSCIP

Financiamento solidário entre as três esferas do governo, conforme o tamanho da população, suas necessidades epidemiológicas e a organização das ações e serviços

Financiamento definido no orçamento público, para cada OS, conforme sua influência política de seus dirigentes, com

“contrapartida da entidade” por meio da venda de serviços e doações da comunidade e com reserva de vagas para o setor privado, lucrativo.

Financiamento definido no orçamento público, para cada OSCIP, conforme sua influência política de seus dirigentes, com

“contrapartida da entidade” por meio da venda de serviços e doações da comunidade e com reserva de vagas para o setor privado, lucrativo.

Regionalização Inexistente, porque a entidade possui autonomia para aceitar ou não a oferta regional de serviços, que seu orçamento é estabelecido por uma das esferas do governo

Inexistente, porque a entidade possui autonomia para aceitar ou não a oferta regional de serviços, já que seu orçamento é estabelecido por uma das esferas do governo

Universalização e Integralidade da Atenção à Saúde

Focalização do Estado no atendimento das demandas sociais básicas, conforme interesse da OS

Focalização do Estado no atendimento das demandas sociais básicas, conforme interesse da OSCIP

Participação da comunidade, com a política de saúde definida em Conferências de Saúde

Inexistente Inexistente

Controle social, com conselhos de saúde que acompanham e fiscalizam a implementação da política de saúde e a utilização de seus recursos

Inexistente. O controle social tal como previsto na Lei 8.142/90 é substituído pelos tradicionais conselhos de administração internos da entidade, com paridade diferente daquela estabelecida na Lei 8.142/90 e não é deliberativo

Inexistente. Somente a celebração do Termo de Parceria é precedida consulta (?) aos Conselhos de Políticas Públicas existentes, das áreas correspondentes de atuação

Fonte: REZENDE, 2008, p. 31 (adaptado pela pesquisadora)

Desde o governo de FHC, na década de 1990, é possível identificar a ampliação e o fortalecimento das OSs e das OSCIPs como espaço público não estatal no qual o Estado passa a transferir os serviços de saúde para o setor privado. Organizações que servem para que o setor público deixe de gerenciar determinados serviços passando a responsabilidade para as empresas privadas. São alguns dos modelos de projetos que vieram para desestruturar o sistema de saúde pública.

Para Bravo, Pelaez e Menezes (2020), o SUS vem apresentando projetos antagônicos para o campo da saúde pública antes mesmos do período de redemocratização e da constituição de 1988. O Projeto da Reforma Sanitária e o Projeto Privatista são projetos políticos em constante disputa e apresentam antagonismos entre si.

O Projeto da Reforma Sanitária é um projeto democrático construído em meados da década de 1970 por diferentes segmentos populares em prol da saúde como um direito social de todos e dever do Estado. O Projeto Privatista é originário da ditadura civil-militar iniciada em 1964, o qual tem sido retomado desde os anos de1990. É orientado pela lógica do mercado e fundamentado na exploração da doença como fonte de lucros (BRAVO, PELAEZ e MENEZES, 2020)

As autoras afirmam que, para além do projeto da Reforma Sanitária e do Projeto Privatista, a saúde pública convive a partir dos anos 2000 com outros projetos para o sistema de saúde pública como o Projeto da Reforma Sanitária Flexibilizada que surge nos governos petistas e pode ser conhecido como o projeto do SUS possível. Esse novo modelo de gestão do SUS nada mais é do que a continuidade ou até mesmo um complemento do projeto privatista, pois se pauta em:

arranjos institucionais, mecanismos gerenciais e responsabilização dos profissionais para a adequação da política de saúde às exigências de uma política de rebaixamento da proposta inicial do Projeto da Reforma Sanitária (BRAVO; PELAEZ; MENEZES, 2020, p. 2).

São projetos que reafirmam a redução da responsabilização do Estado e dos direitos dos trabalhadores bem como das políticas públicas, que se tornam focalizadas apenas para a população mais vulnerável.

Importa ressaltar que o Governo Lula (2003-2010) deu continuidade à contrarreforma da saúde iniciada em 1990, isto é, apesar de algumas inovações nas políticas sociais, como a criação do Bolsa Família, não rompeu com a lógica da contrarreforma advinda do governo FHC (BRAVO e PELAEZ, 2018).

Bravo (2009) destaca que havia uma expectativa que o governo Lula fortalecesse o projeto da reforma sanitária, porém, ocorreu a polarização com o projeto privatista voltado para o mercado. No governo Lula são criadas as Fundações Estatais de Direito Privado (FEDP) simbolizando uma reatualização das parcerias público e privado, das OSs

e das OSCIPs. O objetivo é o mesmo, ou seja, privatizar as políticas sociais, os serviços sociais, bem como flexibilizar os direitos dos trabalhadores.

Segundo Reis e Paim (2018), no governo de Dilma (2011-2016) houve a expansão do setor privado e, consequentemente, dos planos e seguros privados, dando continuidade à captura do SUS para esse segmento. A focalização nas políticas de saúde permaneceu.

No que diz respeito à Atenção Básica, foi o governo Dilma que implantou, em 2011, o Núcleo de Apoio à Saúde da Família – NASF, o qual flexibilizava algumas normas de organização e gestão do trabalho. No mesmo ano ocorreu a XIV Conferência Nacional de Saúde (CNS). Por meio do movimento sanitário foi lançada a Agenda Estratégica para a Saúde, colocando propostas estruturadas em 5 linhas de ação: 1) Saúde, Meio ambiente;

Crescimento econômico e desenvolvimento social; 2) Garantia de acesso a serviços de saúde de qualidade; 3) Investimento – superar a insuficiência e a ineficiência; 4) Institucionalização e gestão do sistema de serviços de saúde e 5) Complexo econômico e industrial da saúde (REIS; PAIM, 2018).

Importa mencionar um avanço para os trabalhadores da atenção básica com o lançamento do Programa de Valorização do Profissional de Atenção Básica (PROVAB), Através da portaria interministerial n.º 2.087, de 1º de setembro de 2011. Esse programa foi criado pelo Ministério da Saúde em parceria com o Ministério da Educação a fim de

“estimular e valorizar o profissional de saúde que atua em equipes multiprofissionais na atenção básica e na Estratégia de Saúde da Família a fim de diminuir a desigualdade entre as regiões ao levar os profissionais para locais mais carentes de saúde” (REIS; PAIM, 2018, p. 104). Além disso, em 2011, foi implantada a Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN), que já estava aprovada em 1999, e tem como propósito a melhoria das condições de alimentação, nutrição e saúde, buscando a garantia da Segurança Alimentar e Nutricional da população brasileira (BRASIL, 2013). No mesmo ano, foi instituído o Programa de Requalificação de Unidades Básicas de Saúde (Requalifica UBS) como uma das estratégias do Ministério da Saúde para estruturar e fortalecer a Atenção Básica. De acordo com o Ministério da Saúde, o objetivo geral do Programa é:

[...] criar incentivo financeiro para a reforma, ampliação e construção de UBS, provendo condições adequadas para o trabalho em saúde, promovendo melhoria do acesso e de qualidade da atenção básica. Envolve também ações que visam à informatização dos serviços e a qualificação da atenção à saúde desenvolvida pelos profissionais da equipe (BRASIL, 2022).

É importante ressaltar que no governo Dilma também houve a divulgação do Programa Nacional de Telessaúde Brasil Redes. Esse programa foi instituído pela Portaria do Ministério da Saúde nº 35 de janeiro de 2007, na qual era denominado Programa Telessaúde Brasil. Contudo, o mesmo foi redefinido e ampliado através da Portaria do MS nº 2.546, de 27 de outubro de 2011, passando a ser chamado de Programa Nacional Telessaúde Brasil Redes (Telessaúde Brasil Redes). Esse programa visa a melhoria da qualidade e o fortalecimento da atenção básica no SUS, integrando Educação Permanente em Saúde e apoio assistencial por meio de ferramentas e Tecnologias da Informação e Comunicação (BRASIL, 2011).

Apesar da elaboração de programas e políticas voltadas para o fortalecimento e melhoria do SUS, houve a instituição de uma das mais recentes formas de privatização da gestão do SUS: a criação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, a conhecida EBSERH, através da Lei nº 12.550, de 15 de dezembro de 2011. É uma empresa pública de direito privado e, por isso, segue a lógica das Fundações Estatais de Direito Privado.

Tem por objetivo geral prestar serviços de assistência médico-hospitalar, ou seja, assumir a gestão dos Hospitais Universitários Federais – HUs.

Na época de implementação da EBSERH ocorreram diversas manifestações pelo país que questionavam a sustentabilidade da administração pública dos hospitais universitários e os diferentes modelos de gestão que estavam se estabelecendo dentro do SUS (REIS; PAIM, 2018).

Para March (2012), a criação da EBSERH é mais uma tentativa de transferir o patrimônio público e flexibilizar os direitos dos trabalhadores do serviço público. Além disso, a autora destaca que a produção de conhecimento e a formação dos trabalhadores da saúde estão submetidas aos interesses do mercado, sendo inegáveis os prejuízos no atendimento de saúde da população.

O crescimento da mercantilização abriu caminho fértil para a expansão de novas formas de gestão como as OS, as OSCIPs, bem como as parcerias público-privadas (PPP) e a criação da EBSERH. Com efeito, intensificou a precarização do trabalho, a rotatividade dos trabalhadores da saúde, comprometendo os princípios e diretrizes do SUS constitucional (REIS; PAIM, 2018).

Tanto nos governos Lula, como no de Dilma, para Bravo e Menezes (2011), a política de saúde continuou se deparando com dificuldades de efetivação do projeto da reforma sanitária, podendo destacar uma das maiores dificuldades a implantação de modelos de gestão vertical, burocrático com ênfase na privatização, como a criação das

Fundações Estatais de Direito Privado e o ressurgimento das Organizações Sociais. Logo, vê-se o fortalecimento da precarização dos serviços públicos.

Os partidos de esquerda foram fundamentais na Constituição de 1988 e, a partir dos anos 1990, não conseguiram formular uma agenda em defesa das políticas públicas, da Seguridade Social e da Reforma Sanitária. Este fato permanece nos dias atuais, pois, ao assumir o poder, o Partido dos Trabalhadores tem se comportado somente enquanto governo, não conseguindo mobilizar a sociedade para a ampliação dos direitos sociais (BRAVO; MENEZES, 2011, p. 24)

Nos governos de Temer (2016-2018) e de Bolsonaro (2019 – ao tempo presente), a saúde pública continua sendo atacada duramente. Novos contornos da contrarreforma são implementados no Brasil e repercutido nos atuais projetos em disputa dentro do SUS (projeto da reforma sanitária, reforma sanitária flexibilizada e o projeto privatista) (BRAVO; PELAEZ; MENEZES, 2020).

No governo Temer houve retrocesso na política de saúde mental, mudanças na Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) e articulação efetiva com o setor privado.

Observa diversas propostas de mudanças para o SUS com o discurso de não haver recursos financeiros para sustentar os direitos previstos na Constituição Federal de 1988.

Um dos pilares da gestão do Ministério da Saúde foi a proposta dos Planos de Saúde Populares ou Acessíveis.

O Plano de Saúde Acessível tinha como principais propostas:

[...] a) Plano Simplificado – cobertura para atenção primária, restrita a consultas nas especialidade previstas no Conselho Federal de Medicina (CFM) e serviços auxiliares de diagnóstico e terapias de baixa e média complexidade;

b) Plano Ambulatorial + hospitalar – cobertura de toda atenção primária, atenção especializada, de média e alta complexidade; c) Plano em Regime Misto de Pagamento – oferece serviço por intermédio de contraprestação mensal para cobertura de serviços hospitalares, terapias de alta complexidade e medicina preventiva; e, quando necessário, atendimento ambulatorial (ANSS, 2017 apud BRAVO; PELAEZ; MENEZES, 2020, p 196).

Muitos foram os retrocessos no governo ilegítimo de Temer, porém, o maior deles foi a Emenda Constitucional n.º 95/2016 que congelou os gastos das políticas públicas por 20 (vinte) anos. Os impactos para a saúde são sentidos até hoje. De acordo com o estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a perda dos recursos destinados ao SUS em 20 anos é estimada em aproximadamente R$ 654 bilhões de reais, com um crescimento do PIB de 2% ao ano. Se houver um crescimento de 3% ao ano, esse valor chega a R$ 1 trilhão de reais. Diante disso, quanto mais a economia

brasileira aumentar, a perda dos recursos para a saúde também irá aumentar (BRAVO;

PELAEZ; MENEZES, 2020).

É importante ressaltar outro ataque do governo Temer para a saúde com a revisão da PNAB. Segundo Bravo, Pelaez e Menezes (2020), a Reunião da Comissão Intergestora Tripartite (CIT) composta pelo Ministério da Saúde, Conselho Nacional dos Secretários de saúde (CONASS) e Conselhos Nacionais de Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS), ocorrida em agosto de 2017, fez uma revisão da PNAB e, embora no texto a Saúde da Família continuasse sendo estratégia prioritária na expansão e consolidação da Atenção Básica, o principal destaque foi a tentativa de romper com a centralidade da atenção básica instituindo formas de financiamento em outros arranjos assistenciais que não contemplavam agentes comunitários de saúde – ACS em equipes multiprofissionais, dando abertura para que a organização da Atenção Básica tivesse uma base contrária aos princípios norteadores da Atenção Primária à Saúde (APS). Além disso, propôs uma diferenciação entre ações e serviços de padrão essencial e ampliado.

Ou seja, as ações e serviços de padrão essencial seriam os básicos e de padrão ampliado seriam estratégicos, provocando uma clara seletividade e diferenciação no acesso às ações e serviços pelos usuários da atenção básica. Ademais, as autoras enfatizam que a chamada nova política de atenção básica não leva em consideração os desafios históricos de

“fixação dos profissionais, da coordenação de cuidado e integração com outros serviços e níveis de complexidade, ampliação e melhoria do acesso e da base social, e o subfinanciamento” (p. 197).

No governo Bolsonaro, iniciado em 2019, os retrocessos não foram diferentes, tendo em vista que as contrarreformas iniciadas nos governos anteriores persistiram e são ainda mais perversas. Para Matos (2021), o governo Bolsonaro traz uma agenda fascista para a saúde pública se aproveitando dos caminhos tenebrosos abertos na curta gestão de Temer.

De acordo com o autor, vivencia-se nesse atual governo o aprofundamento do desmonte do projeto da reforma sanitária na sua fase mais severa ao dar continuidade ao desfinanciamento do SUS, a expansão das parcerias público-privadas bem como a extinção do Programa Mais Médicos e da contratação de profissionais cubanos, provocando que diversas regiões do país (principalmente no interior e na periferia das grandes cidades) ficassem sem atenção à saúde para a população (MATOS, 2021).

Além disso, de janeiro de 2019 até o momento [setembro de 2022], o governo Bolsonaro mudou de ministro da saúde 4 vezes, o primeiro-ministro Luiz Henrique

Mandetta comandou o ministério de janeiro de 2019 até abril de 2020. Devido às tensões no enfrentamento da pandemia da Covid-19, Mandetta foi substituído pelo médico Nelson Teich que permaneceu entre abril e maio de 2020, após isso veio Eduardo Pazuello, que não tem formação na área da saúde e acabou gerenciando o ministério de maio de 2020 a março de 2021. Atualmente, quem assume a pasta é o médico cardiologista Marcelo Queiroga, empossado em 23 de março de 2021.

Observa-se que, desde quando foi anunciada a pandemia da Covid-19, o Ministério da Saúde vive uma verdadeira dança das cadeiras com alta rotatividade de ministros, o que, sem dúvidas traz impactos para a condução da política de saúde no Brasil, especialmente no período de pandemia da Covid-19.

É importante destacar que houve a proposta do Ministro da Economia, Paulo Guedes, de criação de um voucher para a saúde e educação, notícia publicada em janeiro de 2019. A proposta do governo era de que o voucher seria uma espécie de “vale-saúde”

oferecido para que os usuários tivessem prestações de serviços básicos de saúde e educação por empresas privadas. Mais uma vez, transferindo a responsabilidade do Estado para as empresas privadas, desconsiderando os princípios organizativos do SUS de integralidade e hierarquização, uma vez que essa proposta desestrutura e desconsidera o atendimento à saúde por níveis de atenção, como a atenção básica, por exemplo (BRAVO; PELAEZ; MENEZES, 2020).

Todo esse cenário danoso de boicotes ao projeto democrático do SUS acarretou mudanças e particularidades para o trabalhado do/a assistente social na área da saúde. Ou seja, a nova configuração da política de saúde sob os moldes do projeto privatista voltado para o mercado, impacta no trabalho do/a assistente social em diversos aspectos, seja nas suas condições de trabalho, na formação profissional, nas influências teóricas, na ampliação da demanda ou na relação com os demais profissionais. O trabalho precarizado se amplia e os/as assistentes sociais são requisitados para amenizar situações de pobreza absoluta.

Os projetos em disputa na saúde apresentam diferentes requisições para o Serviço Social atualmente. De acordo com o documento do CFESS (2010), o projeto privatista vem requisitando um trabalho que não se articula com o projeto democrático da profissão ao solicitar dos/as assistentes sociais a seleção socioeconômica dos usuários, uma intervenção psicossocial através de aconselhamento, de ação fiscalizatória e assistencialista sob a ideologia do favor, provocando a retomada de um trabalho profissional individualista e conservadora.

O projeto da reforma sanitária ao se articular com o projeto profissional do Serviço Social vem requisitando dos/as assistentes sociais um exercício profissional que trabalhe questões como a democratização do acesso às unidades e aos serviços de saúde, possibilidade de formular estratégias de aproximação das unidades de saúde com a realidade, bem como realizar um trabalho interdisciplinar, dando destaque às abordagens grupais, o acesso democrático às informações e mobilização da participação popular (CFESS, 2010).

Observa-se ao longo da discussão que o Estado vem dando maior ênfase ao projeto privatista para a saúde e, consequentemente, o Serviço Social não está isento dessa tensão.

As requisições impostas para o/a assistente social vão contra os princípios do Projeto Ético-Político do Serviço Social, os quais primam pela a liberdade como valor ético central; defesa dos direitos humanos; equidade; justiça social; e pelo compromisso e qualidade dos serviços prestados à população. Observa-se que [...] o trabalhador deixa de ser um trabalhador ‘especializado’ [...] sendo solicitado a exercer múltiplas tarefas, até então não necessariamente envolvidas em suas atribuições regulamentadas (IAMAMOTO, 2000, p. 32).

Diante dessas questões delicadas postas aos assistentes sociais, o CFESS (2010) orienta que:

As ações a serem desenvolvidas pelos assistentes sociais devem transpor o caráter emergencial e burocrático, bem como ter uma direção socioeducativa por meio da reflexão com relação às condições sócio-históricas a que são submetidos os usuários e mobilização para a participação nas lutas em defesa da garantia do direito à Saúde. O profissional precisa ter clareza de suas atribuições e competências para estabelecer prioridades de ações e estratégias, a partir de demandas apresentadas pelos usuários, de dados epidemiológicos e da disponibilidade da equipe de saúde para ações conjuntas. As demandas emergenciais, se não foram reencaminhadas para os setores competentes por meio do planejamento coletivo elaborado na unidade, vão impossibilitar ao assistente social o enfoque nas suas ações profissionais. A elaboração de protocolos que definem o fluxo de encaminhamentos para os diversos serviços na instituição é fundamental (CFESS, 2010, p. 41).

Estes são alguns dos muitos desafios e, apesar dos avanços ao longo desses 31 anos de SUS, as contradições que permeiam a política de saúde indicam uma considerável distância entre a proposta do movimento da reforma sanitária e a forma de gestão desse sistema de saúde brasileiro.

Diante das adversidades apresentadas, a categoria dos/as assistentes sociais tem assumido um importante papel na defesa do SUS para além do trabalho vinculado aos