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CAPÍTULO II: ESTRATÉGIA NUCLEAR NORTE-AMERICANA

2. A Segunda Era Nuclear

2.2. Proliferação nuclear

Ao longo da Guerra Fria, já outros países, tinham demonstrado possuir capacidade nuclear. E, apesar das medidas destinadas a proteger o segredo tecnológico e dos elevados investimentos necessários ao desenvolvimento de um programa nuclear, vários observadores previram, desde o início da (Primeira) Era nuclear, a progressiva proliferação de potências nucleares71

(Couto, 1989). O debate académico em torno da proliferação nuclear divide-se fundamentalmente entre os optimistas, aqueles que afirmam «more may be better», e os pessimistas, aqueles que argumentam «more will be worse»(Sagan & Waltz, 2003). Por um lado, Kenneth Waltz e outros optimistas defendem que os Estados são actores racionais que actuam conscientemente de modo a maximizarem os seus interesses, na medida em que as armas nucleares aumentam o custo do conflito, dissuadindo os líderes políticos a envolver-se numa guerra contra os países com armas nucleares. A proliferação de armas nucleares, na concepção dos optimistas, tem um efeito pacificador sobre a sociedade/política internacional, levando à estabilidade mundial. Por outro lado, Scott Sagan e outros pessimistas argumentam que as armas nucleares nas mãos dos Estados aumentam ainda mais a possibilidade de crise, guerras preventivas, e de guerras nucleares por acidente. De acordo com os pessimistas, a proliferação nuclear contribui para um maior nível de instabilidade internacional, desafiado claramente o argumento optimista de que os Estados são actores unitários e racionais que se comportam de acordo com o próprio interesse. Pelo contrário, constrangimentos económicos e técnicos debilitam as capacidades de segurança, de comando e de controlo nos Estados que, como Irão e a Coreia do Norte, pretendem a todo o custo obter armas nucleares (Ibid).72

No quadro específico da Segunda Era Nuclear, a Guerra do Golfo (1991) haveria de demonstrar a possibilidade de um regime político aceder a armas ADM, podendo eventualmente usá- las contra as suas populações, países vizinhos, forças militares da coligação internacional (destacadas

70Em relação aos impedimentos do regime da desnuclearização, vide John Simpson (2002) e Deborah Ozga (2002). 71Sobre as razões que explicam o crescimento da proliferação nuclear, vide Dong-Joon Jo e Erik Gartzke (2007).

72Acerca destas matérias distingue-se a obra de referência de Scott Sagan e Kenneth Waltz (2003). Para uma análise crítica

no seu próprio terreno), bem como contra alvos num arco geoestratégico mais alargado73(Bundy et

al., 1993). Tal proliferação vertical, haveria de se confirmar após a resolução deste conflito, tendo sido considerada, por muitos analistas, como um facto de possíveis consequências calamitosas para a segurança do mundo e da Humanidade, embora subsistam académicos, como Kenneth Waltz, que a consideram não necessariamente indesejável74

. Presentemente, a importância da proliferação vertical mantém-se, mas com uma acuidade menor, tendo cedido o lugar central que então ocupava ao problema da proliferação horizontal, dominado pelos casos de alguns Estados que passaram a ver na posse das armas nucleares um elemento essencial das suas estratégias. Como por exemplo o estabelecimento de novas potências nucleares Israel, Índia e Paquistão. Todavia, os casos do Irão e da Coreia do Norte são os dois mais recentes paradigmas desta nova realidade. Deste modo, o xadrez nuclear passou a contar com mais peões, através da ideia de democratização da variável nuclear75

. Além do mais, a evolução dos canais de disseminação do conhecimento e de tecnologias, que passaram a estar mais acessíveis, através da Internet, permitiu que grupos, outrora sem protagonismo internacional, pudessem vir a ter uma eventual capacidade de influência, através do acesso, quer ao conhecimento do fabrico de armas nucleares, biológicas e químicas (NBQ), quer a redes de proliferação de armas desse tipo, muitas delas operacionais em países da ex-URSS (Nogueira, 2006). Mas também a países em desenvolvimento, como demonstra Payne, da seguinte forma:

There is a general consensus that the diffusion of the technology and know how necessary to produce WMD (weapons of mass destruction) and various means for their delivery, including ballistic and cruise missiles, is an inevitable function of educational, economic, and technological advancement in developing countries (1996: 13).

Neste contexto, por um lado, as armas nucleares deixaram de ser uso e conhecimento exclusivo do grupo de países cuja capacidade nuclear era oficialmente conhecida, para passarem a poder estar à disposição de países, fundamentalmente localizados em regiões de conflito latente ou existente, e que pretendem ter maior capacidade de influência na sua vizinhança.76Por outro lado, o acesso a este tipo

de armamento passou a estar ao alcance de grupos terroristas, chegando a falar-se das chamadas bombas sujas ou de loose nuk es ao seu dispor (Roberts, 1999).

Colin Gray (1999b) procura explicar o presente estado de proliferação nuclear com a teoria geral de que a posse de armas nucleares, mesmo quando não utilizável para alcançar objectivos políticos ou militares, pode funcionar, apenas pela sua existência, como arma de influência estratégica na promoção da política e objectivos de um beligerante, em caso de guerra. Em relação aos casos

73De acordo com Miguel Monjardino (2002): «a rapidíssima vitória dos militares americanos e seus aliados sobre as forças iraquianas

em 1991 contribuiu para a rápida inflação do valor das armas nucleares no Golfo Pérsico e Á sia».

74Sobre análise ao pensamento de Waltz (1981), Lawrence Freedman comenta que «[Waltz] had already struck out in the

1970’s against the universal consensus opposed to nuclear proliferation, and saw no reason to change his views with the end of cold war»(2003: 440). Tendo, reafirmado, mais tarde, esta posição no seu debate com Scott Sagan et al. (2003).

75Sobre a ideia de democratização da variável nuclear, vide Robert O’Neill (2000) e glossário.

concretos do Irão e da Coreia do Norte, existe uma forte incidência das teorias da dissuasão limitada (finite deterrence) e da absoluta superioridade militar convencional dos EUA sobre estes países. Neste sentido, a razão principal da opção nuclear por parte destes Estados, é a conservação de uma capacidade de resistência credível em relação à superpotência, que num contexto convencional não tem qualquer hipótese de a conseguir (Rodrigues, 2007). Portanto, investir no nuclear, para além de assegurar uma posição estratégica, permite na óptica destes países atingir os seus objectivos de segurança que de outro modo (convencional) seriam incapazes de atingir. Esta visão perturbadora retira qualquer possibilidade próxima de um possível desarmamento.