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Prometer casamento para contrair a ação sexual Prática comum entre os migrantes

No documento 2012Denilson Sumocoski (páginas 133-137)

A promessa de casamento está diretamente vinculada à prática do crime de sedução, crime inscrito no código penal brasileiro de 1940 que é usado como referência para este estudo. O crime de sedução é encontrado no artigo 217, onde é descrito que: “Seduzir mulher virgem, menor de dezoito anos e maior de quatorze, e ter com ela conjunção carnal, aproveitando-se de sua inexperiência ou justificável confiança”.333 Pois a promessa de casamento feita pelo sedutor quando encontra a vítima normalmente em situação vulnerável, estando ela já envolvida com ele, através de algum laço de afetividade, visto que a promessa de casamento só seria feita por alguém que possuísse um mínimo conhecimento sobre as características da possível vítima. Essa prática é tão comum que, desde o Brasil colônia, as promessas de casamentos configuravam-se como um meio de sedução. Carinhos, afagos, sinais amatórios, palavras de amor e promessas de casamentos são alguns dos muitos signos do ritual da sedução encontrados nos relatos processuais.334

A prática de prometer casamento para que se possa assim conseguir uma aventura sexual era prática comum no Brasil colônia tendo sido abordado por Silva, quando a autora narra um fato onde a moça residia no interior de São Paulo com seu pai e que por lá passava um cavalheiro que seguia o caminho para a região de Minas Gerais. Segundo a vítima, esse homem, quando por lá passava, trazia-lhe presentes e realizava inúmeras proposta para que ela se entregasse a ele, que após o ato sexual consumado, ele a levaria embora dali, e com ela se casaria. Mediante tal promessa, a moça cedeu seus intentos e com ele teve cúpula carnal. Porém, depois do ato, o homem se foi embora e por aquela região nunca mais passou. O caso chegou às autoridades locais do local em que a moça residia e quando o agressor foi localizado a fim de reparar o mal feito, ele alegou que nunca havia prometido casamento a ela. Além do mais, acresceu que ela nem moça era e que já havia se deitado com outros homens que passavam pela aquela estrada. Negou ainda o fato de ter dado algum presente para a suposta vítima.335

Caso como o narrado, fazendo ênfase a um ocorrido no Brasil colônia, aparecem com muita frequência nos relatos de crimes sexuais ocorridos na Comarca de Clevelândia, onde a promessa de casamento foi feita, mas, por algum motivo, a mesma era negada. No texto a seguir alguns exemplos serão elucidados. O código criminal de 1940 que pauta a análise de

333 MEDEIROS; MOREIRA, 1972, p.33. 334 DEL PRIORE, 1993, p.71.

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pesquisa, segundo alguns juristas, apresentava um grau de dificuldade em definir, com maior clareza, a distinção existente entre sedução, engano e fraude assim como definir o que é honestidade feminina perante um crime sexual. Para Viveiros de Castro, a sedução e o engano deveriam ser entendidos exclusivamente como crimes no contexto de uma promessa de casamento não cumprida, pois quando o homem deflora a mulher mediante fraude, ele, como agressor, leva sua vítima a acreditar que, após o consentimento do ato sexual, a formalização do casamento será apenas uma questão de pouco tempo. Sendo assim, Viveiros de Castro como jurista entende que a mulher poderia consentir o ato sexual mediante tal promessa, pois o deflorador viria a se tornar seu marido.336

Para ilustrar o quanto era comum a promessa de casamento contida na descrição dos processos analisados na pesquisa, o caso processual ocorrido em 1968 onde a vítima era a menor X com 16 anos de idade, de profissão doméstica, foi violentada e enganada pelo acusado Y com idade de 23 anos, operário na cidade de Clevelândia. A denúncia foi formalizada pela mãe da vítima, quando a vítima percebeu-se em estado de gravidez e sem a presença de seu namorado que o mesmo havia fugido da cidade quando teve a notícia da gravidez de sua namorada A denunciante fez ainda menção sobre a expectativa positiva que sua filha tinha em contrair o mais breve possível o matrimônio, pois já haviam adquirido, “o vestido branco, a grinalda, as flores de laranjeiras, a igreja, o padre”.337 Um fator de complicação contra o réu é que ele já havia sido denunciado na mesma Comarca por ter praticado um ato da mesma natureza na Fazenda Paiol no interior do município. Nesse processo em especial, ficou configurado um dos preceitos para que a justiça entenda como crime de sedução, pois o réu residia na mesma casa da vítima e de sua mãe, sendo isso caracterizado como justificável confiança. Sobre o processo, assim, o representante judicial descreve a denúncia feita:

O sedutor era pessoa de inteira confiança da requerente, pois, inclusive, morava em sua própria casa. Que este sedutor, aproveitando-se da inexperiência e confiança de sua filha, e prometendo-lhe casamento veio a seduzi-la e engravidá-la, fugindo, tão logo soube deste ultimo fato, isto em junho do corrente ano. Desesperada pela ausência do namorado, sedutor, sua filha, X, não mais resistindo, resolveu contar a requerente os fatos, ocasionando a representação feita diretamente à autoridade policial, conforme segue.338

Nesse mesmo processo, sobre a prática de prometer casamento e não cumprir o que se

336 CAULFIELD, 2000, p.78.

337 Processo nº 62/68 de 1968 da Comarca de Clevelândia. 338

configura como crime, algo muito interessante foi realizado pelo agente da justiça da Comarca, quando descreveu a compreensão do jurista Hungria sobre a promessa de casamento. Esse trabalho foi feito pelo funcionário da Comarca a fim de tranquilizar a denunciante de que a justiça seria feita a todo o custo, visto que o funcionário era conhecido da denunciante. Assim Hungria foi mencionado no processo.

O sempre festejado Nelson Hungria acha que é o mais franco de obtenção do proveito genésico. Não a lastreia qualquer artifício iludente. É o aliciamento da frágil vontade da menor por obra exclusiva da sugestão, da insinuação, da instigação, da excitação. É a suplica perseverante, a blandícia envolvente, o reiterado protesto de amor, a frase madrigalesca, a linguagem quente do desejo insatisfeito, a caricia persuasiva, a hábil comunicação da volúpia, o prelúdio excitante dos beijos, os contatos gradativamente indiscretos. Numa palavra: é a arte de “DON JUAN”. Na sua forma qualificada, se apresenta quando o agente, para impor-se à confiança da vitima, faz crer a esta que o mal será reparado pelo casamento. Comumente, há o noivado oficial ou a formal promessa de casamento; mas não é raro que a ilusão do próximo matrimônio seja obtida sem compromisso explicito, resultando de fatos que fazem supor as sérias intenções do agente (HUNGRIA, Nelson. Dicionário Jurídico Brasileiro).339

Os agressores enquadrados nessa tipologia de crime já exerciam relações pessoais com a vítima e, em alguns casos, com a família dela. A descrição do artigo 217 apresenta duas possibilidades de interpretar a ação do crime, são elas: a inexperiência denota que a vítima não possui nenhuma malícia contra os argumentos de uma vida sexual ainda não apresentada a ela, ou seja, a vítima desconhece as armadilhas que o ato sexual pode acarretar para sua vida futura, as caricias até então desconhecidas pela vítima, as palavras doces e os sussurros ao ouvido são artimanhas usadas frequentemente pelos agressores. Já a justificável confiança é o estágio que a vítima deposita toda certeza de que as promessas do agressor se tornar-se-ão verdades, serão cumpridas. Entre as promessas, a principal delas é forjada através da promessa do casamento. É preciso salientar que a região Sudoeste enquadra-se nesse estudo como uma região agrícola, interiorana, sendo analisada em meados do século passado, e que o ato de contrair casamento principalmente para as moças era uma conquista, pois, a partir de então, passariam a formar um núcleo familiar dentro da moralidade cristã, com o casamento realizado.

O ato de a vítima entregar-se ao agressor antes do casamento, ceder a maior virtude feminina que era o hímen, seu selo de honestidade, de honra, tanto no entender da justiça assim como da própria vitima, essa ação nada mais era do que apenas um adiantamento daquilo que viria a se concretizar futuramente, que era o casamento e uma vida sexual

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monogâmica.

A entrega do hímen feminino era então o momento em que a moça consentia e depositava todo o seu querer em realizar o casamento. Quando o homem, possível agressor negava-se a tal ação, geralmente eram acionados os dispositivos judiciais, a vítima acompanhada de um membro familiar, geralmente uma figura masculina, informava a justiça a fim de que pudesse ser reparado o mal feito. A reparação judicial dava-se através do ato do casamento entre as partes.

Nesses casos, o que poderia se configurar como uma história de amor, sendo o casamento realizado nos padrões Ocidentais do cristianismo, virava caso de polícia, uma relação até então com o envolvimento somente do futuro casal, tornava-se uma discussão judicial, pública e de conhecimento de todos.

Um exemplo de promessa de casamento mediante o crime de defloramento foi cometido no ano de 1969, onde a vítima X e o réu Y eram namorados já três anos. O crime, segundo versão da vítima, ocorreu na casa de seu namorado, quando a mesma foi até lá entregar uma encomenda para sua futura sogra que não se encontrava em casa, sendo assim, o réu convidou-a para entrar e ocorreu a prática do crime de defloramento. O depoimento da vítima sobre o fato é o seguinte:

Que chegando lá, parou na porta da cozinha e perguntou a Y o que queria; Que Y sem lhe responder nada acendeu um cigarro e lhe deu para fumar; cujo cigarro estava no bolso da camisa; que a declarante começou a fumar o cigarro enquanto Y lhe fazia mil propostas; dizendo que se ela se entregasse a ele, ele casaria com ela, senão não casava; que a declarante começou a se indignar ao mesmo tempo sentido uma indisposição, dor de cabeça, tontura, não podia nem falar nem caminhar, que então a declarante começou a chorar, e ele lhe dizia que não precisava chorar, que ele fazia isto porque queria casar com ela, e que depois que ela se entregasse a ele, ele saberia o que fazer, que a declarante ficou quieta, que então ele pôs as mãos sobre os ombros dela e começou a levará para dentro de casa; que dentro do quarto ele a pegou e a abraçou dizendo que não precisava ela chorar; que ele iria se casar com ela depois de acontecer que tinha de acontecer; e não levou cinco minutos; ele pediu que ela não contasse a ninguém, nem a sua mãe, que dentro de três meses ele casaria com ela.340

Para destacar outro caso ocorrido na Comarca de Clevelândia Sudoeste paranaense sobre a prática do crime de sedução e a promessa de casamento não cumprida, no processo inscrito com o número 07/74 ocorrido em 1974, assim foi descrita a queixa da vítima X mediante a não aceitação do casamento pelo suposto agressor Y:

340

Que, em dias não precisados, no presente inquérito policial, que serve de base e fundamento à presente denuncia, cujos fatos ocorreram no mês de novembro, do ano de 1972, o denunciado X, no interior da residência de D.S, situada na localidade de Cel. Firmino Martins, nesta comarca de Clevelândia, aproveitando-se da inexperiência e justificável confiança da vitima Y, seduziu a mesma vitima com a promessa de casamento, mantendo com ela conjunção carnal, por várias vezes, a qual na ocasião dos fatos era virgem, tudo conforme atesta o laudo de exames de conjunção carnal da folhas dos autos.341

Inúmeras situações chamam atenção nesse processo, uma delas é que a acusação do pai da vítima perante a justiça é formalizada quase dois anos depois, sendo que a vítima residiu com o acusado durante seis meses, depois disso, a acusado devolveu a vítima a sua família, alegando que ele iria trabalhar uma temporada fora, na cidade de Palmas e não queria deixar a moça sozinha. Quando a vítima e seu pai perceberam que o acusado não voltaria mais a residir em Clevelândia e não deu mais noticiais de seu paradeiro, resolveram procurar a justiça para assim formalizar a queixa.

Entretanto, esse foi mais um dos casos onde o réu, depois de localizado e o transcurso do processo, foi absolvido. A absolvição do mesmo deu-se pelo mau comportamento que a suposta vítima teve durante o tempo em que o réu esteve fora da cidade. A suposta vítima X foi definida pela justiça como moça namoradeira e que não merecia proteção judicial. Já Y que estava sendo enquadrado como agressor foi entendido como homem honesto e trabalhador. A justiça chegou a essas conclusões através dos depoimentos colhidos das testemunhas que foram ouvidas no transcorrer do processo.

No documento 2012Denilson Sumocoski (páginas 133-137)