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É muito comum encontrar defensores da pronúncia “Jeová”. Mas, há alguns problemas nessa defesa, pois, entre o período pós-exílico e Cristo (DAVIS, apud READ, 1958a), os judeus por um respeito extre-mado, baseados em Levítico 24:167, deixaram de pronunciar o nome

3 Alguns transliteram a consoante vav com v e não com w. Este estudo usará a transliteração comum nos EUA, que utiliza w.

4 Contudo outros há que defendem o número de 5.321 vezes, como Abba (1961), Payne (1998).

5 Contagem feita pelo software BibleWorks 7.0.

6 “The Great and Terrible Name, […] The Ineffable Name”.

7 O verso diz: “E aquele que blasfemar o nome do SENHOR, certamente morrerá; toda a congregação certamente o apedrejará; assim o estrangeiro como o natural,

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divino, considerado então inefável, ou indizível, não sendo possível sa-ber com certeza a real pronúncia.

Josefo diz que não era permitido pronunciar o nome (Ant. II.12,4), e Filo relata que ele era ouvido e proferido no Santos dos Santos (Vit.

Mos., iii.11). A Mishna Barachoth (ix. 5) diz, comentando sobre Rute 2:4 […]8, que seu uso era permitido em cumprimentos. Abba Schaul (Sanhedrin x. 1), por outro lado, inclui entre aqueles que não têm parte na vida futura todos os que pronunciarem o nome divino como está escrito. De acordo com Maimonides (More, i.61), o nome pode ser pronunciado somente no templo pelos sacerdotes enquanto pronunciavam a benção [sacerdotal], e pelo sumo sacer-dote no dia da expiação; mas mesmo esse privilégio foi perdido de-pois da morte de Simeão (OEHLER, 1883, p. 1152, tradução livre).9

Alguns chegam a afirmar que, quando no Santo dos Santos, o sacerdote não pronunciava, mas sussurrava o verdadeiro nome divino (LOCKYER, 1975). Outros afirmam, segundo o Talmud Kiddushin, que “a pronúncia do di-vino nome de quatro letras YHWH, os sábios confiavam a seus discípulos uma vez a cada sete anos, no ano sabático” (READ, 1958b, p. 36, tradução livre).10

Entretanto, mesmo parando de pronunciar o nome de Deus, os judeus ainda o escreviam na forma das consoantes hebraicas yod, hê, waw, hê, com-pondo o tetragrama sagrado; sendo que na leitura realizada na sinagoga este nome foi substituído por ’ādônāy, significando “meu senhor”, ou apenas Senhor (PAYNE, 1998), ou ainda por ’elōhîm, quando o tetragrama estava

blasfemando o nome do SENHOR, será morto.”

8 Rute 2:4: “E eis que Boaz veio de Belém, e disse aos segadores: O SENHOR seja convosco. E disseram-lhe eles: O SENHOR te abençoe.”

9 “Josephus says he was not allowed to utter the name (Ant. II. 12, 4), and Philo re-lates that it was heard and uttered in the Holy of holies (Vit. Mos., iii. 11). The Mishna Barachoth (ix. 5) says, in commenting upon Ruth ii. 4, Judg. ii. 16, that its use was permitted in greetings. Abba Schaul (Sanhedrin x. 1), on the other hand, includes amongst those who have no part in the future life all who pronounce the divine name as it is written. According to Maimonides (More, i. 61), the name might only be uttered in the temple by the priests in pronouncing the blessing, and by the high priests on the day of atonement; but even this privilege was taken away after the death of Simeon.” 10 “The [pronunciation of the Divine] Name of four letters [JHVH] the sages con-fide to their disciples once a septennate [sabbatical year]”.

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associado com ’ādônāy (הוהי י ָנ ֹד ֲא) (THOMPSON, 1992). Mesmo na época em que foram escritos os Manuscritos do Mar Morto, já se fazia desta ma-neira. Num tempo que não havia sinais vocálicos, a forma como deveria ser lida, adonay, era colocada sobre o tetragrama (BYINGTON, 1957).

Anos depois, “quando os escribas massoretas adicionaram as vogais aos manuscritos hebraicos da Bíblia no 7º ou 8º séculos A.D. [com o objetivo de preservar o conhecimento da linguagem falada (NICHOL, 1954, v. 1, p. 34) eles adicionaram as vogais de ’ādônāy às consoantes” do tetragrama, que quando é transliterado tem-se a forma anômala: YeHoWaH11 (WARREN, 1984, p. 22, tradução livre)12, ou em português, Jeová; forma difundida no meio cristão desde 1518 por Petrus Galatinus, confessor do papa Leão X (THOMPSON, 1992).13 Resultado de uma má compreensão do Ketib-Qere14.

Porém, no meio judaico moderno, o rabino Melamed (2001, p. 159) argu-menta sobre a liturgia: “Em respeito à sua enorme santidade, o Tetragrama não é pronunciado nas rezas ou durante a leitura da Torá conforme está escrito, sendo substituído por Ado-nai [sic] ou hashem” (ם ׁ ֵּש ָה), “o nome” (Lv 24:11).Apesar das controvérsias, a maioria dos eruditos concorda que a pronúncia mais provável de YHWH, diferente daquela lida no Qere Perpetuum15 pela Idade Média, é Yahweh (FREEDMAN, 1986). Esta conclusão foi tirada de considera-ções filológicas baseadas em: 1) A forma verbal da provável raiz de YHWH,

hāyāh, quando flexionada na “1ª pessoa comum do imperfeito Qal, resultando

em ’ehyeh” (informação verbal)16; 2) Escritos gregos dos pais da Igreja, tais como Teodoreto (4º século) e Clemente de Alexandria (início do 3º século). Teodore-to, bem como Epifanius, afirmou que os Samaritanos liam o nome ’Ιαβέ e os

11 Alguns acreditam ser a forma correta e original, como Gataker e Leusden, (apud OEHLER, 1883).

12 “When the Masoretic scribes added vowels to the Hebrew manuscripts of the Bible in the seventh or eighth century A.D. they added the vowels for ‘Ado-nai to the consonants YHWH”.

13 Thompson também argumenta que talvez essa forma confusa tenha começado por volta do ano 1100; contudo, Gesenius em seu léxico defende a data aproximada de 1520 por Galatinus. (BROWN; et al., 1980).

14 Do Aramaico lit. [O que está] escrito e [Como deve ser] lido (WIKIPEDIA, 2011). 15 Qere Perpetuum é a forma vocalizada ה ָ ֹוה ְי ou ה ִֹוה ְי transmitida pelos massoretas, pela junção das consoantes do tetragrama com as vogais de י ָנ ֹד ֲא, que foi transliterada e transmitida por Jeová. Ver Jenni (1978).

16 Comentário proferido por Reinaldo W. Siqueira nas aulas de Hebraico II na Faculdade Adventista de Teologia, em 2009.

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judeus ’Αϊά. Clemente, por sua vez, dizia ’Ιαουέ; e 3) Outras evidências extrabí-blicas, como a inscrição amorita, que apresentam yahwî (THOMPSON, 1992). Entretanto, há contra-argumentações: 1) Formas hipocorísticas17 geral-mente prefixadas a nomes próprios, como yô ( ֹוי[p.ex. yôkebed — “Joquebede”]) ou yehô ( ֹוה ְי p.ex. yehôšûa‘ — “Josué”]); ou sufixadas como yāh (ה ָי [p.ex. ’ēliyyāh — “Elias”]) ou yāhû (וּה ָי[p.ex. yirmeyāhû — “Jeremias”]) (ABBA, 1961); 2) Fragmentos gregos encontrados em Qumran que indicam a pronúncia yāhô (PAYNE, 1998); 3) Os papiros de Elefantina no Egito (c. 400 a.C.) apresentam em aramaico YHW, que segundo estudiosos, teria a provável vocalização de

yahû (FREEDMAN, 1986); e 4) Payne (1998, p. 347) acrescenta que “tais tes-temunhos [dos manuscritos em grego] são muito recentes e parecem contradizer testemunhos judaicos bem mais antigos, como os papiros de Elefantina e os ele-mentos teofóricos18 dos nomes hebraicos, nenhum dos quais terminava em ‘eh’”. Portanto, não há concordância sobre qual seja a correta pronúncia do tetragrama, mas bem poucos creem que seja “Jeová” (OEHLER, 1883),19

sendo, a tradução mais improvável. O mais seguro é ficar com a tradução portuguesa moderna da Bíblia, com o vocábulo “SENHOR”, proveniente do Qere, ’ādônāy, presente desde o 2º século a.C. nos Manuscritos do Mar Morto, e que aparece no grego da LXX como κύριος desde o 3º século a.C.20

YHWH: o tetragrama e seu significado

“Disse Moisés a Deus: Eis que, quando eu vier aos filhos de Israel e lhes disser: o Deus de vossos pais me enviou a vós outros; e eles me pergun-tarem: Qual é o seu nome? Que lhes direi?” (Êx. 3:13).

17 Hipocorísticoé uma palavra cuja formação fonética tem o objetivo de suavi-zar ou atenuar o som da palavra de que se origina. Por extensão, um hipocorís-tico pode ser também uma palavra derivada de um nome próprio, adotada com propósitos de diferenciação por intimidade. Em geral, mas nem sempre, consis-tem na forma reduzida do nome por apócope ou aférese, algumas vezes também no grau aumentativo ou diminutivo (WIKIPEDIA, 2011).

18 Nomes teofóricos são aqueles que, na sua composição, tem a palavra Deus ou o nome de uma divindade específica. Wikcionario (2011).

19 A Tradução Novo Mundo das Escrituras Sagradas, das Testemunhas de Jeová, é um exemplo das traduções modernas que mantém o nome Jeová.

20 O vocábulo grego da LXX foi emprestado para o Novo Testamento. Mais tarde fora traduzido por Jerônimo na Vulgata por Dominus em ambos os Testamentos.

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O nome no Antigo Testamento não é simplesmente uma etiqueta, uma “designação convencional” (CAZELLES, 1977) ou um título externo, mas sim algo que exprime “a realidade profunda do ser que o carrega” (MICHAUD, 2001), sua natureza (PAYNE, 1998), o papel que ele desem-penha no universo como um todo; tanto que, caso não se conheça o nome, não se conhece a pessoa que o leva (Jz 13:6; MICHAUD, 2001).

Dentro do contexto de Êxodo 3, a pergunta do profeta expressa uma inda-gação a procura de qualidade, expressão (ABBA, 1961), “significado, caráter e interpretação do nome” (KAISER JR., 1990, p. 320, tradução livre)21, o que está por detrás dele. Portanto, ao Moisés perguntar pelo nome de Deus, signifi-cava que ele queria saber o caráter daquele que aparecera nessa experiência de teofania e que agora o enviava, a fim de apoiar-se em Sua autoridade (DURHAM, 1987), legitimando a comissão de Moisés (METTINGER, 1987).

Logo, ao se descobrir o significado do nome divino, também se desco-brirá parte do caráter do ser que o carrega, no caso, o próprio Deus.

No entanto, este estudo se limitará às principais linhas de interpreta-ção, pois como afirma Durham, “a gama de interpretações […] é quase in-terminável” (DURHAM, 1987, p. 38, tradução livre) 22.