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1. Estudo filológico

1.5 Prontuários

Os prontuários do sanatório seguem um padrão, visando à organização das informações sobre os internos, pois a partir do momento em que são registradas as informações sobre os pacientes e atestadas pelo médico como desvio comportamental, a internação é autorizada. Há trabalhos publicados com base na análise de prontuários de pacientes internados no Pinel como os de Lima-Hernandes (2008), Vacaro (2011), Figueiredo (2011), todos eles com vistas à questão da internação da mulher.

Todos os prontuários utlizados nesta pesquisa seguem o seguinte padrão:

1. Capa

a. Número do paciente f. Estado civil

b. Nome g. Profissão

c. Idade h. Residência

d. Dados étnicos i. Data de entrada e. Nacionalidade j. Data de saída

Por meio dessas informações, verifica-se que os pacientes que escreveram as cartas desta pesquisa tinham diferentes idades, mas a maioria entre 20 e 30 anos. Todos eram brancos e se dividiam quase que igualmente entre casados e solteiros. A profissão começou a ser descrita somente a partir de 1935, e note-se que todas as mulheres tinham a mesma ‘profissão’:

doméstica. Essa informação permite conjecturar que a grande maioria das mulheres não exercia

atividade remunerada, indicando que os afazeres do lar deveriam ser sua primeira preocupação (FIGUEIREDO, 2011, p. 56). Grande parte dos pacientes desta pesquisa residia em São Paulo e arredores, alguns poucos vinham de outros estados ou países. O período de internação é bastante diverso. Há pacientes que passaram dois ou três meses, outros que ficaram longos anos, há ainda aqueles que tiveram uma única passagem pela instituição e outros que entraram e saíram diversas vezes.

2. Exame no ato da entrada

a. Nome

b. Data e hora c. Acompanhantes

d. Físico (descrição completa dos aspectos físicos do paciente) e. Mental (descrição completa do aspecto mental do paciente)

Essa parte do prontuário registra as primeiras impressões físicas e mentais do paciente durante o processo de internação. No item d. Físico, eram observadas, por exemplo, a proporção entre altura x peso, musculatura, ossatura, condições gerais da pele, língua, olhos. No que diz respeito à descrição mental, registravam-se as observações quanto à associação de ideias, memória, orientação espacial, comportamento do paciente.

3. Exame somático 4. Exame neurológico

a. Dados antropométricos a. Estática

b. Hábito externo b. Orientação

c. Vício de conformação c. Motilidade

d. Aparelho respiratório d. Sensibilidade

e. Aparelho digestivo e. Refletividade

f. Órgãos gênito-urinários f. Órgãos dos sentidos g. Glândulas de secreção interna g. Exame complementar

Nos itens acima, o exame físico é minucioso e apresenta resultados como os reflexos do paciente, marcha (caminhar), equilíbrio, fotossensibilidade, pulmões, constituição dentária.

5. Exame psíquico

h. Grau de cultura i. Atenção

j. Compreensão

k. Associação de ideias – fuga de ideias ou simples aceleração na marcha do pensamento, confusão

l. Memória, recordação dos fatos antigos e recentes m. Noção do meio lugar e tempo

n. Estado de humor predominante

o. Sentimentos éticos – pudor, diferença pelo meio social e familiar p. Capacidade de trabalho, reações ao meio social

Parte do item acima é o que se apresenta transcrito parcialmente na próxima seção. Trata- se de informações sobre educação formal e cultura geral do paciente, descreve seus modos de raciocínio, desejos, humores, posicionamentos ideológicos e fatos da vida pregressa. O texto transcrito nessa seção não deve ser considerado como fim em si mesmo, mas como parte

integrante da identidade do documento, ou seja, como resultado de práticas sociais desenvolvidas em um contexto específico.

A maneira como o estudioso entende o documento trará implicações e resultados de diferentes naturezas. Quando o documento é elaborado por um remetente, para um destinatário, em um local e situação específicos, o pesquisador passa a conhecer mais as circunstâncias históricas de seu material, a entender a razão de sua elaboração, do seu envio e, mais ainda, passa a entender mais o seu conteúdo. É nesse momento que a filologia novamente se alia a ciências afins como história, antropologia, sociologia, para oferecer o máximo de informação possível acerca de seu objeto de pesquisa.

A documentação disponível não permite concluir se a intenção dos familiares era buscar tratamento para correção de conduta social ou buscar cura de doenças ou ainda adotar medida de punição. Há prontuários que mostram várias entradas e saídas de um mesmo paciente, há também os que declaram internação voluntária. Nestes casos, percebe-se que a pessoa buscava cura para seus problemas, ainda que não fossem somente de saúde. O que se mostra, na maioria dos casos, é a crença na capacidade médica de identificar, tratar e curar uma pessoa de qualquer sofrimento.

Por meio de Antonio Carlos Pacheco e Silva, o fundador e idealizador do Sanatório Pinel, podemos entrever a construção do saber médico daquela época, a prática exercida diariamente no sanatório e até o propósito sociopolítico de tais cientistas. Apesar de enxergarmos a prática psiquiátrica da época como instrumento de poder – e, indo além, perceber as mais variadas formas de sofrimento ligadas diretamente a esta –, não podemos considerar médicos e psiquiatras como seus únicos agentes. A medicina é aqui um saber construído por indivíduos que fizeram parte de um amplo tecido social: ao mesmo tempo que seus experimentos buscaram responder questões sobre o real funcionamento do corpo de homens e mulheres, estes foram influenciados por formas pré-estabelecidas de tipos sociais. (VACARO, 2011, p. 14)

Na próxima seção, apresentam-se as fichas de apresentação do córpus e os estudos filológicos, de acordo com as explicações anteriores. Organizadas na mesma ordem em que se encontram no Arquivo, aqui, as fichas estão numeradas de 1 a 30.

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