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Proposições explicativas para o déficit democrático

1. DÉFICIT DEMOCRÁTICO: CONCEITUAÇÃO E PROBLEMATIZAÇÃO

1.3 Proposições explicativas para o déficit democrático

A partir da leitura dos primeiros itens deste capítulo, verifica-se que grande parte da literatura latino-americana nas áreas de Direito de Integração, de Ciência Política e de Relações Internacionais aponta a existência de um déficit democrático no Mercosul. Uma parcela significantemente menor, nega a existência desse problema de cunho democrático. O que há de comum entre as duas correntes é que nenhuma delas se aprofunda na análise teórica do déficit mercosulino combinando teoria política e análise empírica das instituições do bloco – como um todo e não somente dos órgãos parlamentares –, de forma a justificar seus posicionamentos. No que tange aos autores que analisam as instituições da União Europeia, percebe-se que há correlação entre teoria a análise empírica, levando a resultados opostos: alguns autores que defendem que não existe uma lacuna democrática e outros afirmam que o déficit é inerente aos organismos internacionais.

Como resultado de um exercício de análise dos argumentos elencados pelos autores do nosso subcontinente, foi possível dividir aqueles que defendem a existência de um déficit democrático no Mercosul entre nove proposições explicativas, que serão objeto de uma análise mais profunda ao longo dos capítulos subseqüentes: 1) O modelo institucional intergovernamental; 2) a preponderância do Executivo, desprovido de legitimidade democrática, na estrutura do bloco e seu monopólio do poder decisório; 3) a falta de transparência dos processos decisórios; 4) a falta de participação da sociedade civil nos na tomada de decisões; 5) a projeção no nível regional dos déficits democráticos dos Estados Partes; 6) a tentativa de reprodução do modelo de repartição de poderes em um

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“To explain why international institutions and processes will be non-democratic, I intend to consider just two of the innumerable aspects of democracy. These are democracy as a system of popular control over governmental policies and decisions, and democracy as a system of fundamental rights.” (DAHL, 1999, p. 20)

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“The famous democratic deficit that has been so much discussed with respect to the European Union is not likely to be greatly reduced in the EU; elsewhere the deficit is likely to be fat greater”. (DAHL, 1999, p. 20)

organismo internacional; 7) as lacunas no processo de internalização de normas; 8) problemas de compatibilidade e de interpretação das normas regionais em relação ao direito internos dos Estados e ao Direito Internacional; e 9) a debilidade das funções outorgadas ao parlamento regional.

Robert Dahl afirma que o déficit democrático é inerente aos organismos internacionais, e que dada a sua organização, problema de accountability e problemas na representatividade dos cidadãos, eles podem ser denominados apenas de sistemas burocráticos de barganha e não como democráticos.

Por seu turno, a corrente latino-americana que defende não existir déficit democrático no Mercosul, conceitualiza o déficit como sendo originado de uma concessão de soberania por parte do Estado a um organismo internacional. Assim, por se tratar de um modelo intergovernamental, o Mercosul não sofreria de um problema democrático.

Os autores europeus apresentam uma percepção distinta do déficit democrático nas instituições europeias. De acordo com os debates retromencionados, é possível selecionar nove justificativas para a não existência de déficit democrático na União Europeia: 1) o que existe, na verdade, é uma crise de credibilidade que é confundida com déficit democrático; 2) os organismos de integração têm caráter sui generis e, portanto, não devem ser comparados com a repartição de poderes estatal; 3) a adoção de critérios majoritários não significa maior democracia, especialmente em sociedades pluralistas; 4) o caráter intergovernamental de algumas instituições gera mais democracia ao conceder a cada Estado um voto; 5) as normas comunitárias sofrem maior controle interno e externo do que as normas nacionais; 6) as instituições europeias que escapam ao controle democrático são da mesma natureza do que aquelas que fogem a esse controle no âmbito nacional; 7) o baixo índice de participação da sociedade civil nos processos de decisão não é exclusividade da UE, pois o mesmo ocorre em nível doméstico; 8) existe uma preferência por parte dos cidadãos de um tratamento comunitário de determinadas matérias, em detrimento de um tratamento nacional; e 9) o objetivo da União Europeia é corrigir as deficiências de mercado, buscando o ótimo de Pareto, e não buscar produzir resultados redistributivos ou alocativos - que advêm do modelo majoritário.

Assim, apresentamos nove proposições explicativas para a existência de déficit democrático no Mercosul e na União Europeia e nove, para a não existência. Nesse contexto, a interdisciplinaridade assume um papel importante, pois enumerando as análises acima, percebemos uma convergência de autores dos campos do Direito Internacional, das Relações Internacionais, da Ciência Política, da História e da Economia Política. Isso se dá, pois, uma análise da integração regional que pretenda expressar sua complexidade deve admitir as diferentes esferas do conhecimento. Essa assertiva é corroborada por outros autores das ciências sociais, como Mercadante, Celli Júnior e Araújo (2006, p.19).

Portanto, com base nos argumentos das dezoito proposições acima, buscaremos refutá-los ou convalidá-los nos próximos capítulos, fazendo uma referência cruzada dos argumentos europeus, tentando verificar sua aplicação ou não ao caso sul-americano. Tal exercício será feito com base em teorias da Ciência Política e das Relações Internacionais e, também, com base na análise empírica da estrutura do Mercosul e de seus processos políticos como um todo.