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Fonte: Dados da pesquisa

No exemplo 24, temos um modelo de conclusão mais direcionado para a síntese do tema do que propriamente uma proposta de intervenção. O autor retoma aspectos relacionados à persistência do racismo sem, necessariamente, apontar um caminho para uma possível resolução do problema. Já no segundo simulado (exemplo 25), ele mostra maior apropriação acerca do que seria uma conclusão interventiva, apontando agentes (pequenos agricultores e a população), e ações, como o aproveitamento das outras fontes de energia. Desse modo, fica evidente o desenvolvimento da competência, uma vez que na segunda redação um novo direcionamento é dado ao modo de concluir o texto.

Com relação à metodologia utilizada pelas professoras para o trabalho com a quinta competência da matriz, observamos que Bernadete trabalhou de forma mais pontual e sistematizada, inclusive destacando alguns dos elementos que foram apropriados pelos alunos, tais como possíveis agentes e ações. No caso de Mirian, não houve o mesmo direcionamento. A professora dá orientações mais gerais, como o fato de a proposta ter de ser exequível; não ser algo mirabolante, buscando atender às necessidades de sociedade. Desse modo, não se percebe o mesmo rigor da parte dos alunos do Olivina na estrutura e composição da proposta de intervenção. Observemos, por exemplo, a estrutura “[...] o governo juntamente com as escolas devem fazer projetos para as crianças [...]”, no exemplo 22, que é recorrente nos textos dos alunos do Sesquicentenário, deve-se, principalmente, a necessidade de deixar claro quem são os agentes que realizarão a ação. No excerto do exemplo 25, no entanto, esse elemento encontra-se mais diluído ao longo da proposta.

Os itens que constituem a proposta de intervenção possuem um caráter mais objetivo quanto à construção de sua planificação. Esse aspecto se apresenta como um dado facilitador, que permite aos estudantes identificarem os elementos necessários na constituição dessa

proposta, tais como os agentes a as ações que devem ser realizadas. No entanto, o momento do detalhamento da ação, que exige uma maior subjetividade, figurará como o diferencial da proposta, contribuindo para a elevação na pontuação conferida para indicar o nível de desenvolvimento de cada estudante. Nesse aspecto reside um fator de dificuldade para eles, tendo em vista o caráter mais subjetivo que, por sua vez, exige a busca do novo, do diferente. No entanto, na maioria das vezes, os estudantes mostram-se presos a um modelo padronizado, a partir do que é posto pela professora em sala, o que se sobressai à capacidade de desenvolver propostas dentro de um projeto de autoria.

Com base no que observamos até aqui, buscamos estabelecer uma discussão acerca da proposta de intervenção, a partir da função a ela atribuída na composição do texto de modelo dissertativo-argumentativo, bem como o modo pelo qual a competência V é trabalhada e desenvolvida pelos professores e estudantes em sala de aula.

4.6 Para além dos argumentos: a proposta de intervenção

O sujeito enquanto agente transformador da sociedade não é quem apenas observa e descreve um problema, mas aquele que é capaz de propor uma saída. Desse modo, quando nos reportamos à redação do ENEM, é na proposta de intervenção que o candidato é cobrado a demonstrar tal competência. De caráter propositivo, a proposta se apresenta como uma conclusão-solução (VIANA, 2011), que de acordo com Abreu (2015, p. 99), toma o espaço antes condedido à conclusão-síntese, na qual ocorre uma retomada dos argumentos do autor, na medida em que

A conclusão solução exige que o candidato extrapole a simples reordenação de argumentos já elaborados ao longo do texto e que, diante de um quadro socialmente complexo, seja capaz de propor uma intervenção que demonstre não apenas criatividade, mas principalmente engajamento social e respeito aos direitos humanos. (ABREU, 2015, p. 99)

Desse modo, antes de ser autor, o candidato precisa assumir a posição de agente que observa e, sobretudo, que atua na sociedade. Assim, ao propor a escrita do texto dissertativo argumentativo, o ENEM não apenas introduz um novo modelo de conclusão da redação, que se dá a partir da necessidade de trazer à tona a capacidade interventiva do autor, como também faz repensar a estrutura da redação escolar, predominante até então, e, consequentemente, a metodologia para o trabalho com a escrita de textos em sala de aula, uma vez que, segundo Abreu, a redação do ENEM

[...] figura como um instrumento avaliativo que transcende a mera aferição de conteúdos adquiridos em uma ou outra disciplina escolar de forma compartimentada. Através da exigência de que o candidato elabore, em seu texto, uma proposta de intervenção para o problema abordado, que respeite os direitos humanos, a redação do ENEM passa a ser vista como o único instrumento avaliativo capaz de aferir, de forma direta, o quão bem sucedidos foram a família, o Estado e a sociedade na consecução do objetivo constitucional de formar pessoas preparadas para o exercício pleno da cidadania (ABREU, 2015, P. 100).

Nessa perspectiva, faz-se necessário repensar o real objetivo da inserção da proposta de intervenção no modelo de redação do ENEM, uma vez que, ao se realizar de forma automatizada, apenas para cumprir uma exigência do exame, a proposta acaba perdendo seu sentido. A escrita dela exige que se apontem ações e agentes que devem realizá-las. Desse modo, o autor deve, não apenas saber o que precisa ser feito, mas também apontar a quem compete fazê-lo. Além disso, ela deve ser exequível, de modo que aquilo que está posto, possa, a qualquer momento, ser realizado.

Consideramos, ainda, o que o Guia do participante pontua sobre a proposta:

Essa proposta, ou seja, a solução para o problema, deve contemplar cada ponto abordado na argumentação. Assim, a proposta deve manter um vínculo direto com a tese desenvolvida no texto e manter coerência com os argumentos utilizados, já que expressa a sua visão, como autor, das possíveis soluções para a questão discutida (BRASIL, 2013, p. 25).

O documento ressalta que o candidato, como autor do texto deve ser capaz de expressar a sua visão. No entanto, entende-se que, por vezes, alunos e professores acabam sendo conduzidos pela necessidade de estabelecer um modelo ideal a ser seguido para se dar bem na avaliação da competência V da redação. Criam-se, inclusive, propostas que possam se adequar aos mais variados temas. Dentro dessa conjuntura, que espaço é destinado a capacidade autoral do aluno, quando ele apenas preenche um modelo posto para atender a determinado padrão? Quando isso acontece, ele está, realmente, assumindo o papel de agente transformador da sociedade?

Ainda de acordo com Abreu (2015, p. 101), ao elaborar a proposta, o candidato lança mão dos conteúdos atitudinais, atrelados aos conceituais e procedimentais, apreendidos ao longo da formação na educação básica, na medida em que assume uma postura ativa diante da realidade na qual se insere. Pensando por esse viés, não teria maior relevância uma proposta que aponta agentes como o governo e outros órgãos institucionais diante daquela que propõe

ações ao cidadão em seu cotidiano. Muito pelo contrário, se o objetivo da apresentação da proposta é desenvolver a capacidade de um cidadão crítico, as ações do cotidiano podem tanto quanto, ou até com mais eficiência, atender ao ponto de vista da exequibilidade, prevista para sua elaboração.

Não podemos nos prender a propostas perfeitas que, no entanto, são modelos engessados, que em pouco ou nada refletem a capacidade cidadã do estudante. Se apenas serve para cumprir uma exigência formal, a proposta de intervenção deixa de exercer a função crítico-propositiva da realidade social e passa a ser apenas mais um elemento que o candidato deve inserir em sua redação. É preciso dar à proposta de intervenção a atenção que ela exige, uma vez que, quando os alunos conseguem compreender o seu real objetivo dentro da redação, são capazes de desenvolvê-la de modo mais próximo à realidade problematizada.

Além de uma avaliação para ingresso no Ensino Superior ou de um mero produto da atividade escolar, o texto dissertativo-argumentativo introduzido pela proposta de redação do ENEM é um exercício de reflexão crítica, que exige que o estudante assuma uma posição diante da realidade, colocando-se no papel de agente transformador. Desse modo, não basta escolher argumentos a anotar num papel, é necessário intervir dentro de uma realidade, de modo a ser capaz de transformá-la.

5 UMA PROPOSTA DE INTERVENÇÃO PARA O ENSINO DO TEXTO DISSERTATIVO-ARGUMENTATIVO: POSSÍVEIS ENCAMINHAMENTOS

Pensar o ensino do texto dissertativo-argumentativo prevê atividades que promovam o desenvolvimento das cinco competências previstas para a escrita da redação. Tendo isso em mente, considerando a necessidade de metodologias variadas, propomos, a seguir, observações que podem direcionar a realização desse trabalho nas aulas de Língua Portuguesa. Para tanto, relacionamos as competências que possuem pontos em comum e podem ser avaliadas de forma integrada.

5.1 Competências I e IV

É necessário propor atividades que levem à reflexão sobre as relações que se estabelecem no uso da língua. A melhor maneira para se desenvolver as competências de uso da língua é partindo do próprio texto do aluno, trabalhando em cima das dificuldades encontradas. Observemos, como exemplo, o seguinte excerto, retirado de uma das redações que compõem o nosso corpora: