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Proposta de uma nova maneira de se calcular e analisar o índice

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.4 ÍNDICE SL (STREAM-LENGHT GRADIENT INDEX)

2.4.5 Proposta de uma nova maneira de se calcular e analisar o índice

Os desequilíbrios potencialmente encontrados a partir da aplicação do índice SL podem ser resposta à diferentes contextos, por exemplo: locais onde uma carga sedimentar grosseira é introduzida por tributários (e.g. HACK, 1973; WOODFORD, 1951); deformações tectônicas crustais (BURNETT & SCHUMM, 1983; KELLER & ROCKWELL, 1984; MCKEOWN et al., 1988; RAMÍREZ-HERRERA, 1998); propagação à montante de knickpoint como consequência de soerguimentos crustais (BISHOP et al., 2005; GOLDRICK & BISHOP, 1995; NOTT et al., 1996; REED, 1981; SEEBER & GORNITZ, 1983; SEIDL et al., 1996; WEISSEL & SEIDL, 1998); distúrbios do sistema fluvial decorrentes de atividade vulcânica (VAN DER BEEK & BISHOP, 2003; WHIPPLE et al., 2000); propagação à montante de variação do nível de base (PENCK, 1953; SEIDL et al., 1994) entre outras. Além dessas possíveis explicações, a conjectura de áreas com litologia mais competente do que sua vizinhança (e.g. BRUSH, 1961; HACK, 1957; LEWIS, 1945) não pode ser deixada de lado.

A identificação da relação causa-efeito responsável por essa configuração espacial de distúrbios nos perfis longitudinais semi-logarítimos dos sistemas fluviais é complexa. Goldrick & Bishop (2007) alegam que a interpretação dos resultados do índice SL não é “straightforward” (pg. 651).

Goldrick & Bishop (2007) apontam que a grande utilização do índice SL para análises de desequilíbrio nos sistemas fluviais não foi concomitante à discussão teórica do índice e da sua interpretação, o que diminuiu a qualidade, em sentido amplo, das análises da aplicação desse. Além disso, o aumento da disponibilidade e facilidade de manipulação de dados topográficos digitais agravaram a situação, uma vez que simplificam a aplicação do índice SL em diferentes áreas e aumentam cada vez mais a escala de trabalho com o índice (GOLDRICK & BISHOP, 2007; KELLER & ROCKWELL, 1984; MCKEOWN et al., 1988) – que antes era “laborious and only attempted on relatively limited scales” (GOLDRICK & BISHOP, 2007, pg. 650).

Para exemplificar essa visão de complexidade da interpretação do índice SL, Goldrick & Bishop (2007) analisam criticamente algumas das aplicações clássicas do índice SL, especificamente, (1) a interpretação de Hack (1973, pg. 426) para o Rio Potomac e (2) a aplicação de McKeown et al. (1988) para o Salem Plateau.

Goldrick & Bishop (2007) afirmam que o uso do índice SL (1) nas porções distais do Rio Potomac por Hack (1973) para enfatizar o controle da resistência litológica no perfil longitudinal do rio não é clara. Hack (1973) teria interpretado desequilíbrios semelhantes no perfil longitudinal do rio, de maneira diferente, sem que existam características objetivas que diferenciem esses desequilíbrios. Alguns desequilíbrios seriam interpretados como mudança do nível de base, enquanto desequilíbrios de magnitude semelhante, na mesma área, teriam sido interpretados como uma resposta de equilíbrio dinâmico à exposição de rochas mais resistentes.

Já com relação ao trabalho (2) de McKeown et al. (1988), Goldrick & Bishop (2007) afirmam que a interpretação dos autores para o aumento à jusante dos valores de índice SL no Salem Plateau como sendo resultado de “doming” é inapropriado, uma vez que tal interpretação pressupõe uma tendência de orientação dos cursos fluviais no sentido do gradiente formado pelo processo de “doming” e que, ao invés disso, a área de estudo de McKeown et al. (1988) apresenta uma ampla gama de orientações dos canais fluviais, sem nenhuma tendência ou padrão estabelecidos.

Nesse sentido, dada à inconsistência potencial dos trabalhos que utilizaram o índice SL para a análise de diferentes sistemas fluviais, o trabalho de Goldrick & Bishop (2007) apresenta a formalização de uma nova maneira de analisar o perfil longitudinal de equilíbrio dos rios: o índice DS. A elaboração teórica do índice DS será delineada a seguir a partir de Goldrick & Bishop (2007).

O índice DS lida com as relações entre distância e declividade nos canais fluviais. Assim como no índice SL de Hack (1973), o modelo DS considera a distância (L) como um substituto da vazão (Q), e a relação entre esses parâmetros é apresentada pela equação (9):

𝐐 = ℸ . 𝛌 ( 9 )

onde ℸ e 𝜆 são constantes. A taxa de incisão (𝐼) é função da energia do rio, sendo proporcional ao produto entre a vazão (Q) e o gradiente do canal (S) (LEOPOLD et al., 1964; SEIDL & DIETRICH, 1992).

= 𝐢 . 𝐒 . 𝐐 ( 10 ) onde i descreve a proporção da energia do rio que é expedida na incisão, sendo determinada pela geometria hidráulica do curso fluvial. A taxa de incisão do rio em equilíbrio (𝐼𝑔𝑟𝑎𝑑𝑒) pode ser apresentada como na sequência:

𝐠𝐫𝐚𝐝𝐞 = 𝐢 . 𝐒 . 𝐐 ( 11 )

Quando um curso fluvial atravessa litologias com diferentes resistências, a energia requerida para manter a taxa de incisão de equilíbrio aumenta ou decresce. A equação (11) pode ser expandida para representar tal situação:

𝐠𝐫𝐚𝐝𝐞 = 𝐢 . 𝐒 .𝐐

𝐑 ( 12 )

onde R representa a resistência litológica. Tal equação pode ser escrita de outra maneira:

𝐒 = 𝐠𝐫𝐚𝐝𝐞 . 𝐑

𝐢 . 𝐐 ( 13 )

Substituindo Q pela expressão da equação (9) é possível chegar à seguinte equação:

𝐒 = 𝐠𝐫𝐚𝐝𝐞 . 𝐑

𝐢 . ℸ . 𝛌 ; 𝐒 =

𝐠𝐫𝐚𝐝𝐞 . 𝐑

𝐢 . ℸ . −𝛌 ( 14 )

Caso a expressão 𝑔𝑟𝑎 . 𝑅

𝑖 . ℸ seja substituída por k, a equação (14) poderá ser reescrita

para:

𝐒 = 𝐤 . −𝛌 ( 15 )

Que também poderá ser expressa sob a seguinte forma:

𝐥𝐧 𝐒 = 𝐥𝐧 𝐤 − 𝛌 𝐥𝐧 ( 16 )

Essa é, pois, a equação que descreve o modelo DS. Tal equação determina uma relação linear entre o logaritmo natural do gradiente de um rio e o logaritmo natural do comprimento desse; essa relação não é nova na literatura acadêmica geomorfológica (GOLDRICK & BISHOP, 2007), tendo sido estabelecida empiricamente (e.g. BRUSH, 1961; HACK, 1957; KNIGHTON, 1975; TALLING & SOWTER, 1998).

Uma mudança na resistência litológica altera o valor de k (𝑘 = 𝑔𝑟𝑎 . 𝑅

𝑖 . ℸ ), determinando

assim um deslocamento paralelo do índice DS do rio naquele trecho. Já um desequilíbrio no perfil longitudinal teria como expressão um conjunto de valores desordenados que seriam discrepantes no modelo DS (GOLDRICK & BISHOP, 2007). A figura 7 representa tal contexto. Essa seria a principal vantagem do índice DS com relação ao índice SL, segundo Goldrick & Bishop (2007), a de apresentar um recurso claro de identificação entre respostas de equilíbrio dinâmico à presença adjacente de rochas com diferentes resistências e desequilíbrios do perfil longitudinal dos rios.

Fonte: Goldrick & Bishop (2007).

Além disso, observando a equação (15), é possível notar que se o valor do expoente λ for igual a 1, o modelo DS será igual ao modelo SL de Hack (1973). A equação (15) poderia, então, ser reescrita como:

𝐒 =𝐝𝐝 = 𝐤. − ( 17 )

Entretanto, o valor de λ – expoente da relação entre vazão e comprimento do rio – apresenta na maior parte dos casos um valor diferente de 1. Tal conjectura faz com que a correspondência entre os modelos DS e SL seja minoritária, o que determina que a equação que descreve o perfil longitudinal do rio segundo o índice DS seja diferente da equação (1) (relativa FIGURA 7. Perfil longitudinal (a) e modelo DS (b) de um rio hipotético. X representa uma variação na resistência litológica, enquanto Y e Z representam desequilíbrios do perfil longitudinal.

ao modelo SL). A equação que descreve o perfil longitudinal segundo o índice DS, para λ diferente de 1 é:

= − 𝐤 − 𝛌− 𝛌 ( 18 )

Essa equação evidencia a principal fraqueza do modelo DS com relação ao índice SL: o índice SL é facilmente determinado, pois é uma função dos valores conhecidos L e H; já o índice DS não é tão facilmente determinado, pois depende, além dos valores conhecidos L e H, do valor desconhecido λ (GOLDRICK & BISHOP, 2007).

O desenvolvimento do índice DS foi uma tentativa ativa de Goldrick & Bishop (2007) de minimizar os problemas interpretativos do índice SL; ele oferecia um meio objetivo de se diferenciar respostas de equilíbrio dinâmico, de desequilíbrios dos perfis longitudinais. Entretanto, o grande apelo de utilização do índice SL é sua simplicidade de entendimento, facilidade para ser calculado e seu potencial de avaliação de gradientes fluviais e atividade tectônica regional (e.g. KELLER & ROCKWELL, 1984; McKEOWN et al., 1988). A aplicação do índice DS para estudos geomorfológicos é, ao contrário disso, muito trabalhosa, uma vez que “the value of λ will vary between streams so that it must be determined empirically for each stream” (GOLDRICK & BISHOP, 2007, pg. 663). O valor de λ tem de ser determinado individualmente através de análises de regressão em áreas onde o índice DS apresentasse pouca variabilidade e nenhuma descontinuidade marcada.

Tal dificuldade de aplicação do índice DS reforça a utilização do índice SL. Isto posto, os trabalhos de Bezerra (2010) e Bezerra & Campos (2011) atestaram que o índice SL é efetivo enquanto medida do vigor energético dos rios. Bezerra (2010) e Bezerra & Campos (2011), trabalharam com a modelagem do nicho ecológico da espécie invasora Limnoperna fortunei – popularmente conhecido como Mexilhão Dourado – utilizando os algoritmos Genetic Algorithm for Rule-Set Production (GARP) e Maximum Entropy Method (MAXENT) para o trecho distal do Rio Paranaíba. Trabalhos anteriores (e.g. OLIVEIRA, 2009) haviam utilizado apenas variáveis físico-químicas das águas em uma escala regional para a modelagem de nicho do mexilhão dourado. Entretanto, as variáveis físico-químicas não conseguiam explicar a distribuição do Mexilhão Dourado para o trecho final do Rio Paranaíba.O índice SL foi utilizado como dado de entrada dos modelos de distribuição potencial nos algoritmos GARP e MAXENT, e os modelos

gerados responderam com grandes valores estatísticos de acurácia, o que comprovou a eficiência do índice SL em modelar o vigor energético dos cursos fluviais.

Uma vez que o índice SL é efetivo quanto a sua proposta teórica, a dificuldade maior em sua utilização está na interpretação dos resultados. Ele não apresenta nenhum recurso prático para a diferenciação entre as muitas causas possíveis de desequilíbrios que o perfil longitudinal dos rios pode sofrer. Então, como interpretar os resultados de maneira correta?

O índice SL aplicado regionalmente propiciará um contingente de valores que serão proporcionais ao gradiente dos rios naquele ponto e refletirão a competência dos mesmos. Caso o sistema fluvial não tenha sofrido influências de deformações crustais, deve ser esperado um relevo em acordo com os determinantes passivos do mesmo; ou seja, um relevo no sentido de Hack (1960), em que terrenos sob rochas mais resistentes se apresentam com maiores declividades e conteúdo energético do que os terrenos sob rochas menos resistentes. Os valores de índice SL obtidos para tal área deveriam seguir a mesma lógica, com maiores índices SL para áreas sob rochas mais resistentes.

Caso o sistema fluvial tenha sofrido influência de movimentos crustais superficiais, deve ser esperado uma distribuição de índice SL que seja contrastante com os determinantes passivos do relevo. Todo o vale fluvial pode ser basculado a montante, a jusante ou o basculamento pode ser através do vale para qualquer dos lados de sua área de inundação. Tal conjectura prescreverá necessariamente aumento ou redução de gradiente dos rios e assimetrias nas bacias dos mesmos. É importante, portanto, analisar a distribuição espacial do índice SL de maneira concomitante com as características e história estrutural da área.

Desse modo, valores de índice SL que não respeitem as restrições impostas pelas diferentes competências litológicas de uma área, podem ser um indicativo de influência de tectônica ativa. O estudo de Etchebehere et al. (2005) é um bom exemplo do tipo de estudo concomitante e complementar que deve ser feito para a interpretação do índice SL; nesse trabalho, a área de estudos foi segmentada em setores com comportamento estrutural semelhante, através da análise dos lineamentos estruturais, assimetrias de drenagem, registros estratigráficos e informações de campo.

Em adição a estas influências primárias de mudanças de gradiente, poderão ocorrer efeitos secundários, que são as respostas dos rios através de agradações e degradações. Tais respostas determinam que estudos estratigráficos e sedimentológicos sejam relacionados diretamente com

os estudos da distribuição dos índices SL e que, além disso, os mesmos podem servir de teste para as diferentes interpretações advindas da utilização do índice.

Além desses cuidados, é importante tentar observar a influência das confluências dos rios na distribuição do índice SL, pois é a partir delas que ocorre súbito aumento na descarga e nos sedimentos carreados causando ajuste das características hidráulicas e físico-químicas dos rios (BAND, 1993; LEOPOLD et al, 1964).