• Nenhum resultado encontrado

Propostas de Educação Pública de Diderot Radicalização e Escola Pública

Nos três textos em que Diderot defende uma educação pública para a Rússia (Mémoires, Observations e Plano de uma Universidade), o filósofo sustenta que a criação desta educação é o único meio de atingir uma estrutura política baseada na vontade geral - isto é, nada além da educação pública pode produzir e assegurar todos os valores republicanos expostos acima (nos capítulos I e II); o que é uma novidade destes três textos.

Estes escritos mostram, ademais, que é precisamente a sua proposta de escola estatal que possibilitará ao filósofo iluminista uma radicalização em sua concepção de sociedade justa e Estado legítimo. Não é, pois, senão a educação generalizada que vai permitir ao filósofo formular a sua proposição de governo popular - profundamente baseada na participação política de cidadãos esclarecidos; e na distribuição dos postos sociais a partir do mérito individual.

À luz dos textos ora analisados, tanto a participação política de uma população esclarecida (sobre os seus direitos e seus deveres cívicos), quanto esta organização social baseada no mérito, seriam mais do que inviáveis; seriam mesmo impossíveis sem um plano geral de educação. Analiso, então, neste capítulo principalmente o sentido da educação pública como centro do pensamento diderotiano sobre a coisa pública, bem como certas características da escola formulada por Diderot - diretamente ligadas a esta significação.

Como a tese diderotiana da importância de uma educação pública para a construção de uma sociedade justa aparece apenas nas próprias obras em que Diderot projeta sua educação estatal (Mémoires e Plano de uma Universidade) e nas Observations, impõe-se a questão: o que pode justificar este aparecimento da escola pública como elemento decisivo da política?

Diderot não se pronuncia sobre o tema da educação em outras obras; apesar disso, a instrução como causa política e como base do progresso da humanidade faz-se presente em grande parte seu pensamento político. Seja em suas reflexões sobre o papel pedagógico do teatro; seja no cerne das intenções anunciadas para o projeto enciclopédico; seja, enfim, na defesa das ciência moderna como elemento civilizador, a ideia geral da importância política, social, moral e histórica do saber faz-se onipresente em sua obra - e mesmo em sua vida.

Os meios pelos quais Diderot pensa esta difusão das luzes variam em relação direta com o ensejo, com as condições de possibilidade, tal como estas se apresentam. A Enciclopédia, por exemplo, não tinha como finalidade propor políticas públicas a governantes específicos. Se um projeto de educação pública, com as dimensões que Diderot ousou propor, não era de se esperar em uma proposta de reforma institucional encomendada por um chefe de Estado setecentista, muito mais estranha seria se tal proposta se situasse em qualquer outro escrito.

Sendo assim, pode-se perceber que a proposição reformista completa de Diderot, na qual a educação pública é o elemento central, oferece-lhe a oportunidade para edificar uma concepção mais abrangente de Estado; e mesmo de sociedade civil - isto é, não só no tocante aos seus arranjos institucionais, mas também no que concerne o seio das relações sociais.

Isto consiste em dizer que se, cronologicamente, a defesa da educação pública encampada por Diderot coincide com os textos nos quais ele a propõe; os fins para os quais ela é um meio são, desde sempre (e, por assim dizer, ontologicamente), o tema central do pensamento de Diderot, em todas as áreas em que este alguma vez já tenha se manifestado.

Contudo, a educação pública, tal como pensada e sugerida por Diderot, apesar de depender do engajamento estatal (e de, portanto, precisar da coragem, do apoio e compromisso daqueles que controlam o Estado), não se configura, para o filósofo francês, como um simples meio de difusão das luzes, em pé de igualdade com outros - como o teatro e a própria Filosofia.

A educação púbica, para Diderot é o meio, por excelência, para a difusão e o progresso das luzes - pois compreende em si mesma todos os outros meios possíveis. Mas não só para este fim de difusão e progresso das luzes. A educação pública formulada por Diderot seria também um instrumento de justiça, primeiro porque daria a todos as mesmas oportunidades de progresso pessoal; e, segundo, porque determinaria rigorosamente qual é o mérito de cada cidadão - o que ofereceria ao governo o único critério justo (pois baseado, em última instância, na natureza) para o preenchimento dos diferentes cargos da sociedade: o mérito.

Temos assim que a educação pública de Diderot não só favorecerá a difusão das luzes e a justiça em uma sociedade, favorecerá também o seu progresso, uma vez que, onde nenhum talento será desperdiçado, a sociedade ganha por todos os lados. Um ganho que, sustenta Diderot, ultrapassará os limites de quaisquer fronteiras, geográficas ou históricas.

Analiso, então, na parte a deste capítulo III, a sociedade que Diderot visa construir com a sua educação pública. Isto é, examino primeiramente os fundamentos desta política de Diderot, onde o mérito individual é eleito como, a um só tempo, critério de justiça e força motriz desta sociedade; assim como analiso os mecanismos pelos quais este critério ultrapassará os muros da escola e preencherá as instituições e as mentalidades do Império Russo. Em seguida, na parte b, examino a totalidade do projeto de educação de Diderot, em cinco diferentes aspectos.

a) O mérito individual: estratégia para o progresso e a justiça

Dentre as reformas sociais e institucionais defendidas por grande parte dos autores do período das Luzes – Diderot entre eles – está o intento de construir uma sociedade sobre os alicerces do mérito individual. Além de estratégia de superação do antigo regime e seus castelos de apadrinhamentos e preenchimento de cargos baseado em critérios de nascimento, o fito de substituir tais critérios pelo do mérito dos indivíduos liga-se a duas crenças (praticamente não contestadas por estes pensadores setecentistas): 1) de que, quanto mais uma sociedade for alicerçada na razão e no talento individual, mais justa e harmoniosa será a vida social; e, 2) de que a justa aferição deste mérito é algo facilmente realizável, tanto pela escola, quanto pelas demais instituições do Estado - na distribuição dos cargos públicos.

Vê-se, assim, que, por mais pesadas que sejam as críticas de Diderot ao quadro geral da educação escolar do século XVII europeu, paradoxalmente, é no interior das escolas setecentistas que o filósofo iluminista vai buscar um critério para corrigir toda a

sociedade. Por isso, de todas as fortes críticas que o filósofo faz aos colégios existentes, a escolha do mérito como critério de seleção e de exclusão visivelmente não é uma delas.

Apesar de seu conhecido racionalismo, cumpre notar que aquilo que Diderot chama de mérito transcende a esfera puramente intelectual. Para o enciclopedista este mérito também concerne as disposições morais do indivíduo. Isto é, mais do que a erudição que porventura se tenha alcançado, espera-se que esta ganhe um sentido moral e, por isso, a escola diderotiana prima tanto pelo ensino das virtudes cívicas quanto pelo das luzes das ciências, das letras e das artes. Se, para Diderot, os progressos de ambas as dimensões – moral e intelectual – encontram-se geralmente reunidos no indivíduo, isto só se dá como tendência geral e não se pode impunemente abrir mão de uma formação moral para as crianças.

Assim como todo o contratualismo, Diderot distingue as desigualdades naturais das desigualdades convencionais. Entretanto, se a posição social foi decidida pelo mérito, esta desigualdade de posição entra na classe das desigualdades naturais. Todas as demais desigualdades e privilégios originados das diferenças de condição são, pois, ilegítimas. Por isso, o filosofo admoesta a imperatriz em relação às formas tradicionais e injustas de organizar a sociedade: busque algum outro meio de distinguir os homens, pois o mérito

é o meio mais seguro de civilizar uma nação e manter-lhe o vigor, pois só permite que reste entre homens a única desigualdade natural, a única distinção real, a da inépcia e do talento, a do trabalho e da preguiça, a do vício e da virtude (Diderot 1966, p. 168, tradução nossa).

Diderot defende, por isso, uma espécie de regime do mérito: um quadro social a ser criado, onde mérito seria o principal fator de sucesso e de fracasso entre os homens. É precisamente este o modo mais seguro para civilizar uma nação. À guisa de exemplo, Diderot propõe um diálogo fictício entre um pai e seu filho, para mostrar as implicações éticas de uma sociedade repleta de casos de pessoas que podem ascender socialmente através da sua virtude e aplicação. De acordo com este diálogo - do capítulo XVII das Mémoires - tais implicações não fazem senão incentivar a virtude e o empenho entre os jovens.

Antes deste, Diderot propõe o exemplo oposto (no capítulo IV do mesmo livro), no qual uma mãe repreende o preceptor de seu filho por ter-lhe ensinado coisas demais. Segundo esta mãe (que representa os valores de uma sociedade desigual e injusta), a educação deve ensinar a arte de conseguir boas relações e o favor dos homens poderosos.

Eis, segundo Diderot, o vício e a ignorância como consequência direta de uma sociedade que definitivamente não valoriza o mérito. Por isso, na sociedade concebida por Diderot, a escola deve formar tanto o soldado quanto o magistrado; e cada passo deste ensino corresponderia a um tipo de ocupação, de modo que as profissões mais elevadas seriam ocupadas por aqueles que, com suas qualidades próprias, teriam seguido sua educação até a última etapa.

Buscando um contraponto histórico, Diderot diz que entre os romanos a recompensa pelo esforço era o mérito, através da qual os homens poderiam inclusive subir na escala social e até acessar importantes postos no Estado. Entre os modernos

produz-se, segundo o autor, o contrário: a única recompensa para a instrução e o esforço é a vaidade, pois a mobilidade social não tem nada a ver com aplicação, competência ou mérito.

Esta é a razão pela qual Diderot aconselha Catarina II diversas vezes e com muita ênfase que todos os postos do Império Russo sejam preenchidos por meio de concurso público, onde o mérito de cada postulante ao posto seja colocado à prova como o critério de seleção mais importante. Assim, Diderot critica fortemente a prática (quase universal) que consiste em escolher para praticamente todos os cargos do império homens que gozem da proteção dos grandes, ou dos critérios de nascimento e riqueza. Para que a sociedade russa supere estes critérios injustos de distinção, bem como os efeitos nocivos destes, o filósofo francês considera que os concursos públicos serão o instrumento único e fundamental.

Em suas Mémoires, Diderot elege um caso exemplar da correta aplicação desta prática: de um lugar que, de todos os corpos, o melhor constituído é aquele que é formado e que se perpetua por este uso: a Faculdade de Direito de Paris. Elogio este que o diretor da Enciclopédia retirará dois anos depois, como veremos abaixo, no Plano de uma Universidade, onde, além disso, critica fortemente o seu conteúdo (Diderot, 1966, tradução nossa).

Todavia, ainda nas Mémoires, Diderot descreve o ritual do concurso para uma cadeira nesta Faculdade de Direito - ritual bastante elogiado por Diderot, pois, ainda que haja espaço para pequenas injustiças, o balanço geral vai sempre tender em favor de um homem de mérito, pois cedo ou tarde o mérito superior terá a sua recompensa. O apadrinhamento, pelo contrário, afasta os hábeis e honestos de todas as instituições do império (atraindo para elas as características morais opostas); pois, assim como arbítrio,

ele geralmente é praticado por todas as escalas, superiores e inferiores do Estado (Diderot, 1966, tradução nossa).

A emulação presente nestes concursos, é vista como elemento que, premiando o mérito, conduz à excelência; ao passo que, quando o critério não é o mérito, sustenta Diderot, emulação gerada só pode fomentar a vaidade; e produzir um outro tipo de disputa, de postos e honras (sobretudo nas faculdades e nas academias), que suga a energia do gênio e o gosto da elevação pelas ciências.

Beatrice Didier vê neste procedimento uma extensão da escola diderotiana para os demais espaços da vida social, uma vez que traz desta a sua marca mais profunda, a crença na justiça entendida como valorização do mérito individual: as Observations não são sem implicações pedagógicas, na medida em que elas preconizam o concurso como modo de recrutamento para os funcionários do Estado (Didier, 1995, tradução nossa).

Assim, partir desta mudança geral da própria lógica de funcionamento do Estado e da sociedade, será impossível, garante Diderot, que o ouro se torne o primeiro móvel da nação... as prerrogativas puras e simples de nascimento serão reduzidas ao seu justo valor e, finalmente, uma longa sequência de homens honestos e instruídos suceder-se-ão em todas as funções públicas do Império (Diderot 1966, tradução nossa).

Podemos constatar que não são pequenos os benefícios que Diderot considera atingíveis através do estabelecimento de uma sociedade baseada no mérito. É por isso que, em suas Observations, o filósofo chega a sugerir que seja criada uma nova nobreza, fundada sobre o mérito e não sobre o nascimento; e que, portanto, não seja hereditária, mas constituída por aqueles que ocupariam (por merecimento) os mais altos cargos do império - homens de gênio, certamente. Estes podem e devem ser honrados

por estátuas e homenagens, mas nunca desfrutar de direitos exclusivos, tais como isenções fiscais ou privilégios diante de um tribunal.

Esta restrição de Diderot sobre as vantagens que os homens de talento devem ter em uma sociedade justa revela bem quais são, segundo o filósofo, os limites entre direitos e privilégios; e que, acima de tudo, para o diretor da Enciclopédia, estes últimos não devem jamais ter lugar em um Estado que se quer equânime. Segundo Diderot, mesmo os direitos adquiridos pelo merecimento não devem jamais ser postos acima da igualdade natural e legal entre cidadãos.

Diderot não propõe, então, uma sociedade sem hierarquia, mas uma sociedade estabelecida sobre uma hierarquia considerada justa, por estar calcada nos seguintes critérios: 1) o mérito dos homens; e 2) que ela jamais contrarie os direitos naturais e, dentre estes, em especial, a igualdade entre homens. Esta última convicção permanece idêntica desde o período da Enciclopédia.

Há, no entanto, ainda uma relação entre igualdade e mérito que Diderot sublinha em suas propostas para a Rússia; relação esta que não aparece nem nos artigos da Enciclopédia, nem em qualquer outro escrito do filósofo. Assim, Diderot vale-se, tanto nas Mémoires, quanto no Plano de uma Universidade, de um argumento estatístico, que pressupõe a igualdade de nascimento entre os homens, para defender uma educação, a mais ampla possível: não há senão um palácio em um reino; ao redor deste palácio há cem mil casas. O gênio cai do céu, e a cada vez que ele encontrou o cume do palácio, cem mil vezes ele caiu ao redor (Diderot, 1966, tradução nossa).

Trata-se de uma simples suposição, mas que está ancorada em uma série de princípios políticos. Podemos notar, por exemplo, este gênio que cai do céu, por acaso, sem assistência de qualquer providência imaterial. Mas a observação que interessa a

esta tese mais particularmente é que Diderot, com base nesta convicção da igualdade, insiste mais uma vez que se deve educar a ricos e pobres, nobres e plebeus.

Há, no entanto, uma linha interpretativa que confere ao argumento iluminista da igualdade (assim como às suas consequentes propostas de intervenção na esfera política concreta), que tende a ver tais argumentos menos como tentativas de superar as desigualdades seculares, instaladas nas relações humanas, e mais como estratégia de legitimação do rearranjo histórico destas relações - rearranjo ocasionado pela ascensão da burguesia industrial nascente; e criador de novas formas de desigualdade. Como diz Patrícia Piozzi,

a suposição, subjacente a este percurso, de uma divisão “natural” entre uma minoria de homens “nascidos” para meditar e se tornar “poetas”, “oradores” ou “filósofos” e a grande maioria, capacitada apenas para o exercício das artes mecânicas e dos negócios comuns, combina- se, curiosamente, com a grande valorização do estudo das ciências, de maior utilidade para o aprimoramento socioeconômico e político das nações, delineando uma imagem da educação em que se sobrepõem a hierarquia platônica dos saberes e o princípio utilitário inerente à cultura moderna. Neste enfoque, o princípio do acesso universal à instrução estaria ocultando, na esteira do liberalismo lockeano, a legitimação de novas formas de desigualdade e de domínio, vindo ao encontro da exigência de maior habilitação e diversificação profissionais da massa trabalhadora na era das máquinas, camuflada na afirmação da “desigualdade natural dos talentos” (Piozzi, 2004).

Segundo esta interpretação, a própria escola participaria, mais ou menos conscientemente, deste processo. O fato de alterações econômicas, políticas e sociais relacionarem-se intimamente com a construção de discursos e práticas frequentes no período das Luzes constitui uma conjunção histórica bem observável. Contudo,

identificar este fenômeno faz-se tão importante quanto não reduzir a ele a incrível complexidade da tais discursos e práticas que compuseram a experiência iluminista. Explorar esta complexidade significa, inclusive, como faz Patrícia Piozzi, compreender ainda mais profundamente a proposta interpretativa do materialismo histórico - deveras decisiva para a decifração das contradições modernas.

Mesmo que nas propostas de Diderot a educação não seja ainda tratada como um direito do cidadão e um dever do Estado, pode-se notar que, para o filósofo, os benefícios desta instrução geral são tão evidentes que não há motivo para não implementá-la. Assim, podemos constatar que este argumento estatístico de Diderot pressupõe a igualdade entre homens e o inegável papel da educação no progresso da nação - mas as consequências deste argumento não param aqui.

Nas Mémoires, Diderot utiliza-o também para defender uma forma de governo que premie o mérito. Já nas Observations, o filósofo dá uma segunda resposta, desta bastante vez mais irônica, a afirmação de Catarina II, segundo a qual é vantajoso obedecer a um mestre: deve-se, então, segundo uma lei natural que não nos pode incomodar, esperar ser governado por um tolo, por um perverso ou um louco (Diderot, 1995, tradução nossa).

A exemplo de Rousseau, Diderot também vê nas homenagens ao verdadeiro mérito um caráter pedagógico, inspirador da virtude - mas longe de ser comparável àquele vê na escola pública estatal e generalizada. Contudo, contrariamente ao que se poderia supor; e de forma atípica no contexto do Iluminismo Francês, Diderot assegura que infelizmente as luzes não supõem sempre probidade: um homem muito instruído pode ser um homem muito perverso - razão a mais para que as leis restritivas não

privem ninguém; e para que haja, além disso, também uma avaliação moral nos concursos públicos. (Diderot, 1966, tradução nossa).

Outro meio de evitar a impunidade dos grandes, segundo Diderot, é convocar regularmente os mais pobres como júri, pois, segundo o filósofo, estes sempre tenderão a favorecer os seus semelhantes. Este raciocínio de Diderot é um exemplo de que, se há, em geral entre os iluministas, a identificação da ignorância com uma maior propensão à desonestidade e ao vício, o mesmo não ocorre em relação à pobreza.

Diderot, individualmente, não estabelece nem mesmo uma relação intrínseca entre a honestidade e as luzes; a estabelece, antes (assim como Rousseau), com a boa ordenação do Estado em que se vive. Catarina II, por sua vez, afirma: queres prevenir o crime? Faça que as luzes se espalhem (Catarina II, 1767, tradução nossa). Ao que, surpreendentemente, o entusiasta das luzes, Diderot, responde: torne os súditos felizes, seria bem melhor. Se se comete crimes hoje, isto se dá por falta de luzes? Ousaria quase dizer que se comete mais crimes em um dia em Paris que em todas as florestas de selvagens em um ano. De onde se segue que uma sociedade mal ordenada é pior que o estado selvagem (Diderot, 1995, tradução nossa).

Contudo, para Diderot, uma educação pública acessível a toda a população constitui parte estrutural do bom ordenamento da sociedade, pois, do contrário, sem uma educação pública generalizada, um contexto com enormes desigualdades impede até mesmo os efeitos benéficos de uma boa educação particular - pois tal contexto constitui obstáculo quase intransponível para as luzes, a virtude; em suma, para o regime do mérito.

Em uma nação que tolera tal desigualdade, nenhuma dessas qualidades leva a lugar algum; nela, afirma Diderot, só o ouro pode fazê-lo, pois não há senão um vício, a

pobreza. Não há senão uma virtude, a riqueza. Deve-se ser rico ou desprezado. Se se é efetivamente rico, deve-se mostrar a riqueza de todas as formas imagináveis, quer-se tornar-se rico por todos os meios imagináveis. Não há honestidade (Diderot, 1966, tradução nossa).

Diderot, com isto, afasta-se do argumento conservador, que atribui à falta de

Documentos relacionados