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CAPÍTULO II: OS DOCUMENTOS QUE PAUTAM O ENSINO MÉDIO:

2.2 Propostas Metodológicas Apresentadas

Como os PCNEM (2000) não trazem nenhuma espécie de propostas metodológicas traremos apenas alguns exemplos expostos pelos PCN+ (2002), e em seguida as OCEM (2006).

Os PCN+ (2002) apresenta, grosso modo, propostas de ensino mais direcionadas, pois, já na introdução, o referido documento expõe espécies de

“Situações-problema”, como o documento mesmo nomeia os exemplos. Tomamos como referência os abaixo citados:

Situação 1:

A escola X vem sendo alvo de constantes depredações por parte de jovens moradores da vizinhança. O resultado são vidros e lâmpadas quebrados, pichações em paredes e muros, portas arrombadas, patrimônio furtado.

O que a comunidade escolar pode fazer diante desse quadro?

Situação 2:

Em uma questão extraída de um concurso de ingresso à universidade, chama-se atenção para a repetição excessiva da palavra “que” e pede- se que o candidato reescreva o período, preservando seu sentido: “Porque temos o hábito de supor que o autoritarismo é um fenômeno político que, periodicamente, afeta o estado, tendemos a não perceber

que é a sociedade brasileira que é autoritária e que dela provêm as

diversas manifestações de autoritarismo político”. (PCN+, 2002, p. 56)

Ao expor tais situações hipotéticas, em seguida é apresentada uma reflexão do que seria preciso para enfrentar tais situações. Nesse sentido, o parâmetro salienta:

Um primeiro passo seria lê-las com o objetivo de extrair delas próprias os caminhos para a resolução dos problemas. Em seguida, poderíamos pensar que nossos conhecimentos sobre língua portuguesa – seja do ponto de vista gramatical ou da produção textual – poderiam auxiliar nessa tarefa. No entanto, é o caso de se questionar se somente conhecimentos específicos e disciplinares dão conta de buscar soluções para essas (e outras) situações-problema. (PCN+, 2002, p. 56).

Fica claro, a priori, uma preocupação do documento em foco com questões que são suscitadas diariamente em sala de aula, bem como a ineficiência de ficarmos restritos, enquanto professores, a conhecimentos específicos de cada disciplina. Dessa forma, propõe-se a interdisciplinaridade, conceito atualmente tão recorrente e relevante no ensino. Ao mesmo tempo, percebemos que as propostas são superficiais, pois se tratando principalmente de língua materna, não há uma explanação de ordem mais prática, de como o professor “poderia” auxiliar o aluno em seus textos com repetições, já que este foi o conteúdo que seria tratado, tomando como exemplo o período exposto.

Outro aspecto que poderia ter sido mencionado seria a função do “que”, nos mais variados textos. O documento apenas ressalta “que nossos conhecimentos sobre língua portuguesa – seja do ponto de vista gramatical ou da produção textual – poderiam auxiliar”, mas não especifica quais e como poderiam nos auxiliar. Assim nos resta uma reflexão: Seria possível um professor inferir sobre a quais conhecimentos o

documento está se referindo, e como mobilizá-los, cuja finalidade seja o aprimoramento daquelas competências e habilidades expostas pelos PCNEM (2000)?

Vale mencionar que tais situações são colocadas uma após a outra. Ainda expõe a situação 3, esta por sua vez, refere-se a um trecho de um texto de João Guimarães Rosa, como não estamos enfocando a literatura, optamos por não explorar tal situação, abordada por tal documento.

Nesse sentido, o referido documento argumenta que apenas a situação 2 e a 3 estão mais ligadas aos saberes escolares, isso não significa que é para os professores, encontrar saídas para os problemas indicados, ao contrário devem mobilizar muitas outras capacidades, que vão além da leitura ou dos conhecimentos linguísticos. Assim como já foi mencionada, a intenção do parâmetro em foco, parece-nos relevante à medida que apresenta situações diversificadas, que podem suscitar um trabalho proficiente em sala de aula, mas ao mesmo tempo não percebemos uma exploração mais detalhada/contextualizada de cada uma das situações apresentadas, ou seja, sugestões de ordem mais direta de como usá-las nas metodologias de ensino.

Dessa forma, percebemos que as propostas acima citadas são apenas expostas sem muitas preocupações com questões mais ligadas à sala de aula. E assim notamos uma espécie de descompasso entre o que se propõe, em termos teóricos, e que se propaga em termos práticos, pois não há uma exploração efetiva da teoria de ensino, que foque o trabalho contextualizado nas aulas de Língua Portuguesa.

Ao sugerir possíveis procedimentos que podem ser adotados pelos professores, para desenvolver a competência textual, o material em foco, “lembra” antes as maiores dificuldades, com as quais os estudantes se deparam na leitura de textos, nesse enfoque, atribui que tais dificuldades foram levantadas por Emilio Sánchez Miguel (2002), sendo elas:

Não reconhecer o significado de algumas palavras; Perder o fio da meada;

Não saber o que o texto quer dizer; Enxergar a parte, mas não o todo; Não saber o que está pressuposto;

Não saber se houve compreensão efetiva do que foi lido. (PCN+, 2002, p. 78)

Observamos que estas podem realmente ser dificuldades reais, que podem ser enfrentadas por qualquer docente, em suas aulas, mais especificamente o de língua

materna, é o que teria em tese, a função de sanar tais dificuldades. Assim mencionamos que ao expor possíveis deficiências que podem ocorrer com qualquer discente, o parâmetro já parte de uma situação, que mesmo sendo hipotética, tenta uma aproximação com a realidade de ensino, pois sabemos que muitos dos alunos apresentam uma ou outra dessas dificuldades aqui apresentadas.

Para que se desenvolvam metodologias de ensino, as quais estejam direcionadas para o aperfeiçoamento dos conhecimentos dos discentes, no que se refere à competência textual, o documento em análise apresenta alguns possíveis procedimentos, a saber:

Buscar apoio nos significados de palavras conhecidas e inferir o das desconhecidas;

Reconhecer o que é novo e o que já está dado em cada proposição e conectar as proposições entre si;

Construir um significado global , a partir do entendimento da função das partes do texto (simples ou complexo; particular ou geral; relevante ou dispensável). (PCN+, 2002, p. 78)

As sugestões apresentadas, embora sejam bem genéricas, podem auxiliar o professor, se combinadas talvez, e assim haver uma melhoria no desempenho dos alunos que tenham a dificuldade de, por exemplo, entender o significado de palavras existentes em um texto específico. O que sem dúvida pode comprometer o entendimento geral do texto.

Ainda se tratando da competência textual, ressalta-se também a relevância com a produção textual, outro aspecto fundamental de ser trabalhado nas aulas de língua portuguesa. Para tanto, o parâmetro destaca alguns aspectos que devem ser trabalhados, para que o aluno tenha clareza no momento da produção textual, sobre:

O que tem a dizer sobre o tema proposto, de acordo com suas intencionalidades;

O lugar social de que ele fala; Para quem seu texto se dirige;

De quais mecanismos composicionais lançará mão;

De que forma esse texto se tornará público (PCN+, 2002, p, 80) Podemos ressaltar que se o professor conseguir fazer com que seu aluno compreenda cada um desses aspectos apresentados, sem dúvida haverá a produção de texto, no seu sentido mais amplo. Pois se fosse colocado em prática, o que sugerem os PCN+ (2002), acabaríamos com uma prática que foi tão vigente no ensino, aquela velha concepção da redação escolar, pois, como bem enfatiza Marcushi (2000, p. 07), “[...] a forma como a produção textual vem sendo trabalhada e avaliada na escola tem levado

em tal medida à unificação do discurso dos aprendizes que, com isso, o sujeito-autor é neutralizado ou até mesmo anulado”.

Entre os procedimentos propostos, para que se trabalhe tal competência em sala de aula, o documento em foco ressalta alguns pontos relativos à variação linguística, e outros à coerência e coesão no processamento do texto. Nesse sentido, destacaremos os procedimentos apontados, no que diz respeito à variação linguística, os quais segundo o documento estão profundamente relacionados também à competência interativa:

Avaliar a adequação ou inadequação de determinados registros em diferentes situações de uso da língua (modalidades oral e escrita, níveis de registro, dialetos);

A partir da observação da variação lingüística, compreender os valores sociais nela implicados e, consequentemente, o preconceito contra os falares populares em oposição às formas dos grupos socialmente favorecidos;

Aplicar os conhecimentos relativos à variação lingüística e às diferenças entre oralidade e escrita na produção de textos;

Avaliar as diferenças de sentido e de valor em função da presença ou ausência de marcas típicas do processo de mudança histórica da língua num texto dado (arcaísmo, neologismo, polissemia, empréstimo) (PCN+, 2002, p. 82)

Dessa forma, há uma proposta de que se defenda em sala de aula a concepção de língua como um processo que está em constante mudança, concepção esta que ainda “carrega” uma série de preconceito, pois sabemos da existência das chamadas forças centrípetas, como nos lembra Bagno (2003), as quais tentam padronizá-la. O que sem dúvida é um fator negativo, pois sabemos do caráter inerentemente diversificado de nossa língua, a qual apresenta uma gama de variações, cada uma com suas singularidades, e importância e que são capazes de satisfazer as necessidades comunicativas em cada comunidade linguística onde for utilizada.

Corroborando com as palavras de Camacho (2004, p. 68) ao mencionar que: Ao assumir, de fato e de direito, o princípio da heterogeneidade inerente à linguagem, a Lingüística moderna, especialmente a Sociolingüística, eliminou preconceitos ao afirmar, axiomaticamente, que todas as línguas e variedades de uma língua são igualmente complexas e eficientes para o exercício de todas as funções a que se destinam; e que nenhuma língua ou variedade dialetal impõe limitações cognitivas na percepção e na produção de enunciados. Nesse sentido tal mecanismo deve ser considerado pelo professor em sala de aula, pois, ao contrário, como nos afirma o mesmo autor (2004, p. 68), haverá um sentimento de aversão, basta observar determinados comentários de alunos, de que não sabem português, de que português é difícil, e ainda mais como bem enfatiza Camacho

(2004), “O mais simples de detectar é o horror que as crianças sentem diante da página em branco, seguido da inevitável pergunta: “quantas linhas professor”?”. Ao agir dessa forma a escola parece se isentar e/ou ignorar a variação linguística.

É nesse viés que acaba se propagando uma concepção de língua, que na prática não existe, contribuindo para o aumento da diferença entre a língua que é ensinada muitas vezes na escola, e a que o aluno já domina.

O já referido autor (CAMACHO, 2004, p. 68) menciona que:

[...] há, na tradição pedagógica, uma concepção de linguagem que idealiza um objeto extraído das manifestações verbais escritas de uma verdadeira elite. Esse objeto é depois travestido de padrão, modelo, para as manifestações verbais, orais ou escritas, de todos os demais falantes.

Assim, percebemos que o parâmetro em suas propostas de trabalho se afasta dessa concepção acima exposta. Fica a critério da escola, especificamente do professor a tentativa de colocar em prática o que propõe em termos teóricos, tal documento.

Então observamos que o documento, em termos práticos, não propaga o que defende em termos teóricos, tal impressão fica notória a partir do primeiro exemplo que destacamos, já quando menciona a produção de textos, notamos uma maior coerência entre as tendências teóricas defendidas e as propostas metodológicas.

Seguindo o mesmo paradigma, as OCEM (2006, p. 26) ao trazerem o tópico “Concepção de Língua e Linguagem e Práticas de Ensino”, o material elege o texto como o eixo centralizador das aulas de Português, afirmando que o sentido do texto não está dado, ou seja, é indeterminado, e aparece como efeito de um trabalho realizado pelos sujeitos. Dessa forma sugere:

Vejamos um exemplo que ilustra essa discussão: Exemplo 1

Chegando à fazenda dos avós, para visitá-los, o neto se dirige ao avô, que está na sala:

- Firme, vô?

- não, fio, Sírvio Santos.

Em seguida, aponta que a compreensão dessa conhecida piada envolve a mobilização de vários conhecimentos, a exemplo de conhecimentos linguísticos e socioculturais.

Para o documento, em foco, o conhecimento linguístico permite entender a pronúncia típica de certas localidades do interior do país, mecanismo este que é conhecido como rotacismo e o conhecimento de ordem sociocultural, é acionado para se entender, por exemplo, quem é Sílvio Santos. Enfim, o documento chama atenção para

a riqueza de instrumentos que a piada citada possui, e que ao mesmo tempo pode possibilitar um eficiente trabalho em sala de aula.

O referido documento, nesse sentido, afirma:

A visão aqui defendida supõe uma estreita e interdependente relação entre formas lingüísticas, seus usos e funções, o que resulta de se admitir que a atividade de compreensão e produção de textos envolve processos amplos e múltiplos, os quais aglutinam conhecimentos de diferentes ordens [...] (OCEM, 2006, p. 27)

O que percebemos, grosso modo, é que as propostas procuram de alguma maneira estarem pautadas nas mais recentes teorias sobre o ensino de Língua Materna, embora tais propostas, a nosso ver, ainda sejam bem restritas, isto é, não há muito espaço para a discussão do que é apresentado de ordem prática. Ao contrário, em linhas gerais, salientamos a presença de uma vasta discussão teórica.

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