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CAPÍTULO 3 – “HOJE SE TU PRODUZIR POUCO NÃO CONSEGUE SE

3.2 O que os (as) agricultores (as) da Vila Sírio dizem sobre as mudanças na agricultura e a

3.2.1 A propriedade 2: Sr.ª Lia e Sr Rodolfo

A entrevista na propriedade 2, sucedeu na tarde fria (8 graus aproximadamente) do dia 19 julho de 2016, minha primeira entrevista sozinha (como referido anteriormente, a pesquisa que resultou no trabalho monográfico foi feito em conjunto com minha professora), estava ansiosa para verificar a recepção do meu roteiro de questões e minha própria postura vestindo a “bata” de pesquisadora (simbolicamente falando), embora para eles eu fosse apenas “a filha dos Froelich fazendo um trabalhinho para a faculdade”. Quando eu cheguei já estavam me aguardando com um chimarrão.

Comecei me desculpando por atrapalhar a rotina deles e os mesmos destacaram que de qualquer forma era habitual o chimarrão após a soneca da tarde, que por sua vez procedia ao almoço, “não precisa trabalhar sempre” destaca a Sr.ª Lia, “nós igual tomamos chimarrão até essas horas”, complementa o Sr. Rodolfo. Acharam esse o horário mais adequado ao meu pedido, sendo que de noite seria muito frio e eles assistem novela, prática que é, inclusive, comum em todas as propriedades pesquisadas. Ao questioná-los sobre como era à vida no campo quando eram crianças e se percebiam mudanças, recebei olhares incrédulos, como se fosse uma obviedade perguntar aquilo, para por fim, depois de alguns segundos de silêncio, o Sr. Rodolfo desferir: “Lógico!”, e eu retrucar: “O que vocês acham que mudou?” e o Sr. Rodolfo complementar: “Tudo! O trabalho era manual, com boi, plantava milho e soja dentro do milho. E as vacas, tirávamos leite a muque”.

Posteriormente o Sr. Rodolfo complementou dizendo que atualmente o trabalho é mais fácil, porém sobra menos, dado o alto custo dos insumos e máquinas, ou em outras palavras, há um grande investimento na produção e na tecnificação desta. Despois conversamos sobre a origem social dos seus respectivos pais, com eles destacando as tarefas que desempenhavam quando crianças. A Sr.ª Lia, ressaltou que ninguém da sua família estudou (os irmãos), bem como o orgulho que tem da sua filha, que por seu turno, possui ensino superior completo e trabalha na área de formação, como contadora.

Imagem 14- Alimentação das vacas pós-ordenha, na propriedade 2.

Fonte: Arquivo pessoal da pesquisa.

Além do gado, eles têm cachorros, gatos, horta, pomar, jardim, galinhas, inclusive comercializam ovos com os vizinhos e também levam no mercadinho da Vila. Conversamos sobre as benfeitorias da propriedade, os veículos e a estrutura em si. Interpelados sobre o motivo de comercializar o leite destacaram que era a opção mais viável sendo que na época possuíam pouca terra, a soja não valeria a pena nessa circunstância (depois de comprar mais hectares de terra, neste último ano, tem parte desta dedicada a soja). Eles sempre produziram leite com intuito final de venda, mas anteriormente tinham também suínos para esse fim. No início, conforme destaca a Sr.ª Lia, tinham 4 vacas, e era ruim tirar o leite manualmente: “quase não consegui mais tirar leite, as mãos doíam”. Este início, segundo eles, foi há 22 anos61.

O atual plantel do Sr. Rodolfo e da Sr.ª Lia, é formado por 26 vacas em lactação, advindo majoritariamente de criação própria, sendo que 60% é de raça holandesa e 30% de raça jersey. Destacando que a média subiu muito por investimentos realizado na genética e no manejo dos animais. Para adubação das pastagens e roçado em geral, combinam fertilizantes orgânicos e químicos. Estão recebendo R$1,29 pelo litro de leite, valor que julgam como baixo, considerando os gastos de produzi-lo.

Quanto a essa questão de preço do leite, tenho duas memórias de infância, quando o leite ainda nem chega à “casa do real”, eram centavos. A primeira é que não compreendia porque se discutia tanto quando o leite baixava, por exemplo, dois centavos, e eu na minha cabeça de criança, não entendia porque tamanha discussão por um valor aparentemente

61 Pensando em termos sócio históricos, foi exatamente nessa época que a produção de leite da região foi

irrisório. Hoje compreendo o que baixar, dois centavos no caso, representa na economia monetária daquele mês. Recordo também dos meus pais comentando entre si que se um dia o leite chegasse ao preço de um real, então ele geraria muito dinheiro, mal sabiam na época que a inflação sucumbiria esse sonho.

Quem faz a inseminação artificial do gado é o filho mais novo (chamado de “nenê”, prática comum para o filho mais novo, no interior) do casal. Eles adotam os procedimentos de higiene requisitados pela indústria, considerando que a empresa Nestlé “paga por qualidade”. Contratam os serviços de um veterinário que vem esporadicamente na propriedade, fazendo especialmente vacinas, “queimando os chifres dos terneiros, fazendo toque nas vacas pra ver se tão prenhas62 ou não (...)” e também eventualmente um vizinho para auxiliar, principalmente na época que há mais trabalho, como quando se produz a silagem.

Hoje o contrato de compra e venda com o laticínio é apenas verbal. Destacaram que já tiveram contrato oficializado com uma empresa, mas romperam, pois, segundo o Sr. Rodolfo o valor ficava baixo, porque tomava-se como base o valor do CEPEA.

A Sr.ª Lia destaca que atualmente “não se trabalha mais tanto... capinava no sol quente, isso era ruim”, considerando que anteriormente se trabalhava do clarear do dia até escurecer, principalmente no período que estavam quitando o valor da terra, que embora parte dela seja herança do Sr. Rodolfo, eles tiveram que trabalhar alguns anos para os pais dele como forma de pagamento. Interpelados sobre um possível aumento da produção o Sr. Rodolfo deixa em aberto: “não sei, tem que deixar rolar”. Já a Sr.ª Lia destaca que gostaria de aumentar, mas criando as próprias vacas, não comprando novos animais.

A doença de mamite é o maior problema de manejo destacada por eles. Eles visualizam o futuro da produção de leite com grandes propriedades, uma vez que na percepção deles “os pequenos”, por eles definidos como aqueles com menos de 50 litros diários, “já estão caindo fora automaticamente”. Dizem não se sentir valorizados pelo governo, mas acreditam que as pessoas da cidade valorizam mais que este último. As máquinas foram adquiridas via empresa e banco. A sala de ordenha foi construída no ano 2000, na época, segundo o Sr. Rodolfo, a sala custou R$8.000,00, o resfriador R$ 10.000,00 e a ordenhadeira R$22.000,00. O Sr. Rodolfo destaca que anteriormente a ordenhadeira era mais cara, e que, atualmente, existe uma fábrica especializada na produção de ordenhadeiras

62 Vaca “prenha” (prenhe- prenhez): recebeu inseminação artificial ou realizou coito (o termo técnico para coito

em Santo Cristo63. Após a finalização da entrevista questionaram novamente a razão desta interlocução, quando concluiria o estudo e o que trabalharia depois.

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