2.2
Propriedades elementares dos contradomínios numé-
ricos
Seja A um operador linear e limitado definido num espaço de Hilbert complexo K, munido do produto interno h; i. Para cada operador linear H em K, limitado, auto-adjunto e invertível, obtemos um produto interno indefinido h; iH e munimos K da estrutura de espaço
de Krein. O contradomínio numérico-H de A é o subconjunto do plano complexo que se denota e define por
WH.A/D hAx; xi H hx; xiH W x 2 K; hx; xi H 6D 0 : (2.4)
O estudo do contradomínio numérico-H de um operador A reveste-se de especial interesse, uma vez que permite estabelecer a ligação entre as suas propriedades algébricas e geométricas (destacamos, como exemplos, os Teoremas 3.7 e 3.23 a 3.26). Se H é o operador identidade, então h; iH D h; i é um produto interno definido, K D KC é simplesmente um espaço de
Hilbert e WH.A/reduz-se ao contradomínio numérico clássico ou campo de valores de A,
W .A/ D hAx; xi
hx; xi W x 2 K; hx; xi 6D 0
D fhAx; xiW x 2 K; hx; xi D 1g : (2.5)
A literatura sobre o conceito clássico de contradomínio numérico remonta a 1918 e 1919, nomeadamente a dois artigos famosos, um de Toeplitz [50] e outro de Hausdorff [25]. Esses artigos conduziram a uma das propriedades geométricas mais relevantes do contradomínio numérico clássico: a sua convexidade. Toeplitz mostrou a convexidade da fronteira do campo de valores e, pouco depois, Hausdorff provou que o conjunto é simplesmente conexo. Desde então, vários autores apresentaram demonstrações alternativas para este importante resultado, usualmente referido como Teorema de Toeplitz-Hausdorff.
Teorema 2.1 (Teorema de Toeplitz-Hausdorff) Se A é um operador linear e limitado num espaço de Hilbert H , então W .A/ é um subconjunto convexo de C.
Outra propriedade relevante do contradomínio numérico clássico afirma que, para cada operador linear e limitado A definido num espaço de Hilbert H , .A/ W.A/, onde .A/ denota o espectro de A e W .A/ o fecho topológico de W .A/. Esta propriedade, conhecida por inclusão espectral, foi originalmente provada por Wintner [52], em 1929. É de realçar, igualmente, que o conjunto W .A/ é compacto, sendo válida a igualdade W .A/ D W.A/ para espaços de dimensão finita.
28 CAPÍTULO 2: Contradomínios numéricos
Na teoria do contradomínio numérico clássico (e das suas generalizações), a redução dos problemas ao caso bidimensional é uma técnica muito utilizada, mesmo quando os espaços têm dimensão infinita. O Teorema do Contradomínio Elíptico desempenha um papel chave em tal redução: Murnaghan [39], em 1932, provou que se A 2 M2, então o campo de valores
W .A/ é um disco elíptico (possivelmente degenerado). Ao longo dos anos, foram surgindo outras provas para este resultado. Destacamos a de Donoghue [19], em 1957, e a mais recente apresentada por Li [34], em 1996.
Teorema 2.2 Seja A 2 M2 uma matriz com valores próprios ˛1 e ˛2. Nestas condições,
W .A/é o disco elíptico (possivelmente degenerado) com focos ˛1e ˛2, e eixos maior e menor
de comprimento, respectivamente, ptr.AA/ 2Re.˛
1˛2/ e ptr.AA/ j˛1j2 j˛2j2: (2.6)
Para um estudo aprofundado das propriedades do contradomínio numérico clássico re- metemos o leitor para [27, Capítulo 1] e [24]. A substituição do produto interno definido por um produto interno indefinido gera uma nova teoria, particularmente interessante pelas suas ligações ao campo das aplicações, dada a importância dos produtos internos indefinidos na Física, nomeadamente na Teoria da Relatividade. Em contraste com o caso clássico, o estudo do contradomínio numérico indefinido é relativamente recente [4, 6, 7, 35, 36, 37].
Na próxima proposição listamos algumas propriedades do contradomínio numérico-H que são consequência directa da definição. O símbolo I denota o operador identidade. Proposição 2.3 Nas condições da definição (2.4), tem-se:
(a) WH.˛I C ˇA/ D ˛ C ˇWH.A/, para quaisquer escalares ˛; ˇ 2 C;
(b) WH.UŒAU /D WH.A/, qualquer que seja o operador U unitário-H ;
(c) WH.AŒ/D f´W ´ 2 WH.A/g;
(d) WH.AC B/ WH.A/C WH.B/.
Com vista à caracterização do contradomínio numérico-H de um operador A, WH.A/,
é útil considerar os conjuntos
WH˙.A/ D fhAx; xiHW x 2 K; hx; xiH D ˙1g; (2.7)
que designaremos por contradomínio numérico-H positivo ou negativo de A. Facilmente se constata que
2.2 Propriedades elementares dos contradomínios numéricos 29 Assim, para estudarmos as propriedades do contradomínio numérico-H de A, basta caracteri- zarmos os conjuntos WC
H.A/e W C
H.A/. Importa realçar que a Proposição 2.3 continua válida
se se substituir WH por WHC.
Se H é um operador auto-adjunto definido positivo, então h; iH é um produto interno
definido, de acordo com o referido na secção anterior. Além disso, existe um (único) operador auto-adjunto definido positivo H1=2, a raiz quadrada positiva de H , tal que .H1=2/2
D H . Note-se que a invertibilidade de H garante que H1=2 é invertível [32, p.476]. Segue-se que
H D .H1=2/H1=2: Cálculos simples mostram que
WH.A/D WHC.A/D W .H1=2AH 1=2/;
onde H 1=2 denota o operador inverso de H1=2. Por outro lado, se H é auto-adjunto definido
negativo, então H é definido positivo e idêntica caracterização pode ser feita para WH.A/:
WH.A/ D WCH.A/D W .. H /1=2A. H / 1=2/;
onde . H / 1=2 denota o operador inverso de . H /1=2. Desta forma, se H é definido posi-
tivo ou negativo, o estudo do contradomínio numérico-H reduz-se à teoria do contradomínio numérico clássico. Por este motivo, interessa-nos considerar apenas o caso em que H é inde- finido.
Em contraste com o contradomínio numérico clássico W .A/, se H é indefinido, então o conjunto WC
H.A/ não é, em geral, limitado nem fechado, mesmo que o espaço K tenha
dimensão finita. Contudo, WC
H.A/é sempre convexo. A proposição que se segue sistematiza
algumas propriedades geométricas do conjunto WC
H.A/[4, 36, 37]:
Proposição 2.4 Seja A um operador linear e limitado em K. Para cada operador linear H em K, limitado, auto-adjunto, invertível e indefinido, tem-se:
(a) WC
H.A/D fg se e só se A D I ;
(b) se WC
H .A/não é um conjunto singular, então W C
H.A/não é limitado;
(c) WC
H.A/ R se e só se A é um operador auto-adjunto-H , isto é, A D H
1AH;
(d) WC
H.A/é um subconjunto convexo de C.
As três primeiras alíneas da proposição anterior conduzem a resultados análogos para o contradomínio numérico-H .
30 CAPÍTULO 2: Contradomínios numéricos
Proposição 2.5 Nas mesmas condições da proposição anterior, tem-se: (a) WH.A/D fg se e só se A D I ;
(b) se WH.A/não é um conjunto singular, então WH.A/não é limitado;
(c) WH.A/ R se e só se A é um operador auto-adjunto-H , isto é, A D H 1AH.
Um operador linear e limitado A diz-se essencialmente auto-adjunto-H se existirem ˛; ˇ 2 C, ˇ 6D 0, tais que ˛I C ˇA é um operador auto-adjunto-H . Em espaços de dimen- são finita, dizemos que A é uma matriz essencialmente hermítica-H . Da proposição anterior, concluímos que um operador é essencialmente auto-adjunto-H se e só se o seu contradomí- nio numérico-H estiver contido numa recta. A recta fica completamente caracterizada pelos escalares ˛ e ˇ: se ˛I C ˇA é auto-adjunto-H, então WH.A/está contido na recta que passa
por ˛=ˇ e que tem a direcção de arg ˇ.
Como WH.A/ D WHC.A/[ WCH.A/, a Proposição 2.4 garante que WH.A/é a união
de dois conjuntos convexos. Contudo, esta condição não garante a convexidade de WH.A/.
De facto, em geral, WH.A/não é convexo, mas sim pseudo-convexo [37]: dados dois pontos
distintos x; y 2 WH.A/, ou WH.A/ contém o segmento de recta de extremos x e y, ou
WH.A/ contém a recta definida por x e y, excepto o segmento de recta aberto que os une.
A primeira possibilidade ocorre quando x e y pertencem à mesma componente convexa de WH.A/, WHC.A/ou W
C
H.A/, e a segunda quando tal não acontece. Esta propriedade revelar-
-se-á de extrema importância no decorrer do texto.
Em [6], estabeleceu-se um resultado paralelo ao Teorema do Contradomínio Elíptico para o caso indefinido, que se designou por Teorema do Contradomínio Hiperbólico. Em contraste com o caso clássico, o contradomínio numérico indefinido de uma matriz de ordem 2é determinado por uma hipérbole e não por uma elipse. Os ramos da hipérbole delimitam as suas duas componentes convexas.
Teorema 2.6 Seja A 2 M2 uma matriz com valores próprios ˛1 e ˛2. Se H D diag.1; 1/,
então WH.A/é delimitado por uma hipérbole (possivelmente degenerada) com focos ˛1e ˛2,
e eixos transverso e não-transverso de comprimento, respectivamente, q
tr.AŒA/ 2Re.˛
1˛2/ e
q
j˛1j2C j˛2j2 tr.AŒA/: (2.8)
Nos casos degenerados, WH.A/pode ser um conjunto singular, uma recta, uma recta excepto
um segmento aberto, todo o plano complexo ou o plano complexo excepto uma recta.
A escolha da matriz H no enunciado do teorema anterior não traduz uma perda de generalidade, como observaremos na secção 2.3. A propriedade de inclusão espectral,
2.3 Matriz de inércia 31