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Propriedades prosódicas da Fala Dirigida à Criança analisada

No documento icarooliveirasilva (páginas 80-85)

5 ATIVIDADES EXPERIMENTAIS

5.1 Experimento 1: Coleta de dados espontâneos da Fala Dirigida à Criança

5.1.2 Propriedades prosódicas da Fala Dirigida à Criança analisada

Nas análises acústicas da FDC desenvolvidas no presente estudo, observamos características prosódicas semelhantes àquelas apontadas pela literatura, tais como:

(i) valores de F0 bastante elevados, atingindo picos de 500 Hz, enquanto na FDA tais valores giram em torno dos 350 Hz;

(ii) grande ocorrência de alongamentos de vogais tônicas das palavras, principalmente quando a mãe tem o objetivo de chamar a atenção da criança para um elemento ou situação presente na cena da interação e em posições pré- fronteira de constituintes prosódicos e sintáticos, com alongamentos maiores no final de sentenças;

(iii) pausas mais recorrentes e mais prolongadas do que aquelas observadas na FDA, o que acaba por originar uma fala de velocidade menor;

(iv) uso de falsettos; (v) trechos sussurrados;

(vi); Is menores, muitas vezes formados por uma ou duas palavras;

(vii) contorno entoacional fall-rise como demarcador de uma fronteira de I, ou seja, há um declive na curva de F0 no fim de um I, seguido de uma reposição do nível do tom no início do I seguinte; em outros termos, o valor da F0 das sílabas pós- fronteira (455 Hz em média) é maior do que o valor das sílabas pré-fronteira (247 Hz em média) e

(viii) tom de fronteira baixo (L%) em posição pré-fronteira, seguido de tom com tessitura alta (tom H ou H+L*) na posição pós-fronteira, o que nos permite concluir que o contorno entoacional típico de I é o ascendente-descendente.

A seguir, algumas dessas propriedades são ilustradas através da análise da curva de F0 e da forma da onda da voz da mãe, obtidas a partir do software PRAAT:

Fragmento (1): Mãe (M) conversando com a madrinha da criança e brincando com a menina (12 meses e 12 dias) Nesse contexto, a mãe assume a voz do bebê:

M: Ô tô tentano ficá ampé sozinha madinha! (Pausa) Éeee! Pa mim podê passeá!

Figura 5: Forma da onda, contorno de F0, camadas de fraseamento prosódico e transcrição tonal das fronteiras entoacionais do fragmento (1).

Como podemos observar, há um declínio da curva de F0 antes da fronteira entoacional, com um tom de fronteira baixo (L%). Após a fronteira, o contorno da F0 é reestabelecido, apresentando um tom de tessitura alta (H + L*) no início do constituinte subsequente.

Fragmento (2): Mãe (M) brincando com a criança (11 meses e 15 dias):

Figura 6: Forma da onda, contorno de F0, camadas de fraseamento prosódico e transcrição tonal das fronteiras entoacionais do fragmento (2) – Vão colocá o chapéu?

Figura 7: Forma da onda, contorno de F0, camadas de fraseamento prosódico e transcrição tonal das fronteiras entoacionais do fragmento (2) – Olha que chapéu bonitoooo.

Mais uma vez, notamos a ocorrência de um tom baixo (L%) na posição pré-fronteira entoacional, com a presença de pausas e a retomada da curva de F0 pós-fronteira, com um tom mais alto. Igualmente, é possível verificarmos que o valor da F0 das sílabas pós-fronteira é mais alto do que o valor das sílabas pré-fronteira, o que caracteriza o contorno ascendente- descendente dos sintagmas.

Fragmento (3): Mãe (M) após vestir a roupa no bebê (11 meses e 27 dias)

Figura 8: Forma da onda, contorno de F0, camadas de fraseamento prosódico e transcrição tonal das fronteiras entoacionais do fragmento (3) – Que delícia (pausa).

M: Vá lá dandá (pausa) aa A lá o neném lá (pausa).

Figura 9: Forma da onda, contorno de F0, camadas de fraseamento prosódico e transcrição tonal das fronteiras entoacionais do fragmento (3) – Vá lá dandá (pausa) aa A lá o neném lá (pausa).

M: A lá o gatinho.

Figura 10: Forma da onda, contorno de F0, camadas de fraseamento prosódico e transcrição tonal das fronteiras entoacionais do fragmento (3) – A lá o gatinho.

Novamente, são encontrados tons de fronteira baixos (L%) em posições pré-fronteira entoacional. Os Is são menores, compostos por poucas palavras prosódicas. Podem ser observadas, igualmente, variações no contorno da F0 e pausas bastante prolongadas.

No que diz respeito aos valores de intensidade, obervamos o seguinte padrão: as sílabas localizadas imediatamente depois das fronteiras de I exibem valores mais altos em relação aos das sílabas que antecedem essas fronteiras, o que nos sugere que o domínio desse constituinte é marcado, também, por uma elevação da intensidade nas sílabas pós-fronteira. Essa elevação pode ser justificada pela presença das retomadas.

O reforço inicial de Is é um fenômeno já relatado (FOUGERON & KEATING, 1997). O tom de tessitura alta inicial de reset (ou de retomada) acontece até quando não há pausas entre os Is. Entretanto, as pausas fazem com que todos os outros elementos acústicos sejam reforçados.

Considerando as análises acústicas aqui apresentadas, concluímos que as principais propriedades prosódicas que sinalizam uma fronteira de I na FDC analisada são:

(i) presença de pausas, que tendem a ser mais longas quando a fronteira de I coincide com fronteira de sentença;

(ii) alongamento da sílaba tônica pré-fronteira. As medidas de duração obtidas na análise da FDC foram maiores do que aquelas encontradas na FDA, isto é, a FDC

apresenta uma cadência mais lenta, com prolongamento de palavras e expressões. Na FDA, a mãe produz os enunciados com uma velocidade maior e , quando há alongamentos, estes são muito menores do que os encontrados na FDC;

(iii) tom de fronteira baixo (L%) e

(iv) contorno entoacional fall-rise, i.e, há um declive na curva de F0 no fim de um I, seguido por uma retomada, após as pausas, do nível do tom no início do I seguinte, o que implica dizer que o valor da F0 das sílabas pós-fronteira é mais alto do que o valor das sílabas pré-fronteira. O mesmo efeito verifica-se em relação aos valores de intensidade.

Tais características recebem um reforço prosódico em relação àquelas encontradas na FDA, isto é, em relação à Fala Dirigida ao Adulto, a Fala Dirigida à Criança apresenta propriedades suprassegmentais mais salientes. Esses parâmetros prosódicos têm sido apontados por diversos autores como um mecanismo para capturar a atenção do bebê e demonstrar afeto (SODERSTROM, 2007). Esse caráter afetivo e sinalizador da FCD pode ser considerado como facilitador do desenvolvimento da linguagem, uma vez que desperta o interesse do bebê pelo sinal linguístico. Do mesmo modo, as características suprassegmentais da FDC podem oferecer aos infantes informações que podem auxiliar a aquisição da língua materna.

A partir das análises acústicas desenvolvidas na primeira atividade experimental, pudemos averiguar quais são, nos dados de FDC espontânea (isto é, nos dados de fala aos quais a criança tem, de fato, acesso) as propriedades prosódicas que delimitam as fronteiras de I. Tais propriedades são provenientes de interações reais entre a mãe e o bebê e, portanto, não sofreram qualquer tipo de manipulação. De posse dessas informações, verificaremos, através da técnica de Olhar Preferencial, se bebês brasileiros são capazes de perceber tais propriedades e se as utilizam como pistas para a segmentação do fluxo da fala. A segunda atividade experimental será descrita a seguir.

5.2 Experimento 2: Investigando a sensibilidade de bebês brasileiros às propriedades

No documento icarooliveirasilva (páginas 80-85)