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CAPÍTULO 4: PERCEPÇÃO AMBIENTAL CANOA QUEBRADA ENQUANTO

4.2. Percepção ambiental dos agentes produtores do espaço – uma forma de

4.2.2. Percepção Ambiental dos agentes de Canoa Quebrada

4.2.2.2. Proprietários fundiários

Para RODRIGUES (1996), os agentes produtores iniciais do espaço podem ser denominados de “apropriadores” do território (proprietários, grileiros ou incorporadores).

MARX apud DIAS (s.d.), em sua obra O Capital, distinguia os proprietários fundiários enquanto classe social distinta em função da característica peculiar desse grupo de apropriar-se de porção crescente dos valores criados sem contribuir diretamente para a produção. Entretanto, outros autores, como Topalov e Harvey, consideram que essa era uma visão clássica que só era válida para a agricultura inglesa do século XIX, tendo em vista que, atualmente, as ações dos agentes produtores do espaço não se encontram isoladas, não sendo possível, dessa forma, considerar os proprietários de terra como agentes distintos.

Os proprietários atuais de parcelas de todo o território de Canoa, apropriaram-se não só de terras devolutas públicas, mas de áreas já com certo grau de adensamento de ocupação dos primeiros nativos do núcleo, através do simples registro em cartório ou através de usucapião, como já discutido na seção anterior (ver delimitação das parcelas apropriadas de Canoa Quebrada na Figura 32). Essa forma de apropriação foi questionada numa publicação do jornal local em abril de 2001:

“Historicamente as dunas não valiam um centavo. Local de difícil acesso e construção, ficaram até o ano de 1975 sem titulação particular, configurando o local como de terras públicas. (...) Os especuladores descobriram a falta de títulos particulares e se valendo do pouco interesse do verdadeiro dono, que é o Governo, ‘fabricam’ escrituras de usucapião e outras, se valendo da displicência dos cartórios, polícia, judiciário, políticos e comunidade (...). De posse dos documentos os ‘donos’ vendem para outros e assim os registros vão passando de mão em mão e desta forma se perde a ‘origem pública’, como se um objeto roubado depois de vendê-lo várias vezes ficasse legalizado, ou então, aproveitam para querer ganhar fortunas através da ‘indústria da indenização’”. (Jornal

Estes agentes tem, então, garantido o direito de auferirem renda em razão da existência da instituição jurídica da propriedade privada e tem apenas o interesse no valor de troca da terra.. Em Canoa Quebrada, eles também assumem o papel de incorporadores imobiliários. Nesse caso, a terra é parcelada e comercializada em forma de lotes e o proprietário obtém tanto a renda como o lucro.

Em entrevista concedida para esta pesquisa, o principal loteador relata como se deu o processo de apropriação dessas terras:

“Em 1978, comprei parte das dunas através de um corretor com o pessoal da Beirada, Cumbe e Canavieira (povoados localizados próximos à Canoa Quebrada). Em 1982, comprei outra gleba, já regularizada. Ficava em casa de nativos, levava 2 bugres, uma caminhonete, duas equipes de topógrafo, uma advogada e sacos de dinheiro. Ficava em Canoa em torno de 20 dias. Comprava tudo, levava para o cartório para regularizar.” (Sr. Walkimar, um dos “donos” de Canoa Quebrada. Entrevista realizada em 28 de julho de 2003).

Não obstante não terem sido implantados os loteamentos destes proprietários projetados desde a década de 80, somente a intenção de implantá-los, na época, suscitou a viabilização de acesso ao núcleo através da construção da estrada, desencadeando o processo de massificação do turismo e apropriação desenfreada do espaço. O próprio loteador confirma sua iniciativa:

“Fui eu que fiz a estrada subindo o morro, descendo a praia e a que margeia a praia. (...) Com a estrada, começou a subir tijolo, cimento, gelo. O forró passou a ser a óleo diesel. (...) Eu trouxe energia, levava nativo para médico, custeava o Natal das famílias... (...) Comprava de 2 a 3 páginas de revistas famosas lançando Canoa Quebrada. Abri escritório em várias cidades para vender terrenos. Levava 4 a 5 ônibus com gente do Brasil inteiro para conhecer Canoa e comprar lotes. Eu tinha uma espécie de barraca “stand de vendas”, com caranguejo e bebida para todo mundo. Em 1982, foram vendidos 4.000 lotes. Ninguém construiu nos lotes comprados na época por que ou era para investimento futuro ou porque Canoa começou a ficar com má fama, de drogas, essas coisas...” (idem)

Atualmente, com a promoção da requalificação do núcleo através do Projeto Canoa, esses proprietários interessaram-se novamente pela execução dos loteamentos, nas dunas, apesar de todo questionamento quanto à regularidade de posse destas terras.

Sabe-se também que a aprovação desses projetos, além de já ter caducado conforme a lei, se deu de forma irregular, com o registro em cartório anterior à aprovação da Prefeitura e sem que o parcelamento obedecesse aos requisitos básicos urbanísticos quanto às larguras mínimas das vias e doação de áreas para equipamentos comunitários e áreas livres.

Pelo processo legal, tais loteamentos devem ser aprovados novamente já considerando todas as normas ambientais e urbanísticas, bastante restritivas, resultantes do Plano de Gestão Ambiental do Projeto Canoa aprovadas recentemente. Também deve ser considerada a recente Resolução do CONAMA n° 303/2002 que define as dunas móveis como áreas de preservação permanente, ou seja, áreas não edificantes, inviabilizando, quase que totalmente, qualquer construção na área em questão, composta predominantemente de dunas, móveis e fixas, e faixa praial.

“Soube do projeto da APA e estou procurando regularizar. Pretendo relançar o loteamento com 900 lotes. (...)Quanto ao que foi estabelecido no zoneamento ambiental, acho que houve um pouco de exagero na exigência máxima de taxa de ocupação. Deveria ter liberado mais a faixa de praia para fazer empreendimentos hoteleiros de grande porte.” (idem).

Considerando os fatos e relatos coletados, constatou-se que a percepção de Canoa Quebrada por parte destes agentes, dos proprietários fundiários, restringe-se ao espaço enquanto valor de troca, de mercadoria a ser consumida aos pedaços e palco de conflitos de classes, aspecto evidenciado por LEFEBVRE, visto no capítulo 2.

Dessa forma, as práticas espaciais realizadas são somente materiais e resumem-se ao domínio e controle deste espaço através de sua apropriação privada. Não há relações pessoais, ao não ser de domínio e manipulação com os nativos e compradores de lotes, e também não foi verificado nenhum vínculo afetivo ou de familiaridade com a paisagem de Canoa, que é percebida somente como atratividade turística, passível de enquadrar-se em um padrão urbano, sob leis de mercado mediante estratégias imobiliárias.

Figura 32 – Foto Aérea com delimitação de alguns loteamentos existentes desde 1982 em Canoa Quebrada. Fonte: Projeto Canoa / PMA / GAU, março de 2002.

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