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Em entrevista publicada no Jornal Folha de São Paulo na sua edição do dia 6 de junho de 2005, o deputado Roberto Jefferson (filiado ao PTB do Rio de Janeiro) revelava existir esquema de pagamento de propina a parlamentares.

Já a revista VEJA, também defende que o caso foi descoberto em 2005, após a revista ter publicado o conteúdo de uma fita. Neste, o chefe de departamento nos Correios daquela época, Maurício Marinho, aparecia recebendo propina de alguns empresários, que afirmavam o fazer em nome do deputado Roberto Jefferson.

Constatado o possível esquema de lavagem de dinheiro, iniciou-se a apuração, tendo sido instaladas três Comissões Parlamentares de Inquérito. Enquanto isso, presidentes de três partidos deixaram seus cargos e diretorias de empresas estatais foram modificadas. Em outro setor, a conta de corrupção já ultrapassava 1 bilhão de reais2.

No ano da descoberta e no imediatamente seguinte, a Casa julgou dezenove deputados federais, cassou três e absolveu doze, enquanto quatro renunciaram. Em 2007, quando do julgamento, o Supremo Tribunal Federal acolheu a denúncia do Ministério Público contra quarenta pessoas integrantes da quadrilha, tendo a ele se dedicado durante cinco dias e trinta e seis horas.

As investigações consubstanciadas no Inquérito 2.245 deram ao Procurador-Geral da República motivos para oferecer denúncia contra quarenta réus. Recebida a denúncia pelo Supremo, mas não antes de o Ministro Joaquim Barbosa propor o desmembramento do processo (a fim de que somente os réus com prerrogativa de foro fossem processados e julgados pelo STF), instaurou-se a Ação Penal nº 470.

Após longa fase de formação dos autos, o Supremo dedicou quase um semestre ao julgamento da ação. Como resultado, percebemos a condenação de muitos dos trinta e oito réus (na fase final do processo, era este o número a ser julgado pelo órgão supremo) por crimes contra a administração pública.

Portanto, não é difícil perceber o quanto o julgamento do caso popularmente conhecido por Mensalão representou para o nosso país. O processamento de pessoas influentes, autoridades que pertenciam à cúpula da administração brasileira, representou uma singela vitória da democracia.

Contudo, afora todo o lado significativo para a história popular do Brasil, verificamos que o processamento e julgamento dos envolvidos no esquema se deu sem observância de importantes regras processuais brasileiras. Ressaltamos a final satisfação com seu desfecho,

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contudo, ressaltamos ainda mais que o respeito aos princípios do sistema processual brasileiro levaria a uma satisfação bem maior.

6.1 EXTENSÃO DO FORO PARLAMENTAR AOS NÃO PARLAMENTARES

Nem todos os quarenta réus que foram denunciados eram parlamentares, mas apenas onze. Sendo assim, ao receber do Procurador-Geral da República denúncia contra todos os envolvidos no esquema do Mensalão, o Supremo Tribunal Federal o fazia extrapolando as competências que lhe foram confiadas pela Constituição Federal.

OMinistro Joaquim Barbosa foi responsável pela dúvida do Supremo acerca da sua competência para processar e julgar os não congressistas. Nas suas palavras:

Concluídas as investigações, o procurador-geral da República ofereceu denúncia contra 40 réus, por diversos crimes contra a Administração Pública. Antes de deliberar sobre o recebimento da denúncia, que poderia resultar na instauração de ação penal contra os até então denunciados, o ministro Joaquim Barbosa apresentou o processo em mesa, no Plenário, para a deliberação sobre uma questão de ordem que formulou — registrada como a segunda questão de ordem na Ação Penal 470. Nesta, seria discutido o pedido de alguns dos denunciados para que o processo fosse desmembrado, de forma que apenas os acusados com prerrogativa de foro permanecem sendo processados e julgados pelo Supremo Tribunal Federal. (LAGO, 2013, p. 01)

O Ministro pretendia o desmembramento do processo, acolhendo o pedido de determinados denunciados, sob o fundamento da taxatividade constitucional das atribuições do Supremo. Contudo, apesar da petulância de sua posição, tal questão de ordem não prosperou, sendo decidida em acórdão que contava com 120 laudas.

QUESTÃO DE ORDEM. INQUÉRITO. DESMEMBRAMENTO. ARTIGO 80 DO CPP. CRITÉRIO SUBJETIVO AFASTADO. CRITÉRIO OBJETIVO. INADEQUAÇÃO AO CASO CONCRETO. MANUTENÇÃO INTEGRAL DO INQUÉRITO SOB JULGAMENTO DA CORTE. Rejeitada a proposta de adoção do critério subjetivo para o desmembramento do inquérito, nos termos do artigo 80 do CPP, resta o critério objetivo, que, por sua vez, é desprovido de utilidade no caso concreto, em face da complexidade do feito. Inquérito não desmembrado. Questão de ordem resolvida no sentido da permanência, sob a jurisdição do Supremo Tribunal Federal, de todas as pessoas denunciadas. (STF - Inq-QO-QO 2245, Relator ministro JOAQUIM BARBOSA, julgado em 06/12/2006, publicado em 09/11/2007, Tribunal Pleno)

Porém, a leitura do referido acórdão evidencia o debate da Corte à luz dos ditames processuais penais, e não das normas constitucionais. Como pretendemos demonstrar a partir de então, isto acarretou consequências desagradáveis.

Em primeiro lugar, percebemos a surpresa provocada nos acusados que não eram deputados federais e senadores, ao receberem a informação de que seriam processados e julgados pelo Supremo Tribunal Federal. Ainda que alguns conhecessem a jurisprudência da

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Corte e sua Súmula 704, não tinham dúvidas sobre a supremacia constitucional, que prezava pela regra do juiz natural.

Ao tomarem conhecimento do descobrimento do esquema de lavagem de dinheiro, ao mesmo tempo em que previram que sobreviriam investigações, os não parlamentares estavam cientes de qual seria o foro que iria acompanhá-las, bem como possivelmente processá-los. A quebra de suas expectativas não foi tão somente uma afronta à sua convicção, mas, sobretudo, ao ordenamento constitucional.

A Carta Magna mantinha vigente a regra de que o processamento e julgamento de quem figurasse como réu perante o Judiciário deveria ocorrer diante de órgão previamente designado. Sendo assim, a irresignação dos que não coadunavam com o processamento dos acusados não congressistas pelo STF encontra base sólida, bastando uma simples leitura dos dispositivos constitucionais que estabelecem o juiz natural e as competências do Supremo.

Além disso, lhes foi tirado o direito de recorrer das decisões que decidissem sua situação. Em caso de sucumbência, não haveria como invocar o princípio do duplo grau de jurisdição, uma vez que o Supremo é a instância máxima do Poder Judiciário, não cabendo recorrer de suas decisões.

Também percebemos a inoportuna aplicação da prorrogação de foro privilegiado diante do agravamento da dificuldade imposta à defesa dos acusados. Isto constatamos em virtude do papel da mídia e dos meios de comunicação.

A dimensão dispensada ao caso induzia os telespectadores a acreditarem que o esquema realmente contava com a participação decisiva de cada denunciado, parlamentar ou não. Cada um dos quarenta réus, seja qual fosse sua profissão, era creditado como um importante personagem do esquema.

Sendo assim, se viam diante de uma complicada tarefa. Além de terem que elaborar uma boa estratégia defensiva para se livrar da acusação dos crimes, a reunião de seus processos aos processos dos acusados que detinham a prerrogativa de serem julgados pelo STF, implicava na tarefa adicional de se defenderem de um esquema criminoso praticamente claro e autoincriminador.

A obviedade com que os meios de comunicação divulgavam o esquema do Mensalão, associado ao processamento conjunto de todos os acusados, tornavam quase infalível suas condenações. Sendo assim, infalível também é a certeza de ter sido desconsiderado o princípio da ampla defesa, que garante a satisfação das partes com os meios defensivos.

Com tudo isso, também não foi observado o devido processo legal. Constatando-se a burla de tantos princípios processuais, é evidente que estaria sendo descumprido.

Eis que chegamos a uma gravíssima consequência da atração dos processos dos não congressistas para acompanhamento pelo Supremo: a morosidade de sua tramitação. Uma ação penal com quarenta réus logicamente demorará muito mais do que se desmembrada, considerando a competência do foro comum.

Esta foi uma das objeções apontadas por advogados de alguns dos acusados. Contudo, apesar de despertar a sensibilidade do Ministro Joaquim Barbosa, o Plenário da Corte entendeu que não haveria afronta ao princípio da duração razoável do processo.

Como resultado, apontamos números, que, sem dúvidas, apresentam maior exatidão que a posição do mais sábio jurista.

Durante um semestre, os trabalhos da Corte se voltaram, praticamente de forma exclusiva, ao julgamento do Mensalão. Acompanhando o caso, Lago salienta que foram necessárias mais de cinquenta sessões apenas para o julgamento de mérito da ação:

Os números deste julgamento de mérito impressionam. Foram 53 sessões dedicadas apenas ao julgamento de mérito da ação, tendo o Tribunal sido obrigado a aprovar previamente um cronograma próprio, marcando sessões extraordinárias do Plenário durante todo o segundo semestre de 2012. (LAGO, 2013)

Não poucas vezes, os Ministros do Supremo se reuniram durante todos os dias da semana. Além disso, prezando pelo direito à sustentação oral, a Corte concedeu a cada advogado, ou defensor dos acusados, a possibilidade de sustentar oralmente sua defesa durante uma hora; ao total, sem intervalos eventuais, foram totalizadas nada menos que trinta e oito horas de sustentações orais.

Ainda merece consideração a quantidade de acórdãos redigidos somente na fase pública do processo, e antes da publicação do acórdão que evidenciava condenação. Foram em número de vinte e seis, decidindo acerca do recebimento da denúncia, questões de ordem e agravos regimentais.

Números que impressionam também dizem respeito à quantidade de ex ministros envolvidos: três. A relevância da função pública que exerciam não foi suficiente para lhes mostrar a relevância dos interesses que geriam.

Ainda, quanto aos números necessariamente relacionados aos autos, continha 50 mil

páginas e depoimentos de 650 testemunhas de defesa, brasileiras e estrangeiras3.

Por fim, não nos causa qualquer surpresa a constatação do tempo que durou o processamento e julgamento do caso Mensalão. Foram cerca de sete anos de formação dos autos, desaguando num julgamento de cerca de cinco meses.

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Em tempo, salientamos que a afronta a qualquer princípio do sistema processual brasileiro, ou mesmo aos ditames constitucionais, não se sobrepõe ao prejuízo causado à democracia brasileira. Não deixamos de reconhecer o simbolismo do julgamento do Mensalão para a história democrática do Brasil, mas também não podemos deixar de perceber que merecia muito mais, estando a um passo de receber um prêmio bem maior.

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