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II. A ação social da Igreja

1. Na Idade Antiga

1.2. Protagonistas

Tendo como fundamento a Sagrada Escritura com todos os seus ensinamentos, os Padres da Igreja desenvolvem uma parenética que, entre outras temáticas, aborda a questão dos pobres na Igreja, da partilha como exigência cristã, da usura, da valorização do trabalho sobre a beneficência e o amor aos pobres. Deve salientar-se que, não obstante desenvolverem uma profunda reflexão sobre estas matérias, não ficam apenas pela teoria, mas o que é proclamado com a boca assume performatividade. Este, é o caso de Basílio Magno, fundador de “quase uma cidade da misericórdia que dele recebeu o nome de Basilíada”111, vemos os Padres fundarem

diferentes instituições de apoio aos mais necessitados da sociedade da época112. De seguida,

abordaremos algumas figuras que, dadas as pregações desenvolvidas, se notabilizaram nesta matéria.

1.2.1. Basílio Magno

Nascido no ano 330 na Capadócia, de origem nobre e rica, ordena-se sacerdote no ano de 364 e é nomeado bispo de Cesaréia no ano de 370, cargo que ocupa até à sua morte no ano

110 Cf. Jesús A. G

ÓMEZ, Historia de la Iglesia, Vol. 1, Edad Antigua, pp. 179-180.

111 BENTO XVI, Os padres da Igreja: de Clemente de Roma a Santo Agostinho, Editorial Franciscana, Braga,

2008, p. 81.

112 Cf. Fernando António FIGUEIREDO, Os Padres da Igreja e a Questão Social, Vol. 6, Editora Vozes, Petrópolis,

de 379. Salienta-se por, a par de uma pertinaz pregação, ter empreendido “a fundação de hospitais para doentes e vítimas de epidemias, hospedarias para viajantes, estrangeiros e pobres, formando uma «nova cidade» nos arredores de Cesaréia, a qual receberá o nome de Basilíade”113 e que “está na origem das modernas instituições hospitalares de internamento e

de cuidados dos doentes”114, que Bento XVI denomina de “quase uma cidade da

misericórdia”115. Assim, da sua vasta obra, salientamos uma homilia sobre a parábola do rico

insensato (Cf. Lc. 12, 16-21), em que aborda temas como a avareza, a mais detestável de todas as ideias, a qual nunca rejubila com o que tem e quanto mais se enche, mais deseja; apresenta a glória eterna, a coroa de justiça e o reino dos céus como o prémio da distribuição dos bens corruptíveis pelos indigentes; adverte para a cor do ouro que nos alegra e fixa os olhos, mas que nos corta a sensibilidade aos gemidos dos famintos116.

1.2.2. Gregório de Nissa

Nascido por volta de 335, irmão de Basílio Magno, de quem recebe forte influência e a quem denomina de pai e mestre, e por sua irmã Macrina. Eleito Bispo de Nissa no ano de 371, salienta-se por ser um zeloso pastor117. Vítima dos arianos que o acusam de desbaratar os bens

da Igreja, é exilado e destituído da sua cátedra, lugar que retoma após a morte do imperador Valente, no ano de 378. Foi um dos protagonistas do Concílio de Constantinopla, no ano de 381. Terá provavelmente morrido no ano de 394118. Dos seus sermões, salientamos o Sermão

sobre o amor aos pobres e a beneficência, em que adverte que “com palavras somente não se enriquece os necessitados, dêem-lhes casa, leito e mesa. […] O indigente enfermo é duplamente pobre. Porque quem está sem recursos, mas ainda tem forças, vai de porta em porta ao encontro

113 Fernando António FIGUEIREDO, Os Padres da Igreja e a Questão Social, p. 11. 114 BENTO XVI, Os padres da Igreja: de Clemente de Roma a Santo Agostinho, p. 81. 115 Ibidem, p. 81.

116 Cf. Fernando António FIGUEIREDO, Os Padres da Igreja e a Questão Social, pp. 12-21. 117 Cf. BENTO XVI, Os padres da Igreja: de Clemente de Roma a Santo Agostinho, p. 97. 118 Cf. F Fernando António F

de quem tem. […] Aqueles, porém, retidos pela doença, fechados nos albergues apertados ou em recantos estreitos, como Daniel na cova, é a ti, bondoso e amigo dos pobres, que esperam pacientemente”119. Por outro lado, àquele que se diz ser pobre, responde: “Está bem. Dá mesmo

assim. Dá o que tens. Deus não quer aquilo que está acima das forças. Dá tu o pão; outro, o copo de vinho; mais outro, a roupa; deste modo, pela contribuição de muitos, acabará a desgraça de um”120. No seguimento do mesmo Sermão, exorta à determinação do necessário para a vida,

a que não seja tudo para nós, mas que tenhamos um quinhão para os pobres, pois estes são os prediletos de Deus, que é nosso Pai comum. Aconselha a que usemos, mas não abusemos, e não enchamos o nosso estômago com o suor de muitos, à semelhança de um profundo poço que nunca se farta121.

1.2.3. Gregório de Nazianzo

Amigo de Basílio, com quem competia não em ser o primeiro, mas permitindo ao outro ser o primeiro, originário da Capadócia, nasceu em 330, no seio de uma família nobre. Distinto orador e defensor da fé cristã no século IV, fortemente marcada pelo arianismo, dotado de uma capacidade invulgar para escrever, assumiu-se como servo da Palavra. Depois de uma vida cheia e toda ela dedicada à evangelização, morre no ano de 390122. Da sua vasta obra,

salientamos um Sermão sobre o amor aos pobres, no qual constata que toda a gente persegue os desafortunados, pois pode acontecer receber-se em casa um assassino, um ladrão, um adúltero, mas fugimos dos miseráveis, pois não conseguimos compartilhar com eles o mesmo ar. Deste modo, enquanto o pobre infortunado vive ao relento, num tremendo frio envolto em farrapos, sem comida necessária e jaz junto da nossa porta. Nós afortunados, porque doentes em nossas almas, insensatos, abrigados em casas de luxo, molemente envoltos em vestes

119 Fernando António F

IGUEIREDO, Os Padres da Igreja e a Questão Social, p. 26.

120 Ibidem.

121 Cf. Ibidem, p. 30.

sumptuosas e rodeados das mais sofisticadas iguarias, esquecemo-nos que hoje mesmo entregaremos a nossa alma para prestar contas daquilo que deixamos de fazer. Mas, sensato é aquele que, por não confiar nas coisas terrenas, faz um tesouro no céu. O autor continua e exorta a que se dê a Deus algum sinal de gratidão por ter colocado entre os que podem fazer o bem e a que ofereçamos a nós mesmos uma ocasião de amor fraterno, que bem é abrir o coração aos mais necessitados, pois quem despreza o pobre irrita o Criador e quem o cerca de cuidados honra quem o criou. Finalmente, apresenta grandes motivos de amor aos pobres, dizendo que quem dá ao pobre empresta a Deus, que as esmolas e os atos de fé purificam dos pecados e levantando a questão de saber quem não aceita ter Deus por credor, Ele que tudo paga com elevados juros, ou daquele que não deseja apresentar-se diante de Deus na proporção com a Sua misericórdia123.

1.2.4. João Crisóstomo

João de Antioquia, também chamado de Crisóstomo, ou seja, «Boca de Ouro», nasceu por volta do ano 349, em Antioquia da Síria, no sul da Turquia, foi Bispo de Constantinopla no ano de 397 e exilado entre 403 e 407. Órfão de pai ainda menino, foi educado por sua mãe que lhe transmitiu uma profunda sensibilidade humana e fé cristã. Considerado o maior orador da antiguidade helénica tardia, João Crisóstomo coloca-se entre os mais fecundos. Da sua extensa obra chegaram aos nossos dias 17 tratados, mais de 700 homilias, comentários a Mateus e Paulo e 241 cartas. Salientou-se igualmente pela sua solicitude para com os mais pobres, tendo sido chamado de «Esmoler». Como Bispo, foi um administrador atento, tendo criado apreciadas instituições caritativas. O «Boca de Ouro» ou «Esmoler» compreendeu, e defendeu, não ser suficiente dar esmola ou ajudar os pobres sempre que estes necessitem, mas a necessidade de se criar uma nova cidade, um novo modelo de sociedade, baseado na primazia da pessoa

123 Cf. Fernando António F

humana. Nesta base, João Crisóstomo tornou-se um dos grandes Padres da Doutrina Social da Igreja. Para ele, a nossa «pólis» é outra, construída sobre a consciência cristã, pelo que afirma que temos “a nossa pátria no céu” (Fl 3,20), a qual nos torna iguais na terra e nos obriga à solidariedade124.