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Proteção Natural e Regulação das Instituições Financeiras

No documento DOSSIÊ DA CRISE II. Agosto de Website: (páginas 34-40)

Pós-Basiléia II

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Jan Kregel**

Um recente Relatório de Genebra sobre a Economia Mundial, intitulado The

Fundamental Principles of Financial Regulation (Brunnermeier et al, 2009), propôs

uma série de medidas para tornar a liquidez sistêmica menos frequente e severa. Mais especificamente, os autores do referido Relatório propõem duas medidas:

1. Regras contábeis para expansão de funding: Os “consórcios” de recursos e ativos direcionados para funding de longo prazo têm que ser assegurados por mantenedores, cuja mensuração contábil seja transparente e não seja “marcada pelo mercado”;

2. Cobrança explícita de capital para risco de liquidez: As instituições financeiras com posições de ativos de baixa liquidez e longa maturidade e fundos com ativos de curta maturidade devem incorrer em mais elevado coeficiente sobre o capital.

Ademais, o Relatório argumenta que a “confiança do sistema financeiro sobre os recursos de funding de curto prazo dos ativos de longo prazo com baixa potencialidade de liquidez de mercado tem sido a causa fundamental da instabilidade financeira”. Uma das mais críticas lições é que, enquanto estamos previamente focados na qualidade do ativo, o risco sistêmico tem muito mais relação com o fato de como os ativos são financiados. Se duas instituições possuem o mesmo tipo de ativos, porém um deles está relacionado a dívidas de longo prazo e o outro a recursos do overnight originados dos mercados monetários. Isto faz uma substancial diferença para o potencial do risco sistêmico. Assim, regras de regulação podem fazer uma ligeira distinção de como os mesmos ativos são financiados. A ausência de distinção faz com que os bancos tenham um incentivo em financiar ativos baratos. Este incentivo é mais acentuado quando a curva do rendimento esperado de um ativo possui uma inclinação ascendente em situações de boom. Tal fato explica porque houve uma confiança coletiva em ativos de curto prazo nos mercados de fundos institucionais na extensão do crash de 2007.

Será que o descasamento da maturidade dos ativos é uma questão inevitável do sistema bancário privado? Depois de tudo, não estará o sistema bancário tomando

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Reflexões apresentadas no Centro de Economía y Finanzas para el Desarrollo de la Argentina, Buenos Aires, em 27 de julho de 2009. Tradução do artigo realizada por Fernando Ferrari Filho.

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Professor Senior do Levy Institute e Profesor Visitante do Center for Full Employment and Price

recursos de curto prazo e emprestando no longo prazo? Não necessariamente! Existem muitas exceções para se fazer uma análise generalizada e isso também é um problema de grau de escala. Pequenas empresas reclamarão que, dados os erros de garantias dos empréstimos bancários, elas não percebem terem tomado emprestado recursos de longo prazo dos bancos. Ademais, diz-se que esta situação é frequentemente observada entre os titulares de crédito que são mais sujeitos a “divorciarem-se” do que a deixar seus bancos. A realidade é que a redução da demanda de depósitos não é instantânea como ela aparenta. A taxa de declínio dos depósitos domésticos do setor privado em relação ao total das obrigações era uma medida de crescimento do risco de liquidez dos fundos entre os bancos. Efetivamente, “o descasamento das maturidades dos bancos pioraram através dos financiamentos das vendas por atacado” (Ibid., pp. 38-9).

Subsequentemente, Persaud (um dos autores do Relatório de Genebra) expandiu a análise para um artigo, visando mostrar como essa abordagem funcionaria3.

Segundo o autor, redistribuir risco, melhor do que tentar eliminá-lo, é a chave para fortalecer os bancos mundiais. Assim, Persaud (2009) argumenta que impor elevados requerimentos de capital não é uma panacéia para os problemas que causaram a presente crise. Esta estratégia, por si própria, reforça muito pouco o sistema financeiro porque ela não leva em consideração as diferenças entre as instituições e os tipos de risco. Ademais, para o autor, elevar os requerimentos de capital não auxilia a igualdade entre tomada de risco e capacidade de risco. Para ele, no centro da regulação moderna está a visão equivocada de que risco é uma propriedade mensurável do ativo; isto é, risco não é singular. Existem, por exemplo, risco de crédito, risco de liquidez e risco de mercado e, ademais, diferentes segmentos do sistema financeiro têm capacidade distintas de cobertura. Assim, risco tem muita relação com qual agente está mantendo o ativo e qual é o tipo de ativo. A noção – comum no congresso norte-americano – é de que existem instrumentos “seguros” para serem promovidos e instrumentos arriscados para serem desconsiderados. Alternativamente, requerimentos de capitais devem ser sensíveis à capacidade natural das instituições em relação à cobertura e aos tipos de risco que ela mantém. Ou seja, é considerado o risco de liquidez. Bancos, tradicionalmente, tomam emprestado dos depositantes que podem sacar seus recursos do overnight. Entretanto, bancos têm uma capacidade limitada de manter ativos que não podem ser rapidamente vendidos sem ter uma elevada taxa de desconto. Assim sendo,

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faz sentido requerer capital extra para deixar de lado quaisquer ativos que carreguem riscos de liquidez. Tal risco é mais seguro para ser mantido pelos fundos de pensão e companhias de seguro, pois eles têm funding provenientes tanto dos aposentados quanto dos prêmios de sinistros, que geralmente não se “evaporam” no overnight.

Ademais, bancos podem ter, efetivamente, posições cobertas contra risco de crédito através da diversificação de seus empréstimos e da utilização do conjunto de informações que eles têm acerca dos potenciais tomadores de recursos. Fundos de pensão são menos capazes de compensarem riscos de crédito. Seus funding de longo prazo não auxiliam, pois quanto maior o período de maturação do investimento, maior o período para que haja um default.

O caminho para tornar o sistema financeiro seguro é criar mecanismos para que os diferentes graus de risco de uma instituição sejam direcionados para uma situação de capacidade de cobertura. A “regulação” moderna fez o oposto. Ao requerer que os bancos deixassem de lado mais capital para riscos de crédito do que as instituições não- bancárias, os reguladores passaram a encorajar não intencionalmente os bancos a mudarem seus riscos de crédito para aqueles que buscavam uma renda extra, mas que tinham capacidade limitada para cobrir este tipo de risco. Ao não requerer que os bancos disponibilizem capitais extras para cobrir o descasamento da maturidade do investimento, eles encorajaram os bancos a aceitarem riscos de liquidez que não poderiam compensar. Ademais, ao suportarem as valorizações dos ativos “marcados a mercado” (nos quais fazem as instituições manter os valores aos seus preços correntes) e os requerimentos de solvência de curto prazo, os reguladores desencorajaram os emissores e fundos de pensão de tomarem riscos de liquidez que, até então, eram apropriados para eles.

Por que isto foi feito? O objetivo da regulação financeira não seria perseguir e eliminar risco. Tampouco o objetivo seria acumular e proteger o capital, para “somente nos deixar com os bancos gigantes”. Ao contrário, seria necessário diferenciar menos as instituições pelas quais elas são chamadas e mais pelas quais elas são financiadas

Isto parece ser uma proposta razoável à la Minsky; porém a análise de Minsky sobre fragilidade financeira e bancária sugere que ela pode conter um obstáculo maior. Conforme Minsky (1977, pp.8-9 e17)4: “Instituições financeiras, com expectativas de

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negócios, tomam emprestado e dinamizam instrumentos financeiros. Ao fazerem isso, suas obrigações têm que ser consideradas mais seguras ou mais convenientes para os proprietários de riqueza do que seus ativos. Usualmente, isso sinaliza que seus ativos de longo prazo são superiores às obrigações e às várias margens de segurança de provisões das organizações financeiras (…) Um banqueiro manipula os recursos da população em conformidade com seus próprios recursos. O inverso da relação ativos/valor contábil, razão valor contábil/ativo mostra como os recursos do banco estão sendo investido juntamente com os recursos da população em geral e como os banqueiros operacionalizam seus negócios. A relação valor contábil/ativos é análoga à margem de requerimento imposta sobre as transações no mercado acionário (…) Bancos comerciais e outras instituições financeiras estão inseridas em finanças especulativas: o grau de maturidade de suas dívidas são menores que o grau de maturidade de seus ativos. Eles necessitam, continuamente, atrair depósitos e vender obrigações para serem capazes de assegurar as retiradas de recursos. Sendo suas dívidas [dos bancos e instituições financeiras] de curto prazo, significa que eles são vulneráveis ao desenvolvimento operacional do mercado financeiro. Ademais, mesmo que os ativos dos bancos de longo prazo sejam maiores que suas obrigações, seus ativos são mais de curto prazo do que o volume de capital e os ativos financeiros pertencentes a unidades que estão financiando o banco. Assim, quanto maior o peso dos bancos e dos intermediários financeiros na economia, maior será o peso do financiamento especulativo nos financiamentos das firmas e dos consumidores. Não somente os bancos engajam-se em financiamentos especulativos, mas eles induzem os financiamentos especulativos para outros”

Logo, do ponto de vista minskiano, a proposta de Persaud (2009) que relaciona os requerimentos de capital ao grau de descasamento da maturidade de ativos visa à induzir os bancos a adotarem um financiamento hedge para seus ativos. Entretanto, isto reduziria a lucratividade bancária pela diferença entre a liquidez de seus ativos e suas dívidas. Como Minsky argumenta, a equação do lucro pode ser P/B = {P/A} * {A/B}, onde P são os lucros, B é o valor contratado das ações dos proprietários e A é o portfólio de ativos do banco. De outra forma, ROE=POA*, que é a alavancagem. A limitação da alavancagem, por sua vez, limitaria a capacidade dos bancos em financiar seus ativos com obrigações de maior liquidez. Esta redução da liquidez reduziria a ROA (retorno sobre ativos) dos bancos. Em um ambiente de competição, mesmo com uma

limitação estrita das atividades permitidas, isto levaria os bancos a buscar maiores alavancages para preservar o ROE (retorno sobre patrimônio líquido).

A proposta também gera implicações para as decisões relativas às preferências relativas aos sistemas bancários segmentados e às holding financeiras ou ainda às estruturas bancárias universais de tipo europeu. De acordo com as propostas contidas no Relatório de Genebra, as instituições financeiras seriam taxadas e estariam limitadas a manter e negociar os ativos financeiros que lhes proporcionassem vantagens naturais de financiamento adequadas a seus ativos. Isto significa que haveria uma segmentação no sistema, com uma variedade de tipos de atividade e instituições financeiras determinadas pela posição natural de funding e incentivadas pelas taxações preferenciais sobre os ativos. Presumivelmente, isto excluiria a formação de holdings financeiras, a menos que fossem criadas barreiras chinesas impenetráveis para separar as unidades, determinadas por seus recursos “naturais” de funding.

Isto vincula a proposta do Relatório de Genebra de marcar os valores dos ativos às fontes de funding e de avaliar os coeficientes de capital de acordo com o grau de cobertura natural provido pelo funding natural. No entanto, isso parece não fornecer uma compreensão adequada sobre a forma como os bancos e outras instituições financeiras criam valor e obtêm lucro. Como mencionado anteriormente, do ponto de vista de Minsky, os bancos obtêm lucros através da diferença entre a liquidez de suas dívidas e de seus ativos, e não pelo teor ou pela maturidade de tais ativos. O ponto essencial é saber como os bancos conseguem liquidez para suas dívidas. Aqui, é importante a ideia de Minsky sobre as margens de segurança, ativos segurados com alta liquidez para garantir que sempre possam cumprir suas obrigações. Mais uma vez, o teor dos ativos não é tão importante quanto o mercado no qual estes ativos podem ser vendidos para prover liquidez. Os mercados aprenderam com as crises de Bear Stearns e Lehman and Borthers e sabem que mesmo os ativos de curto prazo e livres de risco podem não ter liquidez.

Ademais, parte da liquidez das dívidas das instituições financeiras pode ser estabelecida através do modo como os riscos são cobertos, ou seja, através da eficiência de sua estratégia de hedge, mais do que se a cobertura é natural. Em suma, é importante observar a forma como os bancos cobrem seus riscos e como a regulação pode ser vista

como uma imposição de cobertura5. O requerimento de capital é um método muito ineficiente para impor cobertura aos bancos. De fato, estes tendem a fazer justamente o contrário. A regulação deveria incentivar os bancos a aplicarem coberturas apropriadas da melhor forma possível. Isto gera um aumento no ROA e reduz os incentivos para aumentar a alavancagem.

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Kregel, J. Past and Future of Banks, Ente per gli Studi Monetari, Bancari e Finanziari Luigi Einaudi, Quaderni di Ricerche, nº 21, Bancaria Editrice, Rome, 1998, capítulo 7.

Crescimento da Dívida Pública dos PIIGS Europeus e Movimentos

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