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Proteção social no Brasil: viabilização de direitos ou conformação da classe trabalhadora?

Proteção social – o sentido de proteção (protectione, do latim) supõe, antes de tudo, tomar a defesa de algo, impedir sua destruição, sua alteração. A ideia de proteção contém um caráter preservacionista – não da precariedade, mas da vida –, supõe apoio, guarda, socorro e amparo. Esse sentido preservacionista é que exige tanto a noção de segurança social como a de direitos sociais. (SPOSATI, 2009, p. 21).

No Brasil, a Proteção Social foi marcada por ações focalizadas e de cunho filantrópico/caritativo, acompanhando a constituição do próprio Estado Brasileiro. A partir da Proclamação da República, no ano de 1890, iniciou-se um lento processo de modernização e industrialização do país, demarcado pelas pressões e imposições do capitalismo internacional à substituição do modo de produção escravista pelo modo de produção assalariado (SANTOS, 2008). Com a “abolição” do trabalho escravo e a vinda de trabalhadores imigrantes ao país foi instituído o trabalho assalariado como regime de trabalho, visando, mesmo que de forma retardatária, a integralização da economia nacional ao capitalismo internacional.

Behring e Boschetti (2008) afirmam que desde meados do século XIX até o início do século XX o período foi marcado pelo predomínio do liberalismo e seu princípio de trabalho, como mercadoria, regulado pelo livre mercado. A classe trabalhadora vivia em condições precárias de trabalho e exaustivas jornadas de trabalho, não possuía direitos trabalhistas, sendo o trabalho infantil amplamente utilizado e moralmente aceito por ser considerado mão de obra barata e sem regulação. Com a Crise Econômica Mundial de 1929, também conhecida como a Grande Depressão, seguida da Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945), ganharam destaque, no cenário internacional político e econômico, as teorias keynesianas de intervenção estatal. Cabe

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destacar que

o Estado passou a intervir no processo de reprodução das relações sociais, assumindo o papel de regulador e fiador dessas relações, tanto na viabilização do processo de acumulação capitalista, como no atendimento das necessidades sociais das classes subalternas. (YAZBEK, 2009, p.132).

Nesse período, intensificou-se, no Brasil, o favorecimento à industrialização e, por conseguinte, intensificaram-se as reivindicações e manifestações da classe trabalhadora. Conforme Santos, “na base da parcialidade das mudanças ocorridas no processo de modernização capitalista brasileiro está uma estratégia recorrente de antecipação das classes dominantes aos movimentos reais ou potenciais das classes subalternas” (IDEM, p. 76, 2008). A regulação das tensões entre as classes sociais por meio do Estado tomou força a partir dos anos 1930, tendo como marco um conjunto de iniciativas, por exemplo, a Constituição de 1937, a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), o estabelecimento do Salário Mínimo, entre outras. Ainda de acordo com Santos (2008), nesse período, no cenário mundial, houve a expansão dos ideais comunistas, o que provocou, entre as classes dominantes, a necessidade de criação de mecanismos de contenção direcionados às classes subalternas.

Com referência positivista e funcionalista, creditava-se a questão social19 ao desajuste dos sujeitos em uma sociedade que era considerada perfeita, cabendo ao Estado criar mecanismos de ajuste social a fim de manter o equilíbrio nacional. Nesse viés funcionalista, a intervenção estatal era justificada, pois,

os propósitos da proteção social não visavam o atendimento de demandas populares, garantias de melhores condições de vida aos cidadãos ou transformações sociais, mas reconstituir a harmonia abalada pelos processos intrínsecos à evolução e ao progresso, a preservação do status quo. (PEREIRA, 2013b, p.90).

Nesse sentido, a origem da Proteção Social no Brasil ocorreu subordinada à matriz conservadora, tendo como dimensão central o desenvolvimento e o crescimento econômico nacional. A Assistência Social acompanhava esse sentido de manutenção da ordem vigente, pois era posta como “trato da pobreza”, visando minimizar os conflitos inerentes à sociedade capitalista. A Proteção Social,

19 Segundo Iamamoto, a questão social expressa as “desigualdades econômicas, políticas e culturais que as classes

sociais, mediatizadas por disparidades nas relações de gênero, características étnico-raciais e formações regionais, colocando em causa amplos segmentos da sociedade civil no acesso aos bens da civilização. (2015, p.160, grifo da autora).

38 ao mesmo tempo em que se volta para o atendimento de necessidades do capital, [...] não pode descurar das necessidades sociais visto que o capitalismo não funciona isento da contradição de ter que atender demandas do trabalho, que podem reverter em benefícios para o capital. Neste caso, a proteção social contemporânea também contempla as necessidades sociais. (PEREIRA, p.285, 2013b).

Sabe-se que toda e qualquer política social é resultante das lutas entre os interesses de classes antagônicas. Como afirma Pereira, “não foi à toa que a conquista dos direitos sociais constituiu uma bandeira de luta de movimentos sindicais e socialistas desde o século XIX, como forma de frear, ainda que reformisticamente, o poder despótico do capital” (2013a, p. 641). Acompanhando esse movimento, trabalhadores e movimentos sociais questionavam e repensavam a proteção social, no Brasil, configurando-a como espaço contraditório e intensificando a disputa por projetos societários.

A partir da década de 1960, houve migração em massa da população do campo para as cidades, originada em diversos fatores: a concentração fundiária em mãos de poucos; a mecanização do trabalho no campo; e o processo de industrialização e urbanização das cidades. Nesse período, o país passou por processos políticos extremamente conflitantes, ocorrendo, em 1964, o golpe Ditatorial Militar Brasileiro.

Quando se pauta a relação da ditadura militar com o campo da proteção social, observa-se o uso da organização estatal para expandir a base de apoio ao governo militar através de alguns benefícios previdenciários e a implantação de programas nacionais de cunho social. Entre esses, os Centros Sociais Urbanos e Rurais, a Fundação Nacional de Bem-Estar do Menor (FUNABEM) e a Legião Brasileira de Assistência (LBA). Esta última ampliou seu raio de ação tanto em relação às áreas geográficas como no âmbito de sua ação protetiva. A prestação de serviços e benefícios da assistência social, ou o “trato da pobreza”, configurava-se como restrito às organizações da sociedade civil, geralmente de cunho confessional. (MIOTO; NOGUEIRA, 2013, p. 63).

Constata-se, portanto, que a prática assistencial aos “vulneráveis” é histórica. Nas mais diversas sociedades, o “apoio assistencial” era dirigido aos pobres, tendo essa prática caráter clientelista, caritativo e de solidariedade.

Nas relações clientelistas, não são reconhecidos direitos dos subalternizados e espera- se lealdade dos que recebem os serviços. Estes aparecem como inferiores e sem autonomia, não são interlocutores. Trata-se de um padrão arcaico de relações que fragmenta e desorganiza os subalternos ao apresentar como favor ou como vantagem aquilo que é direito. Além disso, as práticas clientelistas personalizam as relações com os dominados, o que acarreta sua adesão e cumplicidade, mesmo quando sua necessidade não é atendida. (YAZBEK, 2016, p. 56).

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Foi somente com a abertura política e a promulgação da Constituição Federal de 1988 que a Assistência Social ganhou força com o estabelecimento do novo modelo de Seguridade Social, composto pelo tripé Saúde, Previdência Social e Assistência Social, visando à preservação, segurança e ao respeito à dignidade de todos as/os cidadãs/ãos.

A CF/88 foi um marco histórico “ao ampliar legalmente a proteção social para além da vinculação com o emprego formal”. Trata-se de mudança qualitativa na concepção de proteção que vigorou no país até então, pois inseriu no marco jurídico da cidadania os princípios da seguridade social e da garantia de direitos mínimos e vitais à construção social. (SPOSATI, 2009, p. 19).

Nesse sentido, sua inserção na Seguridade Social aponta, também, para seu caráter de política de Proteção Social, articulada com outras políticas do campo social, voltadas à garantia de direitos e de condições dignas de vida (BRASIL, 2005). Em relação à conjuntura desta década de 1980, Abreu (2011, p. 215) cita a “perspectiva de construção de uma nova cultura pelas classes subalternas, […] em que as inflexões passam por novas modalidades de participação democrática, isto é, da socialização da política e consequente reconstrução das relações Estado/sociedade”. Portanto, qualificar a assistência social como política pública foi de fundamental importância em seu processo histórico, no sentido de articulá-la com as demais políticas sociais, reconhecendo-a como direito das/os cidadãs/ãos e responsabilidade do Estado.

2.2. Assistência Social no Brasil: desafios na sua implementação e qualificação como

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