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2. O ESTADO

2.4. A Proteção Social no Estado Brasileiro

No Brasil, as políticas sociais, constituídas de dentro do próprio Estado, têm sua origem, estreitamente, ligada ao desenvolvimento urbano industrial, no qual o Estado redefine suas funções e passa a utilizar mecanismos institucionais de controle, até então fora de sua esfera de intervenção.

O Estado Social Brasileiro constitui-se a partir dos anos 1930, dentro de um sistema fortemente calcado na acumulação do excedente da produção, e que encontra no modelo do Welfare State, uma forma de acordar a inclusão e a concessão de benefícios sociais. Processo que resultou da transição do modelo capitalista agrário para o industrial, com a reorganização da produção, do contrato social da mão de obra, e do financiamento dos benefícios para a classe trabalhadora.

A crescente industrialização provocou a divisão cada vez mais intensa das tarefas, a complexificação das situações salariais e condições de trabalhos mais penosas. O conflito de classes não tensionou, suficientemente, a passagem do padrão colonial de crescimento econômico para o padrão de desenvolvimento industrial capitalista, o que não ocorreu linearmente, mas configurou-se muito mais na passagem do colonial para o neocolonial e, consequentemente, para o capitalismo dependente.

Os rompimentos com o estatuto colonial e a criação de um Estado Nacional constituíram-se como condição primordial para mudanças na ordem econômica e social, e vieram a se consolidar por volta dos anos 1930 no Brasil.

Segundo Fernandes (1975) duas etapas foram vividas na sociedade brasileira: a ruptura da homogeneidade da aristocracia agrária e o aparecimento de novos tipos de agentes econômicos sob a pressão da divisão do trabalho em escala local, regional ou nacional.

A possibilidade de converter o Estado em um eixo político de recomposição do poder econômico, social e político da burguesia, estabeleceu uma conexão direta entre dominação de classe, e livre utilização, pela burguesia, do poder político estatal daí resultante (FERNANDES, 1975, p. 264).

Encontram–se as raízes do acordo societário onde há inexpressividade de forças antagônicas, com perspectivas de organizar-se sob a lógica de contraposição política e revolucionária e um rígido controle do Estado e da burguesia sob o processo de organização das classes populares (YASBEK, 2014).

O modelo capitalista brasileiro dependente das crises de acumulação externas aponta a exclusão social, como um de seus determinantes diretos, agregando-se a repressão aos movimentos populares como fator de tensão importante na reivindicação dos direitos sociais.

A história brasileira foi demarcada pela separação entre a sociedade civil e o Estado. Esta separação tem engenhosa ação da classe dominante burguesa, que buscou identificar sua luta com o “direito natural revolucionário” (FERNANDES, 1975), assim escamoteando por meio do Estado Social, no atendimento às necessidades básicas da classe trabalhadora e não o acesso universal aos direitos sociais.

Em contrapartida aos processos internacionais, as garantias e direitos fundamentais sociais, conforme proposto no artigo sexto da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), tais como: o direito à educação, à saúde, a alimentação, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à segurança, à previdência social, à assistência aos desamparados e à proteção da maternidade e da infância, são assegurados, mas não implementados totalmente. As políticas para a assistência a esses direitos sociais regulamentados por leis específicas são executadas a partir de setores no interior do Estado.

As políticas sociais brasileiras têm em seu escopo a concepção do enfrentamento coletivo, socializado de fenômenos complexos como a desigualdade social e a pobreza, o que esbarra nos atuais cenários e tendências de transformações societárias do capitalismo contemporâneo. As reflexões já empreendidas colocam em questão alguns

dos dilemas, desafios e perspectivas, que se apresentam para implementação das políticas de proteção social brasileiras, neste início de século XXI, diante da precarização dos serviços e focalização da assistência.

Quanto à implantação do Estado de Bem-Estar Social no Brasil, parece haver certo consenso de que houve dificuldade em presumir a constituição de um Estado Social no país (DRAIBE, 1993; MÕNTANO, 2005).

O "caso brasileiro" e as rarefeitas referências a países latino- americanos assumem então as características de casos de um não desenvolvimento do Estado de Bem-Estar Social ou, na melhor das hipóteses, de casos particulares, anômalos, dotados de tal especificidade que dificilmente poderiam ser tomados como variantes de tendências gerais ou pelo menos típicos de outros padrões (diferentes obviamente do sueco ou do inglês) de Estados do Bem- Estar Social (DRAIBE, 1993, p.1).

Neste ínterim o acesso aos bens sociais não se universalizou ao conjunto dos cidadãos. Em alguns momentos históricos, ficaram restritos a alguns nichos sociais, como no caso dos grupos de trabalhadores, e em outros não chegaram a alcançar o status de direito conquistado.

O Estado Social consolida-se dentro dos parâmetros já discutidos entre os anos 1930 e 1970. Será adotada a concepção do Estado de Bem-Estar Social como uma forma particular de regulação social, que se expressa pela transformação das relações entre o Estado e a Economia, entre o Estado e a Sociedade, a um dado momento do desenvolvimento econômico.

O modelo capitalista brasileiro dependente das crises de acumulação aponta a exclusão social, como um de seus determinantes diretos, agregando-se a repressão aos movimentos populares que reivindicavam direitos sociais.

O processo permitiu: a continuidade da dominação imperialista externa; a permanente exclusão (total e parcial) do grosso da população não possuidora do mercado e do sistema de produção especificamente capitalista; e dinamismos econômicos débeis e oscilantes, aparentemente insuficientes para alimentar a universalização efetiva (e não apenas legal) do trabalho livre, a integração nacional do mercado interno e do sistema de produção em bases genuinamente capitalistas, e a industrialização autônoma (FERNANDES, 1975, p. 223).

Os governos que ocuparam o poder no Estado Brasileiro desde os anos 1930 implementam modelos de desenvolvimento econômico atrelado ás mudanças das práticas capitalistas ocorridas nos chamados países desenvolvidos.

A privatização dos direitos sociais, outrora garantia de acesso conquistado pelas intensas lutas de classes e expressos na Carta Magna de 1988, foram sob a égide de governos neoliberais projetos de desmonte de setores como a cultura, a saúde, a educação, a assistência social e a previdência. Esses setores foram transformados em serviços não exclusivos do estado, que podem ser vendidos e comprados na perspectiva do Estado Mínimo.

Os governos que se sucederam após os anos 1990 promoveram a reforma neoliberal do Estado brasileiro. Na gestão do Presidente Fernando Henrique Cardoso, inspirado no Consenso de Washington (favorável à implantação de programas de privatização e de publicização) foi elaborado um projeto pelo Ministério da Administração e Reforma do Aparelho do Estado - MARE, por Luiz Carlos Bresser Pereira, com aprovação das reformas administrativa e previdenciária, e os programas de privatização e publicização.

A flexibilização dos mercados nacional e internacional, das relações de trabalho, da produção, do investimento financeiro, do afastamento do Estado das suas responsabilidades sociais e da regulação social entre capital e trabalho, permanecendo, no entanto, instrumento de consolidação hegemônica do capital mediante seu papel central no papel de desregulação e (contra)-reforma estatal, na restruturação produtiva, na flexibilização comercial, no financiamento ao capital, particularmente financeiro (MONTANO, 2005, p. 154 ).

O programa de publicização estruturado no interior dos serviços não exclusivos, realizados por meio do Estado “é na verdade a denominação ideológica dada à transferência de questões públicas da responsabilidade estatal para o “terceiro setor”, uma forma de propriedade pública não-estatal” (MONTAÑO, 2005).

Neste contexto, o Estado brasileiro reduz suas intervenções no campo social, apelando para a solidariedade, por meio do Programa Comunidade Solidária, presidida por Ruth Cardoso, incutindo um discurso de que as responsabilidades estatais são da sociedade civil como meio de atenuar a “crise” que o Estado neoliberal diz vivenciar. Neste sentido, a responsabilidade de amenizar a situação de exclusão, provocada pela prática neoliberal é da sociedade civil.

O projeto neoliberal brasileiro pretende acabar com o caráter universal das políticas sociais e assistenciais. Faleiros (2000) sustenta que, no caso brasileiro, em decorrência da falência econômica e das lutas de classes presentes na sociedade atual, alteram-se as ênfases e prioridades no que diz respeito aos programas sociais, passando da universalização (garantia de um certo mínimo para todos os indivíduos) para a focalização. As políticas sociais são privatizadas, transferidas ora para o mercado ora para a sociedade civil, responsabilizando o indivíduo por sua subsistência e o de sua família.

Além da privatização, a focalização das políticas sociais estatais prevê um direcionamento das ações e recursos aos mais pobres, afirmando-se a necessidade de economizar em face da hipótese de o Estado vivenciar uma crise financeira, minimizando os serviços estatais e precarizando as ações das políticas sociais.

A focalização constitui um retorno ao Estado assistencialista na medida em que trata a assistência social aos pobres desvinculada dos direitos de cidadania, com imagem de doação. Nesse sentido, os governos federal e estadual substituem o caráter preventivo pelo imediatismo, distribuindo cestas básicas e contratos temporários a fim de manter a ordem social.

As mudanças ocorridas e em processo, referentes a perda de direitos de cidadania por serviços e políticas sociais, assistenciais e por uma seguridade social estatal, universal e de qualidade (particularmente nos países centrais), e a sua precarização e focalização (particularmente nos países periféricos), a remercantilização e refilantropização da questão social, afetam profundamente tanto os setores mais carentes quanto o conjunto dos trabalhadores (MÕNTANO, 2005, p.158).

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