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2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.2. CFTR

2.2.1. A Proteína CFTR

CFTR é a sigla utilizada para denominar tanto o gene quanto a proteína Cystic Fibrosis Transmembrane Conductance Regulator (Riordan et al, 1989, Bear et al, 1992). A proteína CFTR é uma glicoproteína de membrana que funciona como um transportador de íons regulado pelo estado de fosforilação do AMPc e ATP. Esta proteína está localizada na membrana apical das células epiteliais, ocupando toda sua espessura, e tem uma ação importante na manutenção da homeostasia da água e do sal através dos epitélios uma vez que é responsável pela movimentação e regulação do fluxo do Cl- através da célula (Welsh et al, 1993; Sheppard & Wesh, 1999, Kunzelman, 2003). Desta forma, a CFTR assume um papel central no transporte transepitelial dos sais para dentro e fora da célula, no fluxo de líquido e na concentração dos íons nos epitélios.

Estudos sobre as características estruturais da proteína CFTR através do sequenciamento de aminoácidos a classificaram como membro da família das grandes proteínas transportadoras de membrana acopladas a ATP (ABC ATP- binding cassete) (Sheppard & Welsh, 1999; Gadsby et al.,2006). Entretanto, existem pelo menos duas características da CFTR que a distinguem em relação aos outros membros da família ABC: 1ª) é a única a funcionar como um canal de íons e 2ª) é a única que possui cinco domínios (as demais possuem quatro), devido a presença do domínio regulador. A CFTR é constituída por 1480 aminoácidos que são dispostos em duas metades homólogas. Cada metade contém seis segmentos transmembrana que constituem um domínio transmembrânico hidrofóbico de cada lado (Transmembrane Domain - TMD1 e TMD2) e um domínio de ligação de nucleotídeos também de cada lado (Nucleotide Binding Domain - NBD1 e NBD2). As duas metades são ligadas pelo domínio citoplasmático regulador (R), o qual contém vários sítios alvos para fosforilação por proteínas cinases (Lubamba et al, 2012) (figura 4).

Figura 4. Localização e estrutura propostas da glicoproteina de membrana Cystic Fibrosis Transmembrane Conductance Regulator (CFTR), composta de dois domínios transmembrana (TMD: Transmembrane Domain), dois domínios de ligação de nucleotídeos (NBD: Nucleotide Binding Domain) e um domínio regulatório central (R). Cada TMD tem seis α-hélices hidrofóbicas. A porção extracelular da 4ª alça no TMD2 apresenta um sítio N-glicosilado. C: terminal C; N: terminal N. Extraído de Lubamba B, et al, 2012.

Experimentos sobre a estrutura tridimensional da CFTR evidenciaram que 77% da sua estrutura está no citoplasma, 19% nos segmentos transmembrana e 4% em alças extracelulares as quais, na maioria, são muito curtas. Algumas destas alças contêm sítios de glicosilação com função in vivo. Os domínios TMD1 e TMD2 estão alinhados em forma de poro ou conduto pelo qual o íon Cl- é conduzido através da membrana e os domínios NBD1 e NBD2 são responsáveis pela ligação e pela hidrólise de ATP, fornecendo energia necessária para atividade do canal (Wang, 2011). O domínio regulatório modula a atividade da CFTR e pode ter um efeito inibitório ou estimulatório. Acredita-se que o movimento de íons pelo canal seja desencadeado pela fosforilação AMPc-dependente do domínio R pela proteína cinase A (PKA) e interação e hidrólise do ATP em sítios da NBD que induzem alterações na conformação da proteína permitindo a abertura ou fechamento do canal. Desta forma, ambos funcionam como um “portão” que se abre ou fecha quando ativado. Na CFTR, ao invés de transportar o soluto, o ATP é necessário para

ativar o canal (Serohijos et al, 2008). Modificação no domínio regulador por adição ou remoção de grupos químicos de fosfato, mediados pela PKA, aumenta a afinidade do CFTR pelo ATP, resultando em hidrólise do ATP e abertura do canal. A atividade do canal torna-se, desta forma, quantitativamente regulada pelo estado de fosforilação (Gadsby et al, 2006; Lubamba et al., 2012).

A CFTR localiza-se principalmente na membrana apical de células epiteliais, embora seja também encontrada em outras células como os miócitos cardíacos, células do músculo liso, eritrócitos e macrófagos (Lubamba et al., 2012). Quando existe disfunção da CFTR o transporte transepitelial dos íons e água se modifica resultando em alteração na homeostasia da superfície exócrina epitelial. Esta alteração leva a acúmulo de macromoléculas nas secreções, as quais alteram a hidratação e o estado físico das secreções. Isto ocorre na maioria dos tecidos exócrinos, mas com consequências mais graves nas vias aéreas pulmonares, no pâncreas, nas glândulas sudoríparas, no intestino e no canal deferente. Nas vias aéreas, o acúmulo de muco viscoso e colonização por microrganismos causam uma resposta inflamatória com dano e perda de função pulmonar. No pâncreas, a secreção das enzimas pancreáticas e de fluido rico em bicarbonato torna-se prejudicada acarretando má digestão e absorção dos nutrientes. Nas glândulas sudoríparas, a falta da CFTR funcionante bloqueia a reabsorção dos sais, tornando a concentração dos eletrólitos no suor elevada. A presença destas alterações em graus variados de intensidade representam as manifestações clínicas da FC

Além do transporte do cloro, a CFTR também tem um papel importante na secreção de bicarbonato (HCO3-). A manifestação clínica mais importante da perda desta função é a alteração da secreção pancreática de HCO3- nos portadores de FC. A CFTR também influencia a atividade de outros canais e transportadores, tais como os canais ENaC que regulam a absorção epitelial do sódio, outros canais de cloro (Outwardly Rectifying Chloride Channel – ORCC) e canais de cálcio ativados pela condutância do cloro (CaCC), entre outros em estudo (Riordan, 2008; Lubamba et al.,2012)

A possibilidade de que a CFTR esteja diretamente envolvida na função das células imunes e inflamatórias também tem sido especulada, uma vez que foi detectada em neutrófilos e outras células hematopoiéticas. Entretanto, não está

claro se as alterações inflamatórias presente nos tecidos dos pacientes com FC antes da infecção é inerente às alterações das células inflamatórias por si ou se é uma reação ao estado alterado da superfície epitelial que apresenta alterações de íons, fluidos e muco (Riordan, 2008).

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