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Quando impotentes, os evangélicos frisaram o perigo do poder e a necessidade de evi- tá-lo totalmente (―crente não se mete em política‖). Durante muitas décadas do século XX, essa frase era lugar comum. ―Resultava não só da percepção subjetiva, estereotipada e às vezes crítica que os católicos e outros grupos religiosos e não-religiosos tinham dos protes- tantes brasileiros de modo geral, mas compunha também a autodefinição dos próprios inte- ressados até bem pouco tempo‖, argumenta Antônio Flávio Pierucci.163 Religião e política não se misturam assim como ―bebida alcoólica e volante de direção não se misturam‖. De fato, para muitos protestantes, ―obra evangélica e influência espiritual‖ têm a primazia na Igreja. Assim pensavam os presbiterianos até bem pouco tempo. No cenário brasileiro, o mundo reformado tem primado historicamente pelo alheamento em relação à vida política

162 FOUCAULT, Michel. Op. cit., p. 8.

163 PIERUCCI, A. Flávio. Representantes de Deus em Brasília: A Bancada Evangélica na Constituinte. In:

em qualquer nível. Na Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB), a seguinte resolução de 1938 reflete essa tendência apolítica dos evangélicos da primeira metade do século XX:

Ag-1938- Doc. 38 - Política - O SC afirma: 1) Que o Ministro não pode interferir numa campanha política sem prejuízo de sua obra evangélica e influência espiritual. 2) Que precisa conservar-se neutro numa questão em que os membros da Igreja estão divididos. 3) Recomendar que os membros da Igreja exerçam seus direitos cívicos e políticos. AG-1928-038 e AG-1928-039. O SC resolve declarar que escapa à sua competência, como concílio espiritual, opinar sobre ideologias ou partidos políticos. Compete ao cristão obedecer às autoridades legitimamente constituídas e realizar os deveres de cidadão, nunca devendo adotar qualquer ideologia que atente contra os princípios evangélicos da liberdade civil, e de consciência e da ordem e paz sociais. AG-1936-042.164

Treze anos depois, a Igreja Presbiteriana do Brasil reafirma o mesmo princípio, de- terminando que nenhum ministro da IPB poderia exercer ―atividades de membro de diretó- rio político, ou de candidato a qualquer cargo político‖, sem licença prévia do seu Presbité- rio. Nem poderia fazer uso de seus títulos eclesiásticos, em benefício de campanhas polít i- cas.165 Além disso, esse princípio de neutralidade política também era válido para os mis-

sionários, pois, segundo o Regulamento da JME Junta de Missões Estrangeiras166 da Igreja Presbiteriana do Brasil, além das qualificações religiosas, ―deve o missionário no estrangei- ro abster-se de qualquer interferência na vida política do país onde trabalhar, respeitando suas leis e evitando mesmo comentários sobre o regime e as leis do país‖.167

Entretanto, nos últimos anos, em nome de um suposto ―direito de primogenitura‖, a li- derança da Igreja Presbiteriana do Brasil tem evidenciado um aumento de interesse pelos processos políticos da nação brasileira. Em matéria não assinada, publicada no jornal Brasil

Presbiteriano em novembro de 2004, afirma-se que ―a Igreja Presbiteriana do Brasil, IPB, já teve seu papel de liderança protestante no Brasil e tem tudo para retomar tal liderança‖.168

O artigo afirma também que a ―IPB tem liderado processos saudáveis de transformações religiosas, sociais, políticas e culturais‖169. Em seguida, o artigo cita alguns exemplos, tais

como: aperfeiçoamento do Novo Código Civil Brasileiro e elaboração da Constituição Bra-

164 IPB (1938). Resoluções da Assembléia Geral. Disponível em: <http://www.executivaipb.com.br/>. Acesso

em: 12 jan. 2008.

165 Vide ANEXO C. 166 Vide ANEXO D. 167 Id. Loc. cit.

168 Direito de Primogenitura - IPB de volta à liderança nacional. Brasil Presbiteriano, São Paulo, novembro de

2004. Disponível em: < http://www.ipb.org.br/versao_pdf/bp_novembro2004.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2008.

sileira. Evocando novamente o ―direito de primogenitura‖ dessa denominação protestante, o texto recomenda que a relevância da IPB se fará sentir por uma presença estratégica, que faça diferença, capaz de promover transformações no meio evangélico nacional e dar uma identidade reformada à participação evangélica no país.170 No número anterior do mesmo jornal, mês de celebração da Reforma, época de eleições, diga-se de passagem, o jornal a- firmou que:

A maioria dos cristãos decidiu que política não é coisa de crente e se limita a, no máximo, votar. Essa postura não faz justiça aos ensinamentos bíblicos nem à tradição Reformada. Como fruto da Reforma, há vários líderes cristãos envolvidos no governo de seus países e também homens e mulheres do povo contribuindo para melhorar a sociedade. Aliás, é desse envolvimento nas bases que nascem os líderes capacitados a contribuir em âmbito nacional Reconhecendo a soberania de Deus e em cumprimento ao mandato cultural, os cristãos precisam se interessar mais por política.171

No ano seguinte, afirma-se que o país precisa de homens que tenham o ―ser‖ caracte- rizado pela honestidade, motivados pelo ideal de servir a Deus. ―Alguns, como o calvinista Abraham Kuyper, na Holanda, deixaram provas de que é possível ser engajado politicamen- te tendo o modus vivendi e o modus operandis de Cristo como referenciais‖.172

―Para todos os interessados em estudar as formas de religiosidade no Brasil, por outro lado, esta peculiar politização de grupos religiosos, até aqui auto-excluídos da esfera pública política, levanta novas interrogações sobre a dinâmica social do campo religioso como um todo‖, argumenta Pierucci.173 Como explicar o surgimento de protestantes conservadores

politicamente ativos e ativistas?

No primeiro capítulo, afirmamos que o ativismo político dos grupos fundamentalistas data das origens desse movimento religioso, pois os fundamentalistas tentaram, através dos meios políticos, promulgar leis federais e estaduais, proibindo, por exemplo, o ensino do evolucionismo. Por isso, Manuel Castells afirma que o fundamentalismo é ―a construção da identidade coletiva segundo a identificação do comportamento individual e das instituições

170 Id. Loc. cit.

171 Época de eleições. Brasil Presbiteriano, São Paulo, outubro de 2004. Disponível em:

<http://www.ipb.org.br/versao_pdf/bp_outubro2004.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2008.

172 De vez em quandão. Brasil Presbiteriano, São Paulo, novembro de 2005. Disponível em:

<http://www.ipb.org.br/versao_pdf/bp_novembro2005.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2008.

173 PIERUCCI, A. Flávio. Representantes de Deus em Brasília: A Bancada Evangélica na Constituinte. In:

da sociedade com as normas oriundas da lei de Deus, interpretadas por uma autoridade defi- nida que atua como intermediária entre Deus e a humanidade‖.174

Nesse sentido, os movimentos fundamentalistas procuram plasmar a sociedade com seus valores. ―Daí a necessidade cada vez mais premente de participação dos fundamentalis- tas na política. Nesse sentido, observa-se que eles pretendem se utilizar dessa participação política, oferecida pela constituição liberal do Estado, para ganhar terreno e conseguir mais influência sobre a sociedade civil‖.175 Assim, Antônio Flávio Pierucci argumenta que a visi-

bilidade dos evangélicos no cenário político brasileiro é, já, fruto de uma nova estratégia de presença e de influência em nossa sociedade.

No contexto da Igreja Presbiteriana do Brasil, as conexões com o fundamentalismo protestante estadunidense são evidentes. Pode-se encarar o movimento fundamentalista es- tadunidense da seguinte forma:

uma reação à ruptura levada a cabo pela pós-modernidade com a ética puritana da austeridade, disciplina e ascetismo, e à predominância, hoje, de um modelo de comportamento hedonista, calcado no prazer e na inovação. Por outro lado, percebe-se que o fundamentalismo permite um reposicionamento doutrinário dos indivíduos, por meio do retorno ao dogma religioso, contra o relativismo dos valores morais, o pluralismo de interpretações e a falta de vínculo comunitário que caracterizam a pós-modernidade.176

Na sociedade estadunidense, quando o povo se desvia do ideal puritano, surgem no país ―movimentos de despertar‖, revitalizando os fundamentos morais e religiosos que legi- timam as instituições burguesas.