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Protocolo para prevenir, suprimir e punir o tráfico de pessoas, especialmente mulheres e

3. Negociações da “Convenção do Crime”: uma leitura dos “Travaux Prépraratoirs”

3.1. Protocolo para prevenir, suprimir e punir o tráfico de pessoas, especialmente mulheres e

No artigo “Tráfico de pessoas: da Convenção de Genebra ao Protocolo de Palermo” (Castilho, 2008), Ela W. V. de Castilho arrolou os principais instrumentos internacionais que antecederam o Protocolo de Palermo. Além da menção ao Tratado de Paris de 1814, firmado entre Inglaterra e França e que se ocupou primeiramente do tráfico de negros como objeto de comércio para a escravidão, a autora relaciona uma série de Acordos e Tratados Internacionais elaborados para combater o tráfico de mulheres. Este fenômeno tem sido debatido no seio dos movimentos feministas há muitas décadas, e gera polêmica desde que foi inventado, principalmente por reacender as discussões de autonomia e agência relativas à prostituição34.

Várias análises relacionam o tráfico de mulheres ao tema da “escravidão branca”, conceito que emergiu entre fins do século XIX e início do século XX e que está associado à reação das sociedades norte-americana e europeia diante da intensificação do fluxo migratório de mulheres solteiras naquele período (Blanchette e Silva, 2009; Doezema, 2000, 2010; Kempadoo, 2005). Tais análises relacionam a intensificação dos debates sobre o fenômeno à difusão de pânicos morais associados à migração de mulheres e ao perigo que representavam para a estabilidade de sociedades calcadas na noção de família monogâmica cristã. A ênfase na branquitude da vítima, equiparada à sua pureza, decorreria, por sua vez, de pressuposições racistas e eurocêntricas partilhadas na época.

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Sobre as primeiras polêmicas em torno do tema das “escravas brancas”, conferir o artigo “Tráfico de Mulheres”, escrito por Emma Goldman em 1909 (Goldman, 2011). Ver também “Prefácio à Emma Goldman. Tráfico de Mulheres”, de Margareth Rago (2011) e “Emma Vermelha e o espectro do ‘Tráfico de Mulheres’”, de Thaddeus Blanchette (2011).

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Kempadoo (2005) compartilha o entendimento de que as ideias sobre o tráfico de pessoas foram gestadas em um contexto de condenação à migração de mulheres europeias e norte-americanas para o exterior, em especial daquelas que iam exercer a prostituição em outros países (Kempadoo, 2005: 57). Nessa chave interpretativa, a visão do perigo que compraz à migração de mulheres solteiras muito teria a ver com a influência dos valores hegemônicos do cristianismo no início do século XX (Blanchette e Silva, 2009)35. Kempadoo acredita que tanto a visão de uma sociedade moral subjacente ao cristianismo quanto a política do abolicionismo da escravidão negra e do movimento pelo sufrágio feminino ajudaram a dar forma ao “paradigma do tráfico de pessoas” disseminado na legislação internacional.

A importância de diferentes definições feministas para sustentar este “paradigma” remonta à co-existência de duas perspectivas historicamente antagônicas e tidas como centrais nos debates em torno da problemática. Enquanto a primeira delas – cunhada como abolicionista – teria como premissa a ideia de que a prostituição é, em si, assédio, abuso e fruto de violência masculina e que o combate ao tráfico de mulheres deveria ser feito mediante o combate à própria prostituição (Kempadoo, 2005: 58), a segunda consideraria o “tráfico como discurso e como prática que emergem das interseções de relações de poder estatais, capitalistas, patriarcais e racializadas com a operação da atuação e desejos das mulheres de darem forma às próprias vidas e estratégias de sobrevivência” (idem: 61). Deste modo, a segunda perspectiva não condenaria a prostituição em si, mas somente as condições de exploração a que as mulheres viriam a ser submetidas, independente de sua área profissional.

Apesar das discussões sobre o tema terem se ampliado, a exploração sexual de mulheres, bem como os diferentes debates travados pelas feministas, mantiveram-se centrais

35 De acordo com a análise de Blanchette e Silva (2009), “a mulher solteira – especialmente se for jovem –

ocupa um espaço privilegiado nos discursos sobre os perigos da imigração. Em primeiro lugar, ela costuma ser apresentada como alguém que seria exposta às ameaças da escravidão sexual, uma vez estando ela fora da rede protetora da família e longe do olhar do governo de seu país de nascimento. Nesse sentido, seu projeto imigratório é tido como algo que representa um perigo à sua pureza e liberdade, essas duas características sendo sempre articuladas com relacionamentos sexualmente monogâmicos sancionados pelo Estado e/ou a Igreja” (Blanchette e Silva, 2009).

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nas definições internacionais em torno do problema. Piscitelli alerta para o cuidado em não responsabilizarmos somente as perspectivas feministas pelos rumos seguidos no combate sobre o tráfico de pessoas, já que outros atores e grupos de interesse acabaram por se alinhar a essas distintas abordagens, utilizando aspectos de argumentos feministas em função de interesses particulares (Piscitelli, 2008: 36).

De fato, este é um alerta importante e minha análise corrobora a ideia da não exclusividade da participação das redes feministas nas negociações do Protocolo Anti-Tráfico. No caso deste Protocolo, além das diferentes delegações nacionais e de representantes de agências multilaterais, como OIT, UNICEF, OIM, e ACNUR, tiveram destaque a atuação da Relatora Especial da ONU sobre a violência contra a mulher e da Relatora Especial encarregada de examinar questões relativas à venda de crianças, à prostituição infantil e à utilização de crianças para a pornografia.

Tomando por referência a re-emergência contemporânea dos debates sobre tráfico de pessoas no cenário internacional, pode-se dizer que as discussões acerca do tema voltaram a ganhar força e destaque durante a década de 1990, através da realização de distintas conferências e encontros internacionais. Este precedente é importante para compreender a inclusão da temática em uma Convenção que abordaria a questão do crime organizado transnacional:

“Em 1992, a ONU lança o Programa de Ação para a Prevenção da Venda de

Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia Infantil. A necessidade de um processo de revisão se fortalece na Conferência Mundial dos Direitos Humanos (1993), cuja Declaração e Programa de Ação de Viena salientam a importância da ‘eliminação de todas as formas de assédio sexual, exploração e tráfico de mulheres’. Daí o Programa de Ação da Comissão de Direitos Humanos para a Prevenção do Tráfico de Pessoas e a Exploração da Prostituição (1996) (...) Em 1994, a Resolução da Assembléia Geral da ONU definiu o conceito de tráfico (...) A Quarta Conferência Mundial sobre a Mulheres, em Beijing (1995), aprovou uma Plataforma de Ação (...) o Estatuto do Tribunal Penal Internacional (1998) definiu os crimes internacionais de escravidão sexual e de prostituição forçada contra a humanidade e de guerra (...) A Convenção

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Interamericana de 1998 sobre o Tráfico Internacional de Menores conceituou o tráfico internacional de pessoas (...)” (Castilho, 2008).

Estes distintos encontros, conferências e programas promovidos pelas Nações Unidas durante a década de 1990 ajudaram a mobilizar governos e representantes de diferentes países em torno do tema do tráfico de pessoas. O que significa que tensões e divergências ideológicas em torno da temática também tiveram incidência naquele contexto. Além da (re)atualização das perspectivas feministas “abolicionista” e “anti-tráfico”, agora retomadas por meio de redes feministas organizadas36, a disputa pelos sentidos do texto do Protocolo reuniu posições e interesses díspares.

Com base no trabalho de Doris Buss e Didi Herman (2003), Elizabeth Bernstein (2010, 2012) salienta como os diferentes encontros promovidos pelas Nações Unidas na década de 1990 estimularam o avanço de setores evangélicos norte-americanos sobre a pauta dos direitos humanos no plano internacional. Neste ínterim, a aliança forjada com as feministas seria crucial para que ONGs evangélicas entrassem de maneira mais contundente no campo político internacional:

“If in the early 1990s most evangelicals had little to do with the human rights field, by 1996 a greater reliance on NGOs by the United Nations, coupled with an awareness of the increasingly global spread of evangelical Christianity, would encourage many newly formed evangelical NGOs to enter international political fray. In their book, Globalizing Family Values (2003), the political scientists Doris Buss and Didi Hermann attribute these trends to the proliferation of UN-hosted conferences in the

36Na luta pela definição de tráfico, inclusive durante as negociações de Palermo, Doezema (2005) destaca

dois grupos principais de pressão, ambos articulados a paradigmas feministas diferenciados: o primeiro, Human Rights Caucus, liderado pela ONG GAATW (Global Alliance against Traffic in Women), pelas organizações de direitos humanos IHRLG (International Human Rights Law Group) e AWHRC (Asian Women’s Human Rights Council) e por grupos que representavam as trabalhadoras do sexo; e o segundo, que reforçava a defesa da perspectiva “abolicionista”, coordenado pela ONG CATW (Coalition Against Trafficking in Women) e que tinha uma posição mais conservadora diante do tema, elencando a prostituição como fonte do problema (Doezema, 2005:68).

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1990s, which facilitated the expansion and further institutionalization of NGO involvement in international law and policy-making” (Bernstein, 2010: 50-51).

Isso se deu através do domínio de novas práticas descentralizadas de mobilização – nas quais o formato das ONGs desempenha papel relevante –, mas também de estratégias políticas de escolha e reprodução de pautas tidas como “consensuais”, em detrimento de outras assinaladas como mais polêmicas. A partir dos achados de sua pesquisa sobre o movimento anti-tráfico contemporâneo nos Estados Unidos, Bernstein (2012) faz uma crítica que mira o próprio campo dos direitos humanos. Para ela, os discursos de direitos humanos têm se tornado um veículo privilegiado para a transnacionalização das políticas carcerárias contemporâneas. Em sua interpretação, os argumentos feministas não têm sido somente cooptados pela abordagem criminal dos fenômenos sociais – e por sua conseqüente utilização como um aparato de controle de populações estigmatizadas –, mas constituído um elemento fundamental de sua evolução37

.

Em seu argumento, a autora reitera que a eficácia na elaboração e reprodução das políticas anti-tráfico no mundo é produto do cruzamento entre duas perspectivas políticas que tiveram incidência no contexto norte-americano e que se espalharam para projetos políticos empreendidos no nível global: 1) a guinada para a direita por parte de muitas feministas e outros setores liberais seculares, que passam a endossar as políticas carcerárias, em detrimento de modelos redistributivos de justiça e 2) a guinada em direção à esquerda por parte de lideranças jovens evangélicas, que optaram por abrir mão de pautas isolacionistas relacionadas ao aborto e ao casamento gay para disseminarem uma teologia da justiça social orientada para o ambiente internacional (Bernstein, 2010: 51).

Se, por um lado, no início dos anos 2000, a agenda feminista contra a violência sexual estava sendo exportada como parte das políticas de direitos humanos dos Estados Unidos, por

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No limite, Bernstein põe em cheque o próprio marco dos direitos humanos no mundo contemporâneo, por não passar de uma manifestação pseudo-criminal de um sistema de vigilância e controle. Deste modo, as políticas de direitos humanos, além de serem usadas para justificar intervenções militares, acabam servindo para reproduzir diversas formas de violência contra as mulheres que outorgam proteger (Bernstein, 2010: 61).

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outro, os jovens evangélicos, que continuavam se opondo ao casamento gay e ao aborto, reviram suas estratégias políticas e optaram por evitar controvérsias em torno dessas disputas, reforçando o apoio a lutas tidas como consensuais, tais como aquecimento global, tráfico de pessoas ou HIV/AIDs (Bernstein, 2010: 60). Essa aliança ajudaria a solidificar o paradigma das políticas carcerárias mundo afora, e o movimento anti-tráfico seria exemplar do domínio de um ativismo feminista no qual um marco criminal prevaleceu sobre os modelos de justiça distributiva.

Nas negociações do Protocolo Anti-Tráfico, essas diferentes alianças e perspectivas seriam reproduzidas por delegações nacionais específicas, embora não se possa creditar a essas delegações a responsabilidade exclusiva pelas abordagens empreendidas. De todo modo, nas atas de negociação do Protocolo, ganha destaque o papel das delegações argentina e norte-americana no fomento às discussões sobre o tema. A grande maioria dos artigos em discussão no Protocolo foram inicialmente propostos pela delegação de um destes países, ou pelos dois, de forma conjunta. No caso da Argentina, a preocupação mais enfática parecia se dar com relação à proposição de um Protocolo que endereçasse conjuntamente as questões do tráfico de mulheres e crianças38.

A proposta argentina referia-se somente ao tráfico de mulheres e crianças, consideradas “vulneráveis” àquele tipo de prática criminal. Esta posição subentendia o lobby do grupo CATW, que tentava reunir o tráfico de mulheres e crianças sob uma única categoria. Subjacente a essa estratégia, ecoava a posição de determinados argumentos feministas ocidentais que compreendem a opção pelo trabalho sexual como falta de discernimento sobre as implicações deste trabalho. Por entenderem que a prostituição é uma atividade que viola,

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Na primeira proposição do texto de negociação (A/AC.254/8), a delegação argentina justificava a Convenção da seguinte maneira: “Teniendo em cuenta que, aunque existe una gran variedad de instrumentos jurídicos internacionales que contienen normas para combatir la explotación sexual de los niños y niñas y de lãs mujeres, en particular La Convención sobre los Derechos del Niño y el Convenio para la Represión de la Trata de Personas y Explotación de la Prostitución Ajena, no existe ninguno de ese carácter que tenga por objeto específico abordar el problema del tráfico internacional ilícito para cualquier finalidad, de los niños y niñas, así como tampoco, el tráfico llevado a cabo por organizaciones criminales para ambas categorias de personas” (Travaux Préparatoirs, 2008: 338).

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de forma intrínseca, a dignidade das mulheres, sua extinção – como no caso da prostituição infantil – seria a única alternativa a se considerar (Doezema, 2005: 73).

Esta proposta argentina foi substituída pela dos EUA, que reconhecia a situação especialmente vulnerável de mulheres e crianças, mas pretendia ser aplicável ao tráfico de qualquer pessoa. Embora a delegação norte-americana também tenha sofrido fortes pressões de grupos religiosos e do lobby da CATW para que desaprovassem a atividade da prostituição (Doezema, 2005: 78), sua proposta alternativa acabou sobressaindo quando considerada pelas demais delegações.

Os interesses da proposta argentina alinhavam-se mais claramente, portanto, à perspectiva abolicionista, o que pode ser notado na proposta de definição de “fins ilícitos” do Artigo 3º como “la prostitución o cualquier otro tipo de explotación sexual de una mujer, niño

o niña aunque mediares su consentimento” (Travaux Préparatoirs, 2008: 370). As polêmicas

em torno da aproximação entre prostituição e tráfico também se observariam na primeira proposta de definição de “exploração sexual” feita por Estados Unidos e Argentina. Segundo esta definição, o conceito é descrito:

“Con respecto a un individuo adulto, prostitución [forzada], servidumbre sexual o participación en la producción de material pornográfico para la cual dicho individuo no se ofrece con su libre consentimiento y con conocimiento de causa” (Travaux Préparatoirs, 2008: 358).

Segundo as atas de negociação, a maioria das delegações propôs a supressão da palavra “forçada” neste texto. Outras delegações assinalaram também que as vítimas poderiam ter dificuldades para provar que haviam sido “forçadas”. Todavia, várias outras delegações expressaram a opinião de que seria essencial distinguir entre as vítimas da prostituição e aquelas que escolhiam dedicar-se à prostituição (Travaux Préparatoirs, 2008: 358).

Estas polêmicas reforçam o entendimento de que as perspectivas “abolicionista” e “anti-tráfico” tiveram papel fundamental nas negociações do Protocolo Anti-Tráfico. A partir de definições espinhosas como a de “fins ilícitos” e “exploração sexual”, a força dos

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argumentos e dos grupos de pressão feministas durante as negociações do Protocolo ficam evidentes.

Para Doezema (2005), inicialmente, o lobby do Human Rights Caucus apoiava-se na ideia de que o termo “prostituição” deveria ser eliminado da definição daquele Protocolo. O grupo argumentava que as medidas e legislações anti-tráfico teriam sido historicamente utilizadas contra as trabalhadoras do sexo e não contra os supostos “traficantes”. Por não conseguir a eliminação do termo “prostituição” durante as negociações, o grupo teria lutado por estabelecer uma diferenciação enfática entre trabalhadoras sexuais e vítimas de tráfico. A partir daí, nada parece ter rendido mais polêmica entre as coalizões CATW e Human Rights Caucus do que a discussão em torno da noção de consentimento 39.

Estados como Bélgica e Vaticano sustentavam o argumento do grupo CATW de que uma pessoa jamais poderia consentir com a prostituição. Por outro lado, o lobby do Human

Rights Caucus concentrou-se na ideia de que era possível consentir com tal atividade,

diferenciando entre “trabalhadora do sexo” e “vítima de tráfico”. Depois de uma discussão exaustiva, que tomou quase todas as sessões da negociação do Protocolo, as delegações presentes acordaram uma solução de compromisso.

Nesta definição, o uso da força ou coerção foi incluído como um elemento essencial (posição do grupo Human Rights Caucus), mas as noções de tráfico e prostituição são ainda articuladas de maneira confusa e ambígua40. Assim, os termos “exploração da prostituição de

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Doezema (2005) mostra com demasiado cuidado a complexidade que assumiram as negociações do Protocolo Anti-Tráfico. Sobre as estratégias de “aparição” e “desaparição” das prostitutas no texto de negociação do Protocolo e os demais dilemas vividos pelo Human Rights Caucus naquele processo, ver Now You See Her, Now You Don’t: Sex Workers at the UN Treafficking Protocol Negotiation (Doezema, 2005).

40 O art. 3º, alínea a, do Protocolo de Palermo considera tráfico “o recrutamento, o transporte, a

transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou ao uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou de situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tem autoridade sobre outra, para fins de exploração. A exploração deverá incluir, pelo menos, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, a escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a extração de órgãos”. A alínea b do referido artigo, por sua vez, diz que “o consentimento dado pela vítima de tráfico de pessoas a toda forma de exploração intencional descrita na alínea a do presente artigo não será levada em conta quando se houver recorrido a qualquer dos meios enunciados na referida alínea”.

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outrem” e “exploração sexual” continuam sem definição no Protocolo ou em qualquer outra lei internacional, ainda que tais termos tivessem sido encetados para se colocar fim ao longo debate em torno da noção de consentimento na prostituição voluntária. A ideia do consenso como algo irrelevante na definição de tráfico subentendia a posição do grupo CATW.

“A influência dos dois grupos de pressão é facilmente reconhecível, pois é possível observar seja a postura que reconhece a importância da força e da coação no tráfico, como reivindicado pelo Human Rights Caucus, seja a postura da concepção neo-abolicionista, que considera o consenso irrelevante se obtido pela força” (Ausserer, 2007: 43).

No que tange ao conteúdo da exploração, o documento alude à exploração da prostituição por outrem, ou a outras formas de exploração sexual, além do trabalho forçado, escravidão ou práticas análogas à escravidão, à servidão e à remoção de órgãos. Quanto à questão do consentimento, o Protocolo afirma tratar-se de algo irrelevante se as vítimas forem sujeitadas a exploração por qualquer dos meios expressos na alínea “a”, ou ainda quando se trata de pessoa com idade inferior a 18 anos.

Analisando os estudos críticos em relação ao Protocolo de Palermo, Piscitelli (2009) enfatiza que o documento assume uma posição de neutralidade em relação ao debate em torno da prostituição. Isto fica particularmente claro em termos de crucial importância para a definição de situações de tráfico, como “a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual”, “servidão”, “outras formas de coerção”, “abuso de poder” ou de uma “posição de vulnerabilidade”, carentes de precisão conceitual. Segundo a antropóloga, a causa desta situação foi a falta de acordo entre delegados governamentais, que oscilavam entre uma e outra posições (Piscitelli, 2009).

As conseqüências das ambigüidades desta definição também vêm sendo apontadas em estudos que salientam a distância existente entre a percepção das pessoas consideradas vítimas de tráfico e as definições institucionais e legais do crime (Piscitelli, 2008; Sullivan, 2003). Para Adriana Piscitelli, em função das ambigüidades e da falta de clareza conceitual existentes em termos-chave do Protocolo (Piscitelli, 2008: 46), ele acaba sendo

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instrumentalizado em função de interesses particulares dos Estados-Nação que o ratificaram, interesses que, no contexto europeu, direcionam-se à repressão à imigração indocumentada e à prostituição41.

Outra constatação da leitura das atas de negociação é o desequilíbrio patente entre as