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6 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

6.3 Prováveis condicionantes tectônicos e climáticos

Vários indícios de condicionamento tectônico na evolução do vale do Rio Conceição foram constatados. Dentre eles, destaca-se o conjunto de anomalias verificado no médio curso do rio, na zona de confluência com os rios Barão de Cocais e Caraça. Nesse trecho, o Rio Conceição, que tem orientação geral SW-NE, muda bruscamente de direção repetidas vezes (Figura 30). Na mesma área, o Rio Barão de Cocais também muda bruscamente de direção antes de sua confluência com o Rio Conceição. Vale destacar que na projeção da continuação do Rio Barão de Cocais antes de tal mudança de direção é verificado um amplo vale que, no entanto, não possui nenhum canal de drenagem expressivo, sugerindo que este vale teria sido esculpido por aquele rio e posteriormente abandonado. Neste “vale abandonado” não foram encontrados registros sedimentares aluviais, apenas um expressivo depósito de colúvio que contém alguns seixos de origem provavelmente aluvial, cimentado por óxidos-hidróxidos de ferro, próximo à entrada da cidade de Barão de Cocais (UTM 23S, 7796434 N; 660614 E).

Ainda no médio curso, em dois pontos foram encontrados perfis aluviais que sugerem a atividade de armadilhas tectônicas/estruturais ao longo do vale do Rio Conceição. Estas armadilhas de sedimentos podem estar relacionadas a fases distensivas descritas por

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Lipski (2002) e Sant’Ana et al. (1997), responsáveis por falhamentos em coberturas lateríticas na bacia de Fonseca. No vale do Rio Conceição, a primeira (Figura 30 A) ocorreria na zona de confluência com o Ribeirão do Caraça. Nesta área foi observado um perfil que apresenta uma sucessão agradacional de sedimentos finos e grosseiros, evidenciando um contínuo empilhamento das seqüências deposicionais, como em uma área que sofre subsidência local ou efeitos de um soerguimento a jusante (represamento da drenagem e entulhamento). As características e o contexto desse perfil permitem inferir que ele é correlativo ao N3.

Figura 30: Mudanças bruscas de direção dos rios e prováveis armadilhas de sedimentos no

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A segunda armadilha tectônica/estrutural no vale do Rio Conceição ocorreria a jusante da confluência deste com o Rio Barão de Cocais (Figura 30 B). Nesta área pôde ser observado um perfil com expressiva acumulação de seixos, podendo ultrapassar os 12 m de espessura, uma acumulação anômala em relação a todos os demais perfis visualizados. Em razão de suas características sedimentares e de seu desnível vertical, este depósito é associado ao N5. Nesse perfil foram observadas estruturas acanaladas e estratificações cruzadas, o que não ocorre na fácies de seixos de nenhum outro perfil. É curioso o fato de que, ao menos em sua porção basal, nesse perfil ocorre uma sucessão de camadas de seixos quase que exclusivamente de itabirito e hematita alternadas com camadas nas quais grande quantidade de seixos de quartzo é observada. Essa composição diferenciada se reflete na cor das camadas, sendo aquelas dominadas por itabirito e hematita marcadamente mais escuras. Ainda nesse perfil também se verificou que nem toda a seqüência é cimentada por óxidos- hidróxidos de ferro, podendo ser observados graus de coesão diferentes ao longo do perfil.

Mais a jusante, no mapeamento geológico da área próxima a São Gonçalo do Rio Abaixo, CPRM (2005) indica falhas ou zonas de cisalhamento compressionais com bloco alto a ESE ou SE. Nessa mesma área, o Rio Conceição/Santa Bárbara faz uma inflexão para a direção oposta ao bloco elevado, que estaria à margem direita. Nesse trecho, só foram observados depósitos fluviais desenvolvidos exatamente nesta margem, o que, no conjunto, parece reforçar o basculamento na área proposto pelo mapeamento morfoneotectônico da bacia do Rio Doce realizado por Souza (1995), porém em escala mais ampla, envolvendo boa parte da bacia do Rio Piracicaba (Figura 11).

Por fim, duas possíveis interpretações genéticas podem ser levantadas para os depósitos provavelmente anteriores ao Quaternário observados próximo à confluência do Rio Conceição com o Rio Barão de Cocais (Figuras 18 e 20): (i) eles estariam relacionados aos 14 depósitos sedimentares analisados por Lipski (2002) na área do Quadrilátero Ferrífero, incluindo as conhecidas bacias de Fonseca, Gandarela e Gongo Soco – a análise desses depósitos permitiu àquele autor identificar quatro eventos tectônicos do Eo-Oligoceno ao Quaternário, envolvendo fases compressivas e distensivas; (ii) reativações de falhas teriam provocado a geração de leques aluviais e o barramento da drenagem, propiciando a deposição de sedimentos, conforme identificado por Marques (1997) e Moreira (1997) nas seqüências sedimentares mais antigas do alto-médio Rio Paraopeba.

Todo esse conjunto de fatos geológicos e geomorfológicos sugere uma significante atuação da neotectônica na área, a qual tanto se aproveitaria de estruturas herdadas dos eventos geotectônicos do Pré-Cambriano como seria responsável pela formação

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de novas estruturas. A literatura apresenta vários indícios e evidências de movimentação tectônica cenozóica no Quadrilátero Ferrífero (BACELLAR et al., 2005; CAMPOS, 2006; LANA e CASTRO, 2010; MAGALHÃES JÚNIOR e SAADI, 1994; MAGALHÃES JÚNIOR et al., 2011a; MAGALHÃES JÚNIOR et al., 2011b; MARQUES, 1997; MOREIRA, 1997; LIPSKI, 2002; SAADI, 1991; 1993; SANT’ANNA et al., 1997; RAPOSO

et al., 2008; VARAJÃO et al., 2009) e na bacia do Rio Doce (MELLO, 1997; SAADI, 1991;

1993; SAADI et al., 2005; SARGES, 2002; SOUZA, 1995; SUGUIO e KOHLER, 1992), conforme apresentado no capítulo 3.1 desta dissertação.

Grandes falhas, zonas de cisalhamento, sistemas de juntas e fraturas, diferentes tipos de foliações, eixos de dobramentos, limites cratônicos, entre outras estruturas, têm um papel fundamental na atividade neotectônica da Plataforma Brasileira (HASUI, 1990; RICCOMINI et al., 1989; SAADI, 1993; SAADI et al., 2005). Essas feições estruturais vêm exercendo controle sobre o intemperismo e o desenvolvimento da rede de drenagem, além de se constituírem feições preferenciais para o alívio das tensões intraplaca e conseqüentes manifestações da atividade neotectônica. No Rio Conceição, as maiores anomalias de RDE estão, sobretudo no alto curso, intimamente ligadas às estruturas herdadas.

Além de todos os indícios apontados, a principal evidência de uma influência tectônica positiva na evolução do vale do Rio Conceição vem do escalonamento dos níveis deposicionais. Fazendo referência a diversos trabalhos, Bridgland e Westaway (2008) afirmam que hoje já haveria um consenso de que níveis fluviais escalonados são respostas e, logo, registros, de soerguimentos regionais. Em diversos trabalhos sobre a evolução de vales fluviais no Quadrilátero Ferrífero o escalonamento de níveis deposicionais vem sendo tratado como resposta a um contínuo soerguimento crustal do Escudo Brasileiro associado a uma tectônica diferencial de blocos (CHEREM et al., 2008; MAGALHÃES JÚNIOR e SAADI, 1994; MAGALHÃES JÚNIOR et al., 2011a; MARQUES, 1997; MOREIRA, 1997; RAPOSO et al., 2008; SANTOS et al., 2009).

Vale destacar que, segundo Ussami et al.12 (1999 apud RICCOMINI e

ASSUMPÇÃO, 1999), a região sudeste do Cráton do São Francisco possui a segunda maior anomalia geoidal positiva no Brasil (+ 8 m). Embora relacionadas principalmente com reativações termais associadas com atividade magmática alcalina durante o Cretáceo Superior-Paleógeno, anomalias como esta estão bem correlacionadas com áreas soerguidas de

12 USSAMI, N., MOLINA, E.C., MEDEIROS, W.E. Novos vínculos sobre a evolução térmica da margem

continental leste do Brasil. In: Simpósio Nacional de Estudos Tectônicos, 7, 1999, Lençóis. Anais... Sessão 3, p. 20-23, 1999.

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atividade neotectônica e sísmica. O padrão geral ENE alongado da anomalia a SE do Cráton do São Francisco está de acordo com a direção regional atual de máximo estresse horizontal (SHmax; RICCOMINI e ASSUMPÇÃO, 1999).

Após analisarem níveis deposicionais escalonados (river terrace staircases) em várias partes do globo, Bridgland e Westaway (2008) propõem que a causa dos soerguimentos regionais que os geram estaria ligada a ciclos climáticos. Segundo esses autores, em geral, níveis fluviais anteriores ao Pleistoceno Médio registram vales muito mais amplos que os atuais, enquanto os níveis formados no último milhão de anos registram acentuada incisão e estreitamento dos vales. Esse padrão vem sendo atribuído a um soerguimento acelerado que teria se iniciado a aproximadamente 900 ka. Nesse sentido,

The closeness in the timing of this change in uplift rates to the so-called ‘Mid-Pleistocene Revolution’, when Milankovitch forcing of climatic cyclicity changed from predominantly 41 kyr, obliquity-driven cycles to 100 kyr eccentricity-driven cycles, is unlikely to be coincidental; instead a coupling between climatic fluctuation and the driving of uplift through lower crustal flow has been invoked, related to increased erosion brought about by the greater severity of the 100 kyr climatic cycles predominant since ~1 Ma (WESTAWAY13, 2002). Being linked to crustal loading and unloading by ice sheets, sea-level change and erosion, climatic forcing of uplift can be expected to have intensified in response to the change to 100 kyr cycles (BRIDGLAND e WESTAWAY, 2008, p. 290-291).

Há várias incertezas envolvendo a extrapolação de explicações da formação de níveis deposicionais de regiões temperadas frias para zonas climáticas mais quentes. Bridgland e Westaway (2008) colocam que, entretanto, o continente sul-americano experimentou flutuações climáticas semelhantes às áreas da Europa onde clássicas seqüências de terraços fluviais se formaram, por isso seria tentador sugerir que um mecanismo comparável de formação de terraços, porém ainda não definido, seria ativo por aqui.

No caso do vale do Rio Conceição, o fator que mais favorece essa interpretação é a perfeita alternância entre níveis cujos sedimentos não são cimentados por óxidos-hidróxidos de ferro (N8, N6, N4 e N2) com níveis cujos sedimentos são cimentados (N7, N5 e N3). A formação desses “conglomerados ferruginosos” parece refletir fenômenos climáticos regionais, uma vez que materiais semelhantes são encontrados em diferentes vales do Quadrilátero Ferrífero, conforme será discutido na seção seguinte.

Se assumirmos as idades obtidas para N4b e N3, ainda que a última possa ser superestimada, teríamos que a formação de ambos os níveis ocorreu no último estágio glacial.

13 Westaway, R. Geomorphological consequences of weak lower continental crust, and its significance for

studies of uplift, landscape evolution, and the interpretation of river terrace sequences. Netherlands Journal of

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Este estágio teria se iniciado a aproximadamente 116 ka e teria se encerrado a 12 ka, com o início do presente estágio interglacial, o Holoceno (LEDRU et al., 2009). No entanto, dentro deste intervalo diversas oscilações climáticas foram registradas.

Os estudos paleoclimáticos que remontam a períodos anteriores a 50 ka no sudeste do Brasil são escassos, estando concentrados no estado de São Paulo. A partir do registro sedimentar de Colônia (23º52’ S, 46º42’20” W; 900 m), Ledru et al. (2009) observam que ao período entre 120 e 106.4 cal ka AP corresponde uma associação polínica de floresta adaptada a clima frio e úmido com permanente umidade. Entre 105.5 e 98.5 cal ka AP esses autores observam aumento na freqüência de polens arbóreos e maior diversidade de espécies, porém redução de polens de espécies herbáceo-arbustivas. Cruz Júnior14 (2003 apud LEDRU et al., 2005) e Ledru et al. (2005) também observam picos de freqüência de polens arbóreos em Colônia e Santana (24º31’ S, 48º43’ W) a ~105 ka e ~85 ka, respectivamente, o que representaria um regime pluviométrico mais uniforme, com estação seca reduzida ou ausência da mesma. Assumindo que esses eventos possam, ao menos, indicar tendências do clima regional, pode-se dizer que a formação e abandono do N4 (101,2 ± 9 ka) teriam ocorrido sob um regime climático mais úmido e mais frio que o atual.

Por outro lado, segundo Ledru et al. (2009), entre 89 e 56,5 cal ka AP ocorre uma degradação da floresta pluvial dominante. A associação polínica sugere uma vegetação aberta com algumas árvores ou arbustos, incluindo Araucária. Esse cenário é semelhante ao apresentado por Ledru et al. (1996) entre ~50 e 40 ka AP e por Behling e Lichte (1997) entre ~50 e 27 ka AP. Esses autores encontraram indícios de um clima mais seco e mais frio que o atual, o qual seria responsável pela dominância de vegetação de campos, porém com a ocorrência de alguma mata galeria com a presença de Araucaria. Com base na atual distribuição das populações de campos e Araucaria, Behling e Lichte (1997) propõem para esse período temperaturas entre 5 e 7° C mais baixas que as atuais na região de Catas Altas, vizinha à bacia do Rio Conceição. Em acordo com esses autores, a partir da análise de um testemunho sedimentar poucos quilômetros distante, Gomes et al. (2009) apresentam um quadro com domínio da flora de Cyperaceae e Poaceae, ausência de elementos arbóreos e baixa diversidade de esporos de pteridófitos por volta de 32 ka AP.

Nesse sentido, ao menos a formação do N3 (77 ± 12,4 ka) parece ter ocorrido sob um regime climático mais seco e mais frio que o atual. Provavelmente, o abandono do N3

14 CRUZ JÚNIOR, F.W. Estudo paleoclimático e paleoambiental a partir de registros geoquímicos quaternários em espeleotemas das regiões de Iporanga (SP) e Botuverá (SC). 2003. 134 f. Tese (Doutorado em Geoquímica e

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ocorreu com a instalação de um regime climático mais úmido. Todos os trabalhos que analisam registros polínicos em Minas Gerais indicam, grosso modo, um gradual aumento na temperatura e umidade nos últimos 10 ka (BEHLING, 1995; 2003; BEHLING e LICHTE, 1997; ENTERS et al., 2010; LEDRU et al., 1996; PARIZZI et al., 1998 ; RODRIGUES- FILHO et al., 2002).

Dessa forma, extrapolando essas interpretações para a formação dos demais níveis deposicionais, pode-se dizer que a formação dos níveis cujos sedimentos não são cimentados por óxidos-hidróxidos de ferro (N8, N6, N4 e N2) ocorreria sob regime climático mais úmido, enquanto a formação dos níveis cujos sedimentos são cimentados (N7, N5 e N3) ocorreria sob regime climático mais seco. Nas fases mais secas o aporte sedimentar aos cursos d’água seria mais elevado, em razão da pequena proteção fornecida pela vegetação e do regime pluvial mais intenso, propiciando a formação de espessos pacotes de seixos. Estes teriam favorecido a oscilação do nível freático e a movimentação de óxidos-hidróxidos de ferro, em razão da textura grosseira favorável à maior condutividade hidráulica, possibilitando a cimentação dos sedimentos.

Por outro lado, a formação cíclica de níveis com sedimentos cimentados por óxidos-hidróxidos de ferro pode estar ligada a um controle tectônico/estrutural. Nesse sentido, dada a abundância de ferro na área, a cimentação dos sedimentos ocorreria por um maior tempo de residência da água devido à estabilidade do nível de base e/ou à atuação de soleiras geomorfológicas. O caráter escalonado dos níveis aluviais reforça a hipótese de rompimentos sucessivos de soleira e/ou eventos tectônicos alterando o nível de base.

No entanto, esses períodos de estabilidade teriam que ser longos o suficiente para a cimentação de espessos pacotes sedimentares e curtos o suficiente para não promover intensa migração lateral, caso contrário os níveis mais antigos não seriam preservados. Essa hipótese não é suficiente para explicar porque os níveis que apresentam seus sedimentos cimentados por óxidos-hidróxidos de ferro apresentam sempre pacotes sedimentares mais espessos que os demais níveis. Essa hipótese talvez seja mais plausível para a explicação apenas da formação localizada de laterita em alguns perfis, como nos níveis 8 e 4.