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Da Prova Ilícita

No documento DAS PROVAS EM PROCESSO CONCORRENCIAL (páginas 67-71)

III. DAS PROVAS

III.7 Da Prova Ilícita

Esse é um tema muito discutido pela doutrina e jurisprudência atualmente. Da mesma forma que no processo judicial, no processo concorrencial esse tema se tornou muito importante, em especial com o advento de novas formas de obtenção de prova por parte das autoridades de defesa da concorrência (veja próximo capítulo). De qualquer forma, o presente estudo não pretende esgotar esse tema, mas apenas fazer as referências necessárias ao correto entendimento do tema e suas implicações no processo concorrencial.

101 Processo Administrativo 08012.002097/1999-81, representante SEAE e representadas Infoglobo Comunicações Ltda., O Dia S/A, Jornal do Brasil S/A e Sind. Emp. Proprietárias de Jornais e Revistas Município / RJ.

63 Inicialmente, cabe fazer, mesmo que brevemente, a distinção entre prova ilícita e prova ilegítima. A primeira é a prova produzida em desacordo com as normas ou princípios constitucionais ou legais. Já as provas ilegítimas são aquelas que violam o direito processual.102 Cabe notar que tanto a Constituição Federal (art. 5ª, LVI) quanto a Lei de Processo Administrativo (art. 30) proíbem o uso da prova ilícita e da prova ilegítima no processo em geral e no processo concorrencial no particular.

A Constituição Federal de 1988 foi a primeira a expressamente proibir o uso de provas ilícitas em processo. Antes havia grandes discussões sobre essa possibilidade. Após a edição do CPC de 1973, os defensores da proibição da prova ilícita tiveram um reforço, pois o art. 332 de referido Código estabelecia que todos os meios legais e ou moralmente legítimos são hábeis para provar a verdade dos fatos.

Dessa forma, como as provas ilícitas não eram meios legais ou moralmente legítimos, elas não poderiam ser utilizadas em um processo civil.

Entretanto, novas discussões surgiram. Por exemplo, como o julgador deve agir se receber uma prova ilícita que demonstra determinado fato objeto da lide? Deveria o julgador desconsiderar a prova e decidir contrário à verdade dos fatos ou ele deveria aceitar a prova e violar a norma Constitucional?

Há correntes em todas as direções. Há aqueles que defendem que a prova, desde que comprove o fato alegado, deve sempre ser considerada, independente de serem ilícitas. Outra corrente defende que elas nunca podem ser utilizadas. A terceira corrente utiliza-se da teoria da proporcionalidade para determinar, em cada caso concreto, se a prova ilícita pode ou não ser utilizada.

Como informa LUIZ FRANCISCO TORQUATO AVOLIO103, a primeira corrente – que pugna pela possibilidade de utilização da prova ilícita – defendia o uso de tais provas em nome de dogmas como o “livre convencimento” e a “verdade real”.

102 LUIZ FRANCISCO TORQUATO AVOLIO. “Provas Ilícitas – Interceptações telefônicas, ambientais e gravações clandestinas”. Editora Revista dos Tribunais. 2003. p. 43.

64 Além disso, o interesse coletivo de ter um processo resolvido da forma correta deveria sobrepujar qualquer forma de irregularidade jurídica na produção de tal prova.

Sobre a violação da Constituição e, eventualmente, de determinadas leis para a busca de tal prova ilícita não é, necessariamente, um problema para os defensores dessa teoria. A punição ou não do agente que obteve a tal prova ilícita não é um impeditivo para que tal prova seja utilizada.

Já a segunda corrente, que rejeita qualquer tipo de prova ilícita, o faz, basicamente, em nome do princípio da moralidade dos atos praticados pelo Estado. Isso porque, se a prova é ilícita, ela ofende o direito e se torna inadmissível.104

Além disso, os defensores de tal proibição entendem que ao aceitar esse tipo de prova estar-se-ia violando a Constituição – que proíbe a prova ilícita. Assim, em respeito ao ordenamento jurídico, essa prova nunca poderia ser utilizada.

A terceira corrente é o meio do caminho entre as duas anteriores. Por tal corrente, deve-se utilizar a teoria da proporcionalidade para verificar se a prova pode ou não ser utilizada.

Segundo CÉSAR DARIO MARIANO DA SILVA105, “o princípio (ou teoria) da

proporcionalidade foi desenvolvido na Alemanha Federal e preceitua que havendo interesses conflitantes, deverão ser sopesados a fim de ser verificado qual preponderá em determinado caso concreto”.

Para RICARDO RABONESE, essa corrente é uma construção doutrinária e jurisprudencial que é utilizada para que o julgador proceda a uma escolha, em cada caso concreto, entre os valores constitucionalmente relevantes posto em confronto.106

A idéia por traz desse princípio é que nenhum princípio constitucional é absoluto. Assim, o princípio da proibição da produção da prova ilícita também não seria

104 FERNANDA LETÍCIA SOARES PINHEIRO. “Princípio da Proibição...”. op. cit. p. 121. 105 “Provas Ilícitas”. Editora Forense. 4ª edição. 2005. p. 21.

65 absoluto, permitindo-se, assim, que o julgador avaliasse se naquele caso concreto o prova poderia ser utilizada.

Dessa forma, em determinados casos, a prova ilícita poderia ser admitida. Um exemplo dessa possibilidade é a prova ilícita em benefício do réu, em especial no caso de processo penal – e, por conseqüência, na investigação de infração da ordem econômica. A justificativa clara é que ao fazer-se o cotejamento entre uma condenação injusta e a utilização de uma prova ilícita, essa última deve prevalecer.

Entretanto, a questão fica mais complexa quando se trata de prova a ser utilizada pela acusação. Na opinião de CÉSAR DARIO MARIANO DA SILVA107, a prova ilícita poderia ser utilizada contra acusados de crimes gravíssimos. Isso porque, esse princípio não poderia sobrepor-se ao interesse da sociedade em ver retirado de seu convívio pessoa que seria capaz de atos tão bárbaros.

Essa posição de CÉSAR DARIO MARIANO DA SILVA pode ser utilizada para demonstrar as principais críticas que são feitas ao uso de tal teoria.

Talvez a principal crítica a tal teoria seja que ela possui um grande subjetivismo, pois parte de seus elementos essenciais – interesses e valores – são abstratos, conforme asservera LUIZ FRANCISCO TORQUATO AVOLIO108.

Em nossa opinião, permitir que toda e qualquer prova ilícita seja utilizada em um processo concorrencial é uma clara violação à Constituição Federal e à Lei de Processo Administrativo e não pode ser aceita de forma alguma. Assim, acreditamos que a primeira corrente não pode ser aplicada.

Com relação às demais correntes, entendemos que a prova ilícita somente pode ser aceita para beneficiar o réu e nunca para a sua acusação. De fato, ao permitir a existência de uma prova ilícita em um processo concorrencial estar-se-ia, apenas, incentivando a violação da lei por parte da administração pública, algo impensável, em

107 “Provas Ilícitas”. op. cit. p. 24. 108 “Provas Ilícitas ...”. op. cit. pp. 66-67.

66 especial considerando os princípios da legalidade e da moralidade da administração pública.

Utilizar-se de uma prova ilícita em um processo concorrencial para ver condenada determinada conduta parece significar que os fins (condenação) justificam os meios (prova ilícita). Entretanto, em nossa opinião, não se pode admitir que a administração pública tenha que infringir as leis para condenar alguém. Se isso é necessário, então o Poder Público não é melhor do que o particular que infringiu a Lei de Defesa da Concorrência.

No documento DAS PROVAS EM PROCESSO CONCORRENCIAL (páginas 67-71)