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4 A TUTELA ANTECIPADA NO DIREITO BRASILEIRO

4.4 Pressupostos essenciais

4.4.2 Prova inequívoca

A toda ação judicial se liga inevitavelmente a questão da prova, ou melhor, a necessidade de se comprovar que um determinado fato possui relevância jurídica e, portanto, requer atuação de um órgão jurisdicional para garantir a prevalência da ordem jurídica, própria de um Estado de Direito.

A temática da prova é absolutamente essencial para que o magistrado possa outorgar a prestação jurisdicional de forma justa, reconhecendo o direito do autor ou do réu no caso concreto.

O sistema das provas no direito processual civil pátrio é complexo e dotado de extensa regulamentação que alcança desde as espécies de provas admitidas, passando pelas formas e oportunidades de produção, e abarca até os casos em que o julgador prescinde de material probatório (revelia, confissão, não impugnação etc.).

Ratificando a amplitude do regime das provas no processo civil brasileiro, Cândido Rangel Dinamarco ponderou:

O conteúdo do direito probatório consiste na determinação das alegações suscetíveis de demonstração por via da prova (objeto da prova), na distribuição do encargo de prová-las e conseqüências da falta de prova suficiente (ônus da prova), na definição dos elementos exteriores sobre os quais essas atividades destinadas à comprovação das alegações (meios de prova) e na disciplina do valor das provas e modo como devem ser apreciadas (valoração da prova).146

Nesse mesmo passo, objetivando, indubitavelmente, tornar o julgador dependente de uma instrução probatória segura, legitimando as decisões judiciais, o legislador processual cuidou também de disciplinar a prova necessária à antecipação da tutela de mérito. Assim o fez, notadamente, no caput, do art. 273, do CPC, ao estabelecer “a prova inequívoca” como condição da decisão antecipatória.

Cingiu-se, pois, a requerer a presença da “prova inequívoca”, deixando de descer maiores considerações, mesmo porque não é esse o propósito legal, cabendo ao magistrado, caso a caso e de maneira prudente, analisar o preenchimento de tal

requisito. Fora de qualquer dúvida, tratar-se de um conceito jurídico indeterminado147, de cunho subjetivo, mas não sujeito à completa discricionariedade do judicante.

Ao dizer-se que a “prova inequívoca” não se adstringe à total discricionariedade do julgador, quer-se alertar para a necessidade de elementos endo e exoprocessuais capazes de convencer o magistrado da veracidade dos fatos em questão. À antecipação da tutela está, de conseguinte, vinculado o dever do juiz de indicar os caracteres probatórios que o levaram a se convencer da importância do aceleramento na prestação jurisdicional.

Em se tratando de conceito indeterminado, faz-se relevante tentar circunscrever o conteúdo da chamada “prova inequívoca”.

Na verdade, a prova inequívoca não é bem um corpo probatório irrefutável ou que não enseje margem de dúvidas quanto ao direito da parte, pois dificilmente se alcançaria este nível num juízo de admissibilidade prévia (ou não final) da lide, especialmente nos pedidos a serem analisados antes da oitiva da parte adversa.

Assacando críticas ao termo incrustado na legislação adjetiva civil, o Min. Athos Gusmão Carneiro verbera:

A rigor, em si mesma, prova alguma será inequívoca, no sentido de absolutamente incontestável. [...] A nós parece que a ‘inequivocidade’ da prova representa inclusive sua plena aptidão para produzir no espírito do magistrado o ‘juízo de verossimilhança’, capaz de autorizar a antecipação da tutela.148

Luiz Guilherme Marinoni também coaduna com as observações anteriores:

A denominada ‘prova inequívoca’ capaz de convencer o juiz da ‘verossimilhança da alegação’, somente pode ser entendida como a ‘prova suficiente’ para o surgimento do verossímil, entendido como o não suficiente para a declaração da existência ou da inexistência do direito.149

147 Germana de Oliveira Moraes, reconhecendo a presença dos conceitos indeterminados nos comandos normativos, reflete: “identificam-se nas normas jurídicas conceitos que demandam, durante sua aplicação, um processo de preenchimento semântico, isto é, de ‘densificação’, feito através de uma valoração” MORAES, Germana de Oliveira. Controle jurisdicional da administração pública. 2. ed. São Paulo: Dialética, 2004, p. 65.

148 CARNEIRO, Athos Gusmão, ob. cit., p. 21-22.

149 MARINONI, Luiz Guilherme, ob. cit., 2002, p. 211-212. Também sobre o assunto, vide FUX, Luiz. Tutela

de urgência e plano de saúde. Rio de Janeiro: Espaço Jurídico, 2000; VIANA, Juvêncio Vasconcelos, ob. cit. e DINAMARCO, Cândido R., ob. cit., 2004.

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A impregnação legal do termo “prova inequívoca”, embora não deva ser interpretado de maneira absolutamente estrita, foi importante para demonstrar aos operadores do direito que a tutela antecipada depende de uma forte prova em favor da parte que a requer, algo que efetivamente deixe o julgador seguro de seu posicionamento, conquanto manifestado antecipadamente.

Nesta linha se encontra o pensamento de Cássio Scarpinella Bueno: “O melhor entendimento de ‘prova inequívoca’ é aquele que afirma se tratar de prova robusta, contundente, que dê a maior margem segurança possível ao magistrado sobre a existência ou inexistência de um fato.”150

Deve, pois, a “prova inequívoca” ser compreendida como a presença de elementos capazes de levar ao conhecimento do julgador que o bem jurídico perseguido realmente merece ser tutelado. Evita-se, assim, a interpretação literal do preceptivo, pela qual somente caberia a antecipação da tutela quando o juiz não tivesse qualquer dúvida sobre o caso analisado, estando absolutamente convicto da situação fática e de seu enquadramento jurídico.

Noutras palavras, pretende-se afirmar que a “prova inequívoca”, necessária ao aceleramento da prestação jurisdicional, por imposição do caput, do art. 273, do CPC, poderá ser alcançada em diversas ocasiões, não só mediante condutas comissivas, como também omissivas, das partes litigantes.

Trazendo a questão para termos práticos, ter-se-á constatada a “prova inequívoca”, verbi gratia, quando, numa ação que objetive a anulação de auto de embargo de funcionamento de empresa privada, por ser estabelecida em área de preservação ambiental, for produzida prova pericial atestando que o local de instalação da sociedade não encontra proteção na legislação ambiental. Nessa hipótese, claramente, o magistrado, após a prova pericial, estará habilitado a antecipar os efeitos da tutela, ante o alto grau de importância do referido meio probatório para a questão posta em tablado.

Da mesma maneira, também estará diante de “prova inequívoca”, o julgador que se depara com uma ação de exoneração de encargos alimentícios, na qual

a petição inicial é instruída com documentos que atestem que o alimentante foi despedido, sem justa causa, de seu labor.

Percebe-se, com efeito, que somente no caso concreto poderá o judicante avaliar se os fatos alegados e as provas dos autos estão maduros o suficiente para a decisão antecipatória.

Não se olvide ainda que, em determinadas circunstâncias, a “prova inequívoca” restará perfectibilizada mesmo na ausência de meios probatórios próprios, vide art. 334, do CPC, como nos casos em que a demanda verse sobre fatos notórios, incontroversos, confessados e ainda quando se operaram os efeitos da revelia.

Cândido Rangel Dinamarco explica a dispensabilidade da prova diante de fatos notórios:

Também independem de prova os fatos notórios que, por serem de conhecimento geral, ordinariamente também o juiz os conhece; inexistindo a dúvida, que é o fundamento lógico-jurídico de toda a necessidade de provar, por esse motivo a lei os dispensa de prova (art. 334, inc. I).151

Prescindem de material probatório também, repita-se, os fatos incontroversos, aqueles em que a parte contrária não impugna oportunamente; os fatos confessados, nos quais a parte assume inteira ou parcialmente as afirmações do adversário; e quando da manifestação dos efeitos da revelia, que se dá com a falta de resposta do réu sobre matérias de direito disponível.

Logo, se numa ação de cobrança, em que o autor postula o recebimento da quantia de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), o réu contesta, alegando que o débito somente é de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), salta aos olhos a necessidade de antecipação da tutela, determinando-se que o suplicado deposite em juízo a parte incontroversa da demanda.

Ainda não é chegado o momento de se discorrer sobre a antecipação da tutela em relação à parte incontroversa da demanda, a qual possui tópico reservado mais à frente, contudo, não se pode negar a sua íntima relação com “prova inequívoca”, restando portanto justificada a inserção do parágrafo anterior neste item.

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Ao cabo da análise da “prova inequívoca”, tem-se esta, portanto, não como as situações em que o membro do Poder Judiciário está livre de qualquer dúvida sobre a causa (ou que inexistiria a mínima possibilidade de produção de prova em contrário), mas sim as hipóteses nas quais o órgão judicante tenha colhido, por ação ou omissão dos litigantes, elementos hábeis ao estabelecimento da verossimilhança do alegado e, por conseqüência lógica, à antecipação da tutela.