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Introdução

A alergia alimentar consiste numa reacção anormal do organismo após a ingestão, contacto ou inalação de um alimento.

A prova de provocação oral (PPO) constitui o método de referência para o diagnóstico de alergia alimentar. Com o objectivo de optimizar e normalizar a sua execução, a

European Academy of Allergology and Clinical Immunology (EAACI) publicou um

documento em que sistematizou recomendações sobre os procedimentos associados. O Grupo de Interesse de Alergia Alimentar da Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica (SPAIC), baseado neste documento, definiu um conjunto de recomendações adaptadas à realidade nacional as quais foram recentemente publicadas, e que se adaptaram neste manual, considerando igualmente as propostas recentes da American Academy of Allergy, Asthma and Immunology (AAAAI).

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Indicações para a realização de prova de provocação alimentar

Em doentes com uma história clínica sugestiva de alergia alimentar, a PPO está indicada para a confirmação / exclusão diagnóstica. Durante o processo de seguimento clínico do doente poderá ser repetida periodicamente, para avaliar uma possível aquisição de tolerância, uma vez que é o único método que permite afirmá-lo de forma indiscutível. Em casos particulares, poderá ter indicação para determinação do limiar de tolerância, nomeadamente para a realização de protocolos de indução de tolerância.

Doentes em que os dados de anamnese não são sugestivos de alergia alimentar também poderão ter indicação para realização de PPO. É o caso dos doentes em que se detecta sensibilização a um alimento ainda não introduzido na dieta, ou não utilizado conscientemente, bem como os doentes que estiveram inadequadamente em evicção de um alimento que se pretende reintroduzir.

Em casos particulares de doentes com patologias de carácter crónico, como o eczema atópico, a urticária crónica ou esofagogastrenteropatias eosinofílicas, poderá estar subjacente uma alergia alimentar; considerando que são geralmente patologias de etiologia multifactorial, o seu papel é difícil de clarificar, pelo que o recurso a dietas de evicção complementadas com PPO poderá contribuir para o esclarecimento da situação.

A realização de PPO para diagnóstico pode considerar-se dispensável nos casos em que a história clínica seja muito consistente, com vários episódios reprodutíveis de reacção imediata sempre relacionada com a ingestão do alimento suspeito e nos casos com manifestações clínicas graves, como dificuldade respiratória ou anafilaxia, com testes cutâneos e/ou doseamentos de IgE específica positivos e com resolução completa após a evicção.

A realização de PPO está absolutamente contra-indicada em todas as situações em que o doente apresente doença em actividade ou em que alguma das suas patologias de base se encontre em fase de agudização, seja alérgica, infecciosa, cardiovascular ou outra. É igualmente contra-indicada a realização de PPO durante a gravidez.

A existência de uma história inequívoca de anafilaxia grave é contra-indicação relativa. A PPO poderá ser indicada no caso de a última reacção ser consideravelmente afastada no tempo e se admitir a possibilidade de aquisição de tolerância, se for considerado necessário determinar o limiar de tolerância para avaliação do risco, ou ainda previamente à realização de protocolos de indução de tolerância. Nestes casos particulares O facto de o doente se encontrar sob medicação que possa interferir com o resultado ou dificultar o tratamento de uma eventual reacção alérgica, imediata e/ou tardia (exs. anti-H1; corticóides orais em dose superior a 5mg/dia de prednisolona ou equivalente; AINEs; IECAs; β-bloqueantes) é também considerado uma contra-

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indicação relativa. O doente deverá manter as suas outras medicações habituais para doenças alérgicas ou outras, a não ser que o médico assistente lhe dê instruções noutro sentido.

Admite-se que doentes com eczema atópico ou urticária crónica medicados diariamente com anti-H1 possam fazer a prova sob terapêutica, se se considerar que a sua interrupção pode levar a descompensação da doença de base. Nestes casos, o doente deve ser informado da possibilidade da medicação em curso poder ocultar uma eventual positividade da prova.

Em todos os casos, a monitorização da PPO deve ser da responsabilidade de alergologistas experientes nestes procedimentos.

Condições necessárias à realização da prova de provocação alimentar

Qualquer PPO deve sempre ser realizada em meio hospitalar, nomeadamente em unidades de Hospital-de-Dia. Deve ser ponderada a necessidade de internamento em outras unidades ou mesmo em UCI nos casos em que se preveja a possibilidade de reacção grave. As PPO devem ser realizadas apenas por equipas experientes, especializadas neste tipo de procedimentos, com capacidade para uma rápida e correcta avaliação e tratamento de eventuais reacções. Durante a PPO deve ser feita vigilância clínica, com monitorização regular de sinais vitais e, nos casos em que tal seja adequado, dos parâmetros funcionais respiratórios.

Geralmente, mas nem sempre, as manifestações nas PPO positivas são idênticas às referidas pela história clínica, pelo que, devem ser cuidadosamente monitorizadas todas as possíveis manifestações de reacção alérgica.

Devem estar imediatamente disponíveis os meios e os recursos necessários para tratamento de situações de emergência.

O doente a submeter a PPO deve encontrar-se em situação clínica e funcional estável. Deve ser previamente informado, de preferência no momento em que a prova é proposta pelo clínico assistente e não apenas no dia da sua realização, sobre o motivo pelo qual é proposta a realização de PPO, o protocolo que vai ser efectuado, os seus riscos e a eventual necessidade de tratamento de emergência ou internamento no caso de positividade da prova.

Dado que provavelmente cada doente permanecerá durante várias horas na instituição de saúde, em casos de alergia alimentar múltipla, recomenda-se que tragam alguns alimentos tolerados, a ser eventualmente necessários durante o período de vigilância e sempre dados com o consentimento da equipa de saúde. Sugere-se ainda que tragam livros, jornais, revistas, brinquedos e/ou jogos para se ocupar durante o período que permanecem no hospital.

As crianças deverão estar sempre acompanhadas por um adulto. Pode ainda ser desejável que os prestadores de cuidados tragam os utensílios que usam durante a refeição, uma muda de roupa, os alimentos já consumidos habitualmente pela criança (ex: papa, iogurte, boião de fruta, sopa) para ocultar o alimento que está a ser testado ou facilitar a ingestão do mesmo pela criança.

Antes do início da PPO, deve ser obtido, por escrito, o consentimento informado (assinado pelo profissional de saúde e pelo doente ou pelo seu representante legal).

Protocolos disponíveis

Na maioria dos casos, admite-se a utilização de protocolos abertos, esclarecedores nomeadamente quando a prova é negativa ou quando surgem sinais e sintomas imediatos e objectiváveis, que reproduzem a clínica anterior e/ou são concordantes com os resultados dos exames auxiliares de diagnóstico efectuados (testes cutâneos, doseamentos de IgE específica).

Se a prova aberta for inconclusiva, se os sintomas forem apenas subjectivos ou se houver motivo para suspeitar um envolvimento importante de factores psicogénicos, então a prova deverá ser efectuada em dupla ocultação contra placebo. Em

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alternativa, pode aceitar-se o recurso à ocultação simples, nos casos em que não se disponham dos meios necessários à realização de provas em dupla ocultação. Nas provas em ocultação deve ser evitada a utilização de alimentos liofilizados em cápsulas, uma vez que não permitem a avaliação de sintomas desencadeados pelo contacto com a mucosa oral e podem dar origem a falsos negativos, por degradação de epitopos no processo de liofilização.

A dose inicial a administrar deve ser suficientemente baixa para ser previsivelmente tolerada. As doses seguintes devem ser duplicadas a intervalos de 15 a 30 minutos nos casos em que existe clínica prévia de reacção imediata. Nos doentes com manifestações tardias, o intervalo de progressão pode ser ajustado ao tempo previsto de reacção. A dose cumulativa final deve ser equivalente à quantidade ingerida numa refeição normal.

A prova deve ser interrompida logo que ocorra uma reacção considerada significativa. É indispensável a experiência no acompanhamento deste tipo de procedimentos e na interpretação dos sinais e sintomas referidos pelo doente, de modo que a prova seja interrompida com um resultado inequívoco mas com um mínimo de risco.

Após o final da PPO o doente deve ser mantido em vigilância por um período variável, habitualmente de 2 a 6 horas, ou mais, se a história clínica o justificar. Frequentemente é útil programar uma reavaliação após alguns dias, para verificar o aparecimento tardio de sintomas.

Informação / relatório da prova de provocação alimentar

No final da PPO deverá ser fornecida ao doente informação escrita relativa ao resultado da prova: positiva, negativa ou duvidosa / inconclusiva.

/Devem também ser referidos os sinais de alerta de reacção tardia, medicação de emergência e indicações sobre os procedimentos a ter nesse caso.

Deve ser também, idealmente, disponibilizado um contacto da unidade hospitalar, ao qual o doente possa recorrer em caso de necessidade.

De acordo com o preconizado pelo Grupo de Interesse de Alergia Alimentar todas as PPO devem ser registadas em suporte normalizado. Deste modo, a informação fica adequadamente documentada e disponível para posterior análise. Pretende-se assim atingir dois objectivos: garantir que os dados referentes a cada doente fiquem correctamente registados no seu processo clínico; possibilitar o desenvolvimento de estudos relativos aos procedimentos e resultados das PPO, em cada centro ou em estudos multicêntricos.

Bibliografia

-Bindslev-Jensen C, Ballmer-Weber BK, Bengtsson U, et al. Standardization of food challenges in patients with immediate reactions to foods – position paper from the European Academy of Allergology and Clinical Immunology. Allergy 2004;59:690-7. -Prates S, Ferraz-Oliveira J, Guilherme A, et al. Provas de provocação alimentar: Grupo de Interesse de Alergia Alimentar da SPAIC. Rev Port Imunoalergologia 2009;17(supl.1):30-4.

-Boyce JA, Assa'ad A, Burks AW, et al. Guidelines for the diagnosis and management of food allergy in the United States: Report of the NIAID-Sponsored Expert Panel. J Allergy Clin Immunol 2010;126(6,Suppl):S1-S58.

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