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A psicogênese e a evolução de conceitos

PSICOGÊNESE E O USO DA EVOLUÇÃO DE CONCEITOS

4.1 A psicogênese e a evolução de conceitos

Dentre as treze formas de se trabalhar a História da Matemática em sala de aula, elencamos a formalização de conceitos por considerá-la a que mais está de acordo com os princípios psicogenéticos descritos por Piaget73, além de satisfazer a perspectiva evolucionista linear74, englobando ainda várias das outras concepções descritas por Miguel (1997) e Vianna (1995), e ainda seria a forma de mais fácil aplicação de um sistema formal de ensino.

Um aspecto que gostaríamos de ressaltar, antes de falarmos das potencialidades desta abordagem, é o da denominação “evolução”, que empregamos no lugar de formalização. Embora ambas as palavras pareçam-nos dar uma visão de linearidade, tal entendimento nem sempre é verdadeiro. Por isso, empregaremos aqui o conceito de “evolução” análogo ao que Darwin descrevera para a evolução das espécies, isto é, no sentido de que um aspecto/conhecimento se sobrepunha a outro não por ser superior, mas por estar mais apto a determinados contextos e situações que lhes são impostos pelo ambiente em determinados momentos.

73 Como os conceitos de assimilação, acomodação e esquema.

74 Tal perspectiva remonta ao século XIX e tem sua base nos trabalhos de Ernst Haeckel (1834-1919), que

Pretendemos, deste modo, aprimorar uma proposta metodológica de ensino da Matemática que se paute na formação de conceitos, compreendendo as transformações que ocorrem sobre este durante seu processo de estabelecimento e formalização, ou seja, um conceito é criado, e transforma-se no decorrer dos tempos, sofrendo adaptações e reformulações. Princípio o qual denominamos evolução histórica de conceitos.

Através de seus estudos, Piaget e Garcia nos mostram que, apesar de trazer ao nascer uma vasta bagagem hereditária (reflexos), o sujeito é um projeto a ser construído. Estabelece-se, assim, uma maturação e, durante esta, o sujeito e o objeto se constituem mutuamente, na iteração. Neste sentido, podemos dizer que o conhecimento não nasce com o indivíduo (empirismo) e não lhe é dado (apriorismo), mas sim construído (construtivismo).

A natureza de uma realidade viva não é revelada apenas pelos seus estádios iniciais nem pelos seus estádios terminais, mas pelo próprio progresso das suas transformações; é a lei da construção, quer dizer, o sistema operatório na sua constituição progressiva.

(PIAGET & GARCIA, 1987: 12)

Ao observarmos a Matemática em seu desenvolvimento histórico, percebemos que este avanço se deu da maneira descrita acima, cada estágio surgiu de implicações de estágios precedentes que ou reforçam seu entendimento ou o reconstroem-se da melhor forma para que possam satisfazer as necessidades imediatas (evolucionismo). Um exemplo básico a este respeito reside no estabelecimento do conceito de número, que inicialmente surgiu da comparação entre elementos de conjuntos distintos da realidade (princípio biunívoco), mas que, por implicação, acabou por agregar, durante sua evolução, discussões e abstrações que resultaram em complexos axiomáticos e verdadeiros entrances de teorias e representações.

Estes aspectos reforçam nossa compreensão de que os instrumentos iniciais de obtenção de conhecimento são as manifestações sensório-motoras que, inicialmente, representam esquemas simples de adaptação, mas que acabam por se tornar verdadeiros mecanismos de percepção e transformação da realidade. Tanto é verdade que, em seu aspecto macro, todo conhecimento que se estabelece no nível científico, por trazer grandes resultados à sociedade acaba por transformá-la, criando uma relação de interdependência entre elas. Este aspecto dá sentido de necessidade ao emprego de ações educativas que contemplem o caráter histórico, uma vez que,

No âmbito das ciências dedutivas, o problema assume uma grande dificuldade, porque, por mais criadora que pareça uma invenção, no momento em que ela se faz, os seus resultados, uma vez demonstrados, tornam-se tão necessários que não podemos impedir de ver nisso a descoberta de objetos ou relações que existiam previamente.

(Idem: 27)

O desenvolvimento matemático obedece, segundo Piaget, o seguinte esquema: os entes matemáticos originam-se das coordenações das ações que o sujeito exerce sobre o objeto; desta ligação inicial, tais entes se distanciam mais e mais do ente concreto. Contudo, conservam o poder de se reunirem ao objeto, de se reencontrarem com a realidade imediata em todos os níveis, de dizerem respeito à realidade. Esta perspectiva é uma manifestação do que Miguel e Miorim (2004) classificaram como Estrutural-Construtivista Operatória. O fundamento básico desta perspectiva é a de que tanto a filogênese quanto a psicogênese obedecem às mesmas etapas de construção do conhecimento. São estas:

1) a existência de integrações sucessivas de novos conteúdos e de novas formas de estruturas; 2)a atuação reiterada de um mesmo mecanismo (ou modo de construção do conhecimento) em níveis diferentes o qual, embora conserve a mesma natureza e função nos diferentes níveis, renova-se devido à sua atuação sobre novos conteúdos e estruturas.

(MIGUEL & MIORIN, 2004: 87)

Tomando por fundamentação as etapas acima descritas, vemos que nossas citações sobre a evolução histórica de conceitos matemáticos, estão em consonância com tais perspectivas, visto que os estudos do desenvolvimento de conceitos cumprem tais descrições. Vimos no primeiro capítulo a preocupação para com a constituição de uma consciência, uma percepção do mundo ou realidade, de tal modo que cada objeto pudesse ser compreendido pelo indivíduo. Não obstante, recorreu-nos a necessidade da discussão de como se daria o processamento desse conhecimento e como a percepção do objeto poderia fazer com que um indivíduo modificasse sua postura com relação ao seu estado de inércia. Constatamos que é através da dinâmica emprestada pelos esquemas que são definidos como expressões das invariantes assimilação e acomodação.

Como os conceitos de Piaget fazem uma associação do desenvolvimento do meio material (filogenético) com o meio imaterial das idéias (psicogenético), vimos a

possibilidade de utilização destes termos/conceitos em uma proposta que por isomorfismo se apresentasse também como construtivista. O que propomos de forma alguma é desconhecido, trata-se da justificativa psicogenética, já citada, aplicada à formalização de conceitos.