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A relação da Psicologia com a Educação remontam à própria história da ciência psicológica. O status científico conquistado pela Psicologia no final do século XIX foi assegurado por concepções de ordem filosófica, científica e social. As concepções filosóficas estão assentadas no Idealismo e as científicas no Positivismo. As primeiras têm na razão o princípio para a existência do real e do pensamento e evidenciam que são as nossas idéias,as responsáveis por nossa existência e não as experiências sensíveis. Submersa sob o idealismo, a Psicologia passa a ser uma “psicologia sem alma, como uma ciência dos fenômenos da consciência que são dados diretamente pela experiência interna” (FREITAS, 1995, p. 51).

Sob essa filosofia o sentido etimológico da palavra Psicologia como ciência da alma ou estudo da alma (do grego “psyché” significa sopro de vida, da alma e “Logos” quer dizer ciência, estudo) não se relaciona mais ao modo de pensamento concebido pelos filósofos gregos. Com o Idealismo, a psicologia passou a conceber os fenômenos da consciência como seu próprio objeto.

Distante do pensamento idealista, a psicologia com base no cientificismo positivista, deveria “entender o fenômeno psicológico desligado do contexto social e sem interferência dos valores, pré-noções e preconceitos do investigador, pois seu método de estudo lhe garante esse distanciamento necessário” (BOCK, 1999, p. 48).

Com este entendimento, a psicologia positivista buscou a construção do conhecimento sem interferência dos valores daquele que investiga, que deveria manter-se distante do objeto investigado, encarando-o de modo naturalizado, como são os fatos naturais.

Bock (1999), em seu trabalho, buscou definir essas duas concepções – Idealismo e Positivismo – identificou o antagonismo existente entre ambas e, ao mesmo tempo, encontrou na ciência o ponto de interseção. Para esta autora, o positivismo “no seu esforço por objetividade, tornou os fenômenos que estuda entidades abstratas, cuja verdade está no esforço do pensamento racional e de seus métodos lógicos. Tornou-se idealista” (p. 51). Assim, a lógica do pensamento de apreensão do objeto aproxima estas duas filosofias, à medida que o positivismo ao primar pela objetividade torna os objetos abstratos

demandando da razão e dá lógica para assenhorear-se dos fenômenos em estudo.

Em relação à psicologia, Bock refere que esta ciência empreendeu o mesmo caminho da concepção positivista ao isolar da realidade o seu objeto de estudo:

A Psicologia, ao naturalizar o homem e ao pensá-lo “objetivamente”, afastou-o da realidade, fazendo dele e do fenômeno psicológico entidades abstratas, isto é, pensou-os como fenômenos dados, feitos e acabados, que se apresentam à nossa experiência imediata, para que os ordenemos e sistematizemos, sem que se indague sobre como esses fenômenos se produziram. (BOCK,1999, p. 52)

Assim, o homem passa a ser visto segundo sua natureza, como se suas características e desenvolvimento já estivessem determinados por uma essência humana inerente a cada pessoa, negando suas condições sociais e possibilidade de autodeterminação.

Essas concepções — idealistas e positivistas — serviram de bases dos significados concebidos historicamente à compreensão do homem e dos fenômenos psicológicos. São fundamentos importantes que embasaram sua constituição como ciência e que conduziram seu desenvolvimento como profissão.

Neste sentido, a Psicologia positivista ao conceber o homem somente como ser biológico passível de transformação, passa a concebê-lo não somente como objeto de estudo, mas também de intervenção. Sob esse propósito, a Psicologia passou a ser de cunho utilitário3 e, a filosofia de orientação pragmática passa a ser a finalidade da Psicologia americana, que passou a valorizar os resultados práticos que fossem utilitários às atividades adaptativas4.

Nesse ínterim, as transformações econômicas e sociais inerentes à ideologia liberal, exigiram a adaptação da sociedade a uma nova realidade, tornando-se mais produtiva por meio do trabalho. Assim, o homem que herdara

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Deste modo, a psicologia vai ao encontro da filosofia de ciência de Bacon e empregada por Descartes em sua obra Discurso do Método (1637), este tratava do interesse utilitário da ciência e pregava a busca de conhecimento do objeto, da natureza, com fins de controlá-la, inclusive a própria natureza humana.

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Atividades adaptativas relacionadas para o novo modelo econômico, o capitalismo, cuja matriz de pensamento – o liberalismo – pensa o homem em pleno movimento e abre a ele a possibilidade de ser, pensar e fazer, antes limitado pelo pensamento religioso medieval.

o modo de ser e produzir da sociedade feudal, precisava adaptar-se ao novo modelo de produção da modernidade – a indústria.

Nesse contexto, ocorreu uma progressiva ampliação da escolarização nos países ocidentais desenvolvidos e a educação ocupou uma posição privilegiada no sistema capitalista “uma vez que é ela a responsável por transformar a matéria bruta – os potenciais – em habilidades bem desenvolvidas” 5. E coube à Psicologia assegurar a adaptação desses sujeitos, participando da classificação dos indivíduos, através dos testes de inteligência, aptidão, personalidade, em vista do processo de ajustamento e adaptação às novas experiências trazidas com a modernidade.

No inicio do século XX, segundo Goulart (1987), houve uma intensificação das pesquisas psicológicas sobre os processos de aprendizagem, testes mentais, medida de comportamento, psicologia da criança. Estes processos relacionados, direta ou indiretamente, ao contexto educativo e escolar.

Decerto, a Psicologia científica e experimental serviu de sustentação à Pedagogia, que buscava fundamentação teórica-prática para subsidiar e orientar as ações educativas, com vistas a atender a ideologia liberal centrada no modelo econômico vigente, no qual o sujeito-indivíduo passou a ser o núcleo de conhecimento do mesmo.

Goulart assim resume o desenvolvimento da psicologia como ciência, “a ciência não é neutra nem desinteressada; ela nasce ligada a interesses históricos, embora sua natureza específica não resida nesta motivação” (1987, p.9). Pois, apesar da objetividade e neutralidade que pregava a Psicologia positivista, podemos concluir que tanto a Psicologia como a Educação se desenvolveram inseridas e comprometidas com o contexto político, econômico e social emergente.

A Psicologia como ciência se filiou à educação e vice-versa, muito antes da Psicologia da Educação tornar-se uma disciplina, como explicita Almeida:

A aplicação dos princípios psicológicos na educação surge quase que ao mesmo tempo em que a Psicologia passa a se configurar como ciência experimental, portanto, antes mesmo que a Psicologia da Educação se firmasse como uma disciplina com objeto e problemas próprios. (ALMEIDA, 1985 apud LAROCCA, 1999, p. 12).

5 Ver MACIEL, Ira. Psicologia e Educação: novos caminhos para a formação. Rio de Janeiro: Ciência Moderna, 2001, p-36.

Neste sentido, fica evidente o interesse da Psicologia Científica com os fenômenos educativos, demonstrando que os primeiros estudos científicos aplicados à educação surgiram antes mesmos da Psicologia da Educação se configurar como campo de produção de conhecimento.

Todavia, a constituição da Psicologia da Educação como especialidade da Psicologia Científica trouxe consigo o experimentalismo, a objetividade e a neutralidade desta ciência e, mais que isso, a fragmentação do saber e a dicotomia individual/social.

Do mesmo modo, a educação, por meio da escola e do ensino preocupava-se com desenvolvimento pleno das potencialidades dos educandos e, pressupondo ser melhor afastá-lo da sociedade. Assim, a realidade escolar foi tomada como substituta da realidade social, segundo Bock, “a educação passou a ser pensada como um trabalho exclusivamente cultural de preparo para a vida em sociedade, a fim de desabrochar a natureza humana de que somos dotados” (2002, p. 29).

Mesmo os pressupostos teórico-práticos da Escola Nova, acreditaram que a realidade escolar deveria ser preservada das mazelas sociais que pudesse comprometer a natureza da infância e dos jovens, quer seja naturalmente frágil ou rebelde, precisava ser corrigida e a escola era a responsável para colocá-los no caminho certo, educado (ibid.; 2002).

Os pesquisadores em seus estudos atenderam a esta perspectiva no campo da Psicologia da Educação, que constituiu-se, então, como um campo de estudos de compreensão dos fenômenos educativos, desenvolvendo pesquisas sobre o ensino, a relação professor e aluno; a instrução programada e os testes de inteligência. Como campo de intervenção estendeu seus conhecimentos aos serviços de psicologia escolar e; constituiu-se como disciplina escolar na instrução nos cursos para formação professores.

Essas considerações sobre as circunstâncias, sob as quais se desenvolveu o conhecimento psicológico na educação, são importantes para compreender as críticas que a Psicologia da Educação passou a receber, que em muito se relaciona às concepções – Idealismo e Positivismo – que asseguraram o status científico da Psicologia.

A predominância de uma visão de natureza humana, assim como a naturalização do fenômeno psicológico, são questões a serem superadas, de modo a desfazer a dicotomia — ainda existente — individuo/ sociedade;

individuo/grupo; realidade escolar/realidade social que se estendeu nos vários cenários de expansão dessa psicologia.