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A PSICOLOGIA NA ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

No documento HISTÓRIA DA PSICOLOGIA BRASILEIRA (páginas 32-37)

A Medicina Social veio exercer importante papel, propondo modelos higiênicos de vida social, enquadrando em categorias patológicas os comportamentos considerados “desviantes”.

As primeiras experiências sistemáticas de aplicação da Psicologia às questões do trabalho datam porém da década de 20 deste século, e teve sua aceleração principalmente a partir dos anos 30.

Nesse momento, a Psicologia estabeleceu-se definitivamente no pensamento brasileiro. Tal situação confirma o estabelecimento da ciência psicológica no país, como conjunto de conhecimentos e práticas capazes de dar  respostas e subsidiar ações que interviessem nos problemas dessa sociedade, demonstrando pela sua aplicação sistemática uma etapa já avançada da referida ciência.

A Psicologia veio inserir-se num panorama em que a preocupação com a maximização da produção tornava-se um imperativo, contribuindo com a produção de conhecimentos e técnicas necessária ao empreendimento da “racionalização do trabalho” e da “administração científica” do processo produtivo.

Assiste-se nesse momento a implementação de processos administrativos modernos, fundamentados nos progressos da ciência. Jorge Street, Roberto Simonsen e Paulo Nogueira Filho foram alguns dos mais destacados representantes do empresariado brasileiro que defenderam e adotaram tais idéias.

Na década de 20, assiste-se a uma mudança nos regimes disciplinares: anuncia-se um projeto racional de produção do novo trabalhador, dissolvido enquanto ato e sujeito e redefinindo enquanto objeto de investimento do poder.

Tais mudanças antecedem a penetração das idéias tayloristas e fordistas no país. Serão essas idéias a principal base sobre a qual as mudanças propostas encontrarão suas diretrizes e sua justificativa. Sobre o taylorismo e já apontando suas articulações com a Psicologia, afirma Lourenço Filho: “A phisiologia e a psychologia foram chamadas a cooperar na organização das fábricas, para maior  efficiencia economica e melhoria das condições do trabalho operario... É preciso a adaptação psychologica ao homem, e a adaptação do motor humano ao trabalho”.

Vê-se, pois, que a ciência é concebida como neutra e o conhecimento por ela produzido inquestionável na sua autoridade; assim, a utilização da ciência na administração industrial justifica-se e é legitimada. Em nome do progresso e da proteção ao “bom trabalhador” justificar-se-ia a administração baseada na inquestionalidade da ciência, na neutralidade da técnica e na valorização da competência individual.

Parte do empresariado brasileiro percebeu a necessidade de institucionalização desse projeto de modernização e cientificação dos processos administrativos. Esse projeto estava intimamente ligado à Psicologia.

Tiveram grande impacto sobre esse processo as conferências proferidas por Léon Walther a respeito da Psicotécnica, instrumental fundamental para a materialização das finalidades enunciadas pela administração científica.

A Psicologia assumiu, ao lado de outras áreas do saber, a função de sustentáculo científico dos novos métodos administrativos.

A Psicologia agiu essencialmente sobre o “fator humano” da administração industrial, sobretudo na seleção de pessoal e orientação e instrução profissionais.

Vários elementos confluíram para a definitiva sistematização da aplicação da Psicologia à gestão da força de trabalho. Nesse âmbito foi especialmente importante o “movimento dos testes”, iniciado na década de 20,

tendo como marco o curso sobre Psicotécnica, ministrado por Piéron, na Escola Normal de São Paulo.

A experiência pioneira com a utilização de testes ocorreu em 1924, no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, sob a coordenação do engenheiro suíço Roberto Mange, em que pela primeira vez no Brasil foram utilizados testes com a finalidade de seleção.

O primeiro livro sobre testes no Brasil foi intitulado “Testes: Introdução ao estudo dos meios scientificos de julgar a intelligencia e a applicação dos alumnos”.

Nesta em outras obras da época são freqüentes as referências às inovações norte-americanas nas diversas áreas, em que vão sendo demonstradas as utilidades dos testes, destacando-se os “Army Mental Tests” e a orientação profissional. Sobre isso, afirma Medeiros e Albuquerque:

Na instrucção, o candidato approvado ou reprovado injustamente vê o seu futuro sacrificado. No commercio ou na industria, o empregado, si é rejeitado sem razão, soffre tambem o mesmo sacrificio; mas se é admitido por uma opinião errada, vai estragar material, desacreditar a casa que o escolheu, fazer com que perca clientes talvez preciosos, até que sua incapacidade seja reconhecida e se resolvam a despedi-lo, (1925, p. 24).

Outra questão abordada e também relacionada ao trabalho é a orientação profissional, na qual busca-se demonstrar a lucratividade da aplicação da Psicologia. Afirma Isaias Alves:

O valor economico dos testes surge então sob nova luz. Primeiro se vê a escolha appropriada de profissão para cada individuo, lucrando a sociedade da plena expansão da actividade pessoal. Em segundo lugar, tornando-se de facto primeiro no decorrer dos annos, vem a orientação vocacional dos rapazes, (1930, p.6).

Surgem então os testes vocacionais, cuja principal finalidade seria a de orientar profissionalmente os jovens, para que suas escolhas fossem compatíveis com suas aptidões.

É importante lembrar que as obras de Medeiros e Albuquerque e Isaias Alves relacionam-se diretamente com as primeiras aplicações da Psicologia à organização do trabalho, pois são elas co-responsáveis pela introdução dos testes no país e administração científica.

A racionalização assume o dever de promover uma maior produtividade, tem um claro sentido econômico e, fundamentalmente, representa a modernização almejada por setores da sociedade, cuja aspiração é inserir o Brasil no seio do capitalismo. Isso é demonstrado na orientação profissional que, de certa maneira, direciona indivíduos para diferentes profissões pelas suas capacidades, sem considerar que estas últimas têm íntima relação com a história de vida do sujeito e acabaria, por seu turno, endossando determinações estabelecidas pela origem de classe e não por características inerentes ao indivíduo.

Os testes trazem exatamente a argumentação de sua “inequívoca objetividade”, o que vem referendar a noção de “neutralidade” que caracteriza a técnica derivada do conhecimento científico.

Pode-se afirmar terem sido os testes ou, mais amplamente, a Psicotécnica, papel fundamental no grande projeto de modernização do processo produtivo brasileiro.

Do ponto de vista prático, a experiência pioneira de aplicação sistemática da Psicologia ao trabalho ocorreu em 1924, no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, sob a direção de Roberto Mange. Consistiu ela na seleção de alunos para o Curso de Mecânica Prática da escola citada, por meio da aplicação das “provas de Giese” e da introdução da aprendizagem racional, com base nos pressupostos da Psicotécnica.

A instrução racional consiste em conseguir o máximo rendimento do menor tempo possível e com o mínimo dispêndio de energia e de dinheiro. Deve-se, antes, exigir compulsoriamente, senão um acentuado grau de aptidão, ao menos um mínimo indispensável aliado a marcado poder de educabilidade. O processo de seleção profissional é bastante complexo. Se, de um lado, aptidões profissionais constituem indícios de alto valor para o êxito na profissão, não menos um exame psico- fisiológico, o poder de adaptação ao meio, as condições sociais, as tendências caracterológicas, enfim – o conjunto das personalidade.

Essa citação demonstra como a Psicologia e a tecnologia dela derivada são incorporadas pelos interesses industriais. Esse trecho mostra uma abordagem mais complexa da Psicologia, em que não somente a aptidão, mas a personalidade como um todo deve ser considerada para que sejam atingidos plenamente as finalidades impostas pelo processo produtivo.

A essa experiência muitas outras se seguiram, com participação de Roberto Mange. Destas deve-se destacar as relativas às empresas ferroviárias que foram, sem dúvida, um dos principais alicerces da Psicologia aplicada ao trabalho no Brasil.

Em 1930, foi criado o “Curso de Ferroviários de Sorocaba” e o “Serviço de Ensino e Seleção Profissional” da Estrada de Ferro Sorocabana.

A essas experiências devem ser somadas as pesquisas e processos de seleção de aviadores para a Aviação Militar, realizadas pelo Laboratório de Psicologia da Colônia de Psicopatas do Engenho de Dentro em conjunto com os Ministérios da Guerra e da Justiça, com a participação de médicos militares e a coordenação de Waclaw Radecki.

Foram estas as principais experiências que deram início à aplicação da Psicologia às questões relativas ao trabalho. Após a experiência do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, seguida pelo Centro Ferroviário e pelo IDORT, merecem destaque os trabalhos realizados nas décadas de 30 e 40 nas seguintes organizações: SENAI, SENAC, CMTC, Estrada de Ferro Central do Brasil, ISOP- FGV, Instituto de Administração da Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas da USP.

Percebe-se que a Psicologia não se desenvolveu no interior de outra área de saber, mas penetra ela já na condição de ciência autônoma para colaborar  num projeto amplo, para o qual convergem diversas áreas de conhecimento.

No documento HISTÓRIA DA PSICOLOGIA BRASILEIRA (páginas 32-37)

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