• Nenhum resultado encontrado

3 A FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA NO ENSINO SUPERIOR

3.4 A construção do saber psicológico: Psicologia, Psicologia Social e Psicologia

3.4.1 A Psicologia Social

A ascensão do liberalismo e a regulação pelo mercado selvagem, impostas pelas novas regras do capitalismo ao longo do século XIX, provocaram uma desregulação da organização do trabalho, produzindo o aumento da riqueza proporcional ao da miséria. Nesse âmbito, as intervenções assistencialistas não eram mais suficientes (SILVA, 2004). Segundo Silva (2004), cada vez mais se torna

necessário deixar de tomar o social como uma evidência e constituí-lo de fato como um problema, pois assim deixamos de percebê-lo como um dado natural da vida humana e o constituiremos como “uma multiplicidade necessariamente construída a partir de uma relação de forças num campo historicamente dado” (p.13).

A definição da Psicologia Social está vinculada ao contínuo processo de autorreflexão crítica que o conhecimento científico supõe. Por esta razão, é também um campo em plena expansão e com diversidade de definições (SUAREZ, 1995). O objeto da Psicologia Social constitui os modos de relação e não é exclusivo deste saber, indo além das disciplinas.

Historicamente, segundo Guareschi (2007), a Psicologia Social surge junto à psicologia como ciência, posto que Wundt já fundara a Psicologia Experimental que dividira em Naturwissenchaften (Psicologia natural) e Geisteswissenchaften (Psicologia cultural ou social). No espírito cartesiano, porém, o interesse hegemônico se dava pela primeira forma, onde a segunda nada mais era que uma soma de individuais impassível de controle. Em seguida, surge uma das importantes raízes da psicologia social com Mead e a teorização sobre o self, onde há a primeira síntese dialética entre individual e social e entre o biológico e o psíquico.

Vygotsky, psicólogo russo paralelo a Mead, se apropriou do materialismo histórico- dialético e, contrapondo-se a uma psicologia reatológica ou introspectiva, criou a psicologia histórico-cultural, aprimorando a construção da subjetividade a partir do processo de interação social com raízes desde a biologia (filogênese, ontogênese) à cultura (sociogênese) e às histórias de vida e interações sociais (microgênese) trazendo uma nova perspectiva da consciência humana (VYGOTSKY, 1991). Segundo Vygotsky (1990, apud, LANE, 1995, p. 17) “atarefa fundamental da psicologia dialética consiste precisamente em descobrir a conexão significativa entre as partes e o todo, em saber considerar o processo psíquico em conexão orgânica no marco de processo integral mais complexo”.

A partir da década de 50, se destaca o estudo de Serge Moscovici com as representações sociais. Nesse âmbito, iniciam-se questionamentos em relação à Psicologia Social existente na Europa, que havia ganhado contornos da psicologia experimental norte-americana, tornando-se reducionista e servindo para fins ideológicos (GUARESCHI, 2007). Moscovici sustentava que a sociedade não era produto dos indivíduos ou vice-versa, mas ambos se relacionavam intrinsecamente.

No Brasil, temos alguns representantes reconhecidos de diferentes vertentes da Psicologia Social. Colocamos em destaque duas vertentes dessa disciplina: uma anterior e uma posterior à crise de referência que fez-se notar na década de 70. No início de suas construções no país, a Psicologia Social, segundo Lane (2000), “partia das teorias americanas para explicar a realidade brasileira”. O maior representante desta Psicologia Social, chamada de cognitivista, é Aroldo Rodrigues, cuja definição compreende que a Psicologia Social é uma ciência neutra, cabendo a ela descobrir quais são as relações estáveis que existem entre variáveis psicossociais a fim de disponibilizar ao tecnólogo a solução de problemas sociais sem improviso e de forma consciente (RODRIGUES; ASSMAR; JABLONSKI, 2009).

Rodrigues, Assmar e Jablonski (2009, p.14) definiram o objeto de estudo da Psicologia Social como “a interação humana e suas consequências cognitivas e comportamentais”, afirmando ser a forma de estudo desse fenômeno o método científico pautado em característica do positivismo (teoria, levantamento de hipóteses, teste empírico, análise dos dados, confirmação ou rejeição das hipóteses e generalização) e afirmando a neutralidade do psicólogo social.

Uma concepção diferente começa a surgir como crítica a esta e a outras formas de Psicologias descontextualizadas com a realidade brasileira, passando a ser um expoente na Psicologia Social no Brasil a partir da década de 60. Trata-se da teoria desenvolvida por Silvia Lane, que, em meio à crise de referência da Psicologia Social, buscou uma atuação acadêmica e política que foram decisivas para a retirada da Psicologia Social brasileira da alienação em que atuava e inseri-la na vida pulsante e conflituosa do cotidiano marcado pela ditadura militar. Suas grandes influências foram Paulo Freire, Espinosa e a Psicologia russa, contribuindo para colocar a Psicologia Social no papel de ação transformadora da realidade social. Segundo Bock et al (2007), Aroldo Rodrigues criticava Silvia Lane ao afirmar que ela não fazia ciência e sim política, enquanto que Silvia Lane respondia afirmando que o fundamental era a Psicologia rever sua práxis – inseparabilidade entre teoria e prática - e não que se podia dividir a Psicologia Social em ciência aplicada e ciência pura.

A partir de uma discussão teórica e metodológica inaugurada na década de 70, têm-se a criação da ABRAPSO – Associação Brasileira de Psicologia Social – em julho de 1980, com o objetivo de

[...] associar pessoas interessadas no estudo, no ensino e na prática da Psicologia Social, objetivando incrementar a produção e a difusão do

conhecimento nesta área Científica (...) destaca-se, também, a necessidade de desenvolvimento de uma Psicologia voltada para o contexto brasileiro e comprometida com a transformação da realidade social vigente” (ABRAPSO, 2009, p.1).

A criação da ABRAPSO é um marco na Psicologia Social do Brasil, nesses anos intenso de discussão e busca de renovação, havia a ALAPSO – Associação Latino- americana de Psicologia Social - mas ela foi substituída em 1979, no congresso da SIP (Sociedade Interamericana de Psicologia), pois já era considerada, segundo Bock et al (2007), uma entidade que não representava as necessidades da Psicologia Social na América Latina, por não se esforçar na construção e na transformação de suas bases. Com a ABRAPSO, porém, essa disciplina ganhou destaque no âmbito acadêmico e profissional, e pôde, cada vez mais, desenvolver a área em sua diversa amplitude tanto em termos metodológicos, epistemológicos e calcados na prática profissional e na realidade brasileira.