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A Publicidade e seus liames de acordo com o Código de Defesa do Consumidor

4.1 A NORMATIZAÇÃO EXISTENTE

4.1.1 A Publicidade e seus liames de acordo com o Código de Defesa do Consumidor

nortear a atividade publicitária e que são fundamentais para a compreensão do controle da publicidade em seu aspecto jurídico, são eles: o Dever de Informar, o Princípio da Identificação da Mensagem Publicitária; o Princípio da Vinculação Contratual da Publicidade; e o Princípio da Veracidade e da Não Abusividade da Mensagem Publicitária, os quais serão explicados brevemente a seguir.

O CDC estipulou o denominado dever de informar considerando imprescindível que o produto ou serviço seja apresentado ao consumidor pelo fornecedor do modo mais adequado possível. Assim, o art.31, caput, do referido código determina:

A oferta e a apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores. (grifo nosso)

A importância do Dever de Informar consubstancia-se no fato de assegurar que o consumidor não será enganado, através de qualquer meio ou artifício, como por exemplo, através da publicidade, já que o indivíduo que pretende adquirir um produto e/ou serviço, deve fazê-lo tão somente por sua vontade, de forma livre, espontânea e consciente.

Já o Princípio da Identificação da Mensagem Publicitária é extraído do art. 36 do CDC e como o próprio nome já sugere determina que: “A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal”. Em outras palavras, é necessário que o consumidor veja a publicidade e prontamente a reconheça, motivo pelo qual é vedada a publicidade mascarada, clandestina, simulada ou dissimulada. (grifo nosso)

Em continuidade, o Princípio da Vinculação Contratual da Publicidade, fruto do art. 30 do CDC, determina que: “(...) toda publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado”. Deste modo, a publicidade influencia nas tratativas da relação jurídica quando há mera expectativa de consumo, ou seja, a fase pré-contratual, vinculando e integrando o futuro contrato que vier a ser celebrado, e podendo inclusive, prevalecer sobre este.

Por fim, o Princípio da Veracidade da e não Abusividade da Mensagem Publicitária, inteligência do art. 37 do CDC, estabelece que: a publicidade deve ser verdadeira, leal, séria, e, não pode extrapolar os limites do respeitável em suas técnicas, ou ser abusiva. De acordo com o supracitado artigo:

§1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

§ 2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. (grifo nosso)

A referida legislação tratou ainda da atividade publicitária especificando quando esta é abusiva e enganosa. Deste modo, a publicidade pode ser enganosa por ação: quando anuncia algo que não é verdadeiro, ou seja, inteira ou parcialmente falsa, ou enganosa por omissão, quando deixa de informar o consumidor acerca de determinada informação tida como importante.

De outro modo, a publicidade é considerada abusiva quando utiliza determinada prática considerada “politicamente” incorreta, sendo que o rol trazido pelo artigo não é taxativo, mas meramente exemplificativo, já que estipula a expressão “dentre outras”.

Conclui-se assim, que todos os princípios acima listados, objetivam além de reconhecer a vulnerabilidade do consumidor, materializar o princípio geral e norteador do CDC, que é o da Boa-fé objetiva.34 Este princípio, que pode ser vislumbrado pelos arts. 4º,

34

“Está-se falando da boa-fé no seu sentido objetivo, como uma norma de comportamento ético-jurídico, que estabelece um critério diretivo ou de valoração da conduta. É, sem dúvida, um dos aspectos mais intensos da

inc. III e art. 51, inc. IV do referido código, traça que na relação jurídica de consumo deve haver: lealdade, honestidade, probidade, transparência, cuidado, cooperação e confiança, não podendo as partes agirem com o escopo de trapacear ou ludibriar a outra, razão pela qual que se rechaça as práticas enganosas ou abusivas.

4.1.2 Modelos de Regulamentação da Publicidade

De acordo com Raquel Heck35, até recentemente havia uma tendência de que a publicidade deveria ser isentada de qualquer regulamentação, o que se baseava no modelo liberal de que o mercado se regularia por si próprio, focado no não intervencionismo estatal. Assim, o ideário de que cada indivíduo é livre e dotado de poder de escolha parecia suficiente para que não houvesse intervenção na publicidade. Além disso, forte na visão de liberalismo das relações entre Estado-mercado das décadas de 80 e 90, determinadas interferências eram tidas como verdadeiro “paternalismo estatal”, sendo que parte dessa tendência ainda é defendida atualmente, principalmente pelo setor publicitário, como se verá nos próximos tópicos deste capítulo.

No entanto, tendo em vista o grande poder de persuasão da publicidade, hoje torna-se inviável não discutir, bem como não haver qualquer tipo de regulamentação para esta atividade. Assim:

O controle da publicidade denota a fiscalização ou verificação da regularidade do ato publicitário. Seu exercício tem o intuito de (i) favorecer e ampliar a concorrência entre os diversos agentes econômicos; (ii) garantir um fluxo adequado de informações sobre produtos e serviços; (iii) evitar abusos no exercício do seu poder de persuasão; e (iv) limitar seu potencial de modificação de padrões culturais.36

Nesse contexto, no ordenamento jurídico brasileiro existem três tipos de regulamentação da publicidade, são eles: o modelo autorregulamentar, o modelo estatal de regulamentação e o modelo o misto, dos quais se passa a tratar abaixo.

aplicação do princípio da boa-fé, tendo o seu campo de desenvolvimento, por excelência, no direito das obrigações e dos contratos. Por isso, também é conhecida como boa-fé contratual (CC, art. 422, que trata da boa- fé na conclusão e execução do contrato), embora não se limite à esfera contratual, já que atua também como critério de limitação do exercício de direitos subjetivos (CC, art. 187) e como norma de interpretação objetiva dos negócios jurídicos em geral, ou seja, não só dos contratos (CC, art. 113)”. ZANELLATO, Marco Antonio. Boa-fé objetiva: Formas de expressão e aplicações. Revista de Direito do Consumidor. [s.l.], v. 100, p. 141- 194, jul-ago, 2015.

35

ROCHA, Raquel Heck Mariano da. Modelos de Regulamentação: reflexões para um eficiente controle jurídico da publicidade no Brasil. Direito e Justiça. Porto Alegre, v. 38, n.2, p.200-212. jul-dez, 2012.

36

A autorregulamentação é o controle privado da publicidade, com força contratual e poder negocial, à qual foi concebida pelos próprios integrantes do setor publicitário, e seu intuito é justamente o de afastar a interferência estatal nesta atividade.

No Brasil, a autorregulamentação é exercida pelo Conselho de Autorregulamentação Publicitária ou CONAR, entidade privada, sem fins lucrativos, fundada pelo mercado publicitário (agências, anunciantes e veículos de comunicação), que possui o objetivo de regular o próprio setor publicitário, estipulando, em especial, regras para a realização e a veiculação da publicidade.

O CONAR é, na verdade, a institucionalização da autorregulamentação na ceara publicitária. A ideia de se autorregulamentar, basicamente consiste em, o próprio setor publicitário se observar e determinar quando está ou não ultrapassando “os limites do razoável”.

Nessa linha, é importante observar que, o CONAR surgiu na década de 70 como uma tentativa do setor publicitário de evitar a intervenção ainda mais restritiva do governo militar na atividade, o qual queria instituir uma aprovação prévia de todas as peças publicitárias antes de sua veiculação nos meios de comunicação.

Portanto, o Conselho não é vinculado ao Estado, seus pareceres não são vinculativos e suas decisões não possuem força coercitiva, assim, suas decisões, quando acatadas ou não, podem ser discutidas em órgãos da administração do governo ou até mesmo no Poder Judiciário. No entanto, normalmente há o acatamento das suas decisões e recomendações, o que auxilia na efetividade da legislação nacional e beneficia a sociedade.

Inclusive, um importante instrumento elaborado pelo Conselho foi o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, criado pela própria classe, o qual, apesar de não ser dotado de força normativa, visa proporcionar a regulamentação da publicidade sem a intervenção estatal.

Bem, no que toca ao tema deste trabalho, mesmo se posicionando contra a proibição total da publicidade infantil, em 2006 o CONAR reconheceu que é necessário proteger mais às crianças: “público com personalidade ainda em formação, presumivelmente inapto para responder de forma madura aos apelos de consumo.” 37 Diante disso, se estipulou as seguintes determinações no Capítulo II do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, na Seção 11, que trata sobre crianças e jovens:

37

PROJETO CRIANÇA E CONSUMO. Código Brasileiro de Auto Regulamentação Publicitária. In: Projeto Criança e Consumo. [s.l.] [s.d.]. Disponível em: http://criancaeconsumo.org.br/conar/conselho-de-auto-regula mentacao-publicitaria/. Acesso em: 01 de jun. de 2019.

Artigo 37 - Os esforços de pais, educadores, autoridades e da comunidade devem encontrar na publicidade fator coadjuvante na formação de cidadãos responsáveis e consumidores conscientes. Diante de tal perspectiva, nenhum anúncio dirigirá apelo imperativo de consumo diretamente à criança. E mais:

I – Os anúncios deverão refletir cuidados especiais em relação a segurança e às boas maneiras e, ainda, abster-se de:

a. desmerecer valores sociais positivos, tais como, dentre outros, amizade, urbanidade, honestidade, justiça, generosidade e respeito a pessoas, animais e ao meio ambiente;

b. provocar deliberadamente qualquer tipo de discriminação, em particular daqueles que, por qualquer motivo, não sejam consumidores do produto;

c. associar crianças e adolescentes a situações incompatíveis com sua condição, sejam elas ilegais, perigosas ou socialmente condenáveis;

d. impor a noção de que o consumo do produto proporcione superioridade ou, na sua falta, a inferioridade;

e. provocar situações de constrangimento aos pais ou responsáveis, ou molestar terceiros, com o propósito de impingir o consumo; f. empregar crianças e adolescentes como modelos para vocalizar apelo

direto, recomendação ou sugestão de uso ou consumo, admitida, entretanto, a participação deles nas demonstrações pertinentes de serviço ou produto;

g. utilizar formato jornalístico, a fim de evitar que anúncio seja confundido com notícia;

h. apregoar que produto destinado ao consumo por crianças e adolescentes contenha características peculiares que, em verdade, são encontradas em todos os similares;

i. utilizar situações de pressão psicológica ou violência que sejam capazes de infundir medo.

II - Quando os produtos forem destinados ao consumo por crianças e adolescentes seus anúncios deverão:

a. procurar contribuir para o desenvolvimento positivo das relações entre pais e filhos, alunos e professores, e demais relacionamentos que envolvam o público-alvo;

b. respeitar a dignidade, ingenuidade, credulidade, inexperiência e o sentimento de lealdade do público-alvo;

c. dar atenção especial às características psicológicas do público- alvo, presumida sua menor capacidade de discernimento;

d. obedecer a cuidados tais que evitem eventuais distorções psicológicas nos modelos publicitários e no público-alvo;

e. abster-se de estimular comportamentos socialmente condenáveis. III - Este Código condena a ação de merchandising ou publicidade indireta contratada que empregue crianças, elementos do universo infantil ou outros artifícios com a deliberada finalidade de captar a atenção desse público específico, qualquer que seja o veículo utilizado.

IV - Nos conteúdos segmentados, criados, produzidos ou programados especificamente para o público infantil, qualquer que seja o veículo utilizado, a publicidade de produtos e serviços destinados exclusivamente a esse público estará restrita aos intervalos e espaços comerciais.

V – Para a avaliação da conformidade das ações de merchandising ou publicidade indireta contratada ao disposto nesta Seção, levar-se-á em consideração que:

a. o público-alvo a que elas são dirigidas seja adulto;

b. o produto ou serviço não seja anunciado objetivando seu consumo por crianças;

c. a linguagem, imagens, sons e outros artifícios nelas presentes sejam destituídos da finalidade de despertar a curiosidade ou a atenção das crianças.

Parágrafo 1º: Crianças e adolescentes não deverão figurar como modelos publicitários em anúncio que promova o consumo de quaisquer bens e serviços incompatíveis com sua condição, tais como armas de fogo, bebidas alcoólicas, cigarros, fogos de artifício e loterias, e todos os demais

igualmente afetados por restrição legal.

Parágrafo 2º: O planejamento de mídia dos anúncios de produtos de que trata o inciso II levará em conta que crianças e adolescentes têm sua atenção especialmente despertada para eles. Assim, tais anúncios refletirão as restrições técnica e eticamente recomendáveis, e adotar-se-á a interpretação mais restritiva para todas as normas aqui dispostas. Nota: Nesta Seção adotaram-se os parâmetros definidos no art. 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90): “Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.” (grifo nosso)

As determinações acima explanadas vão ao encontro das disposições presentes no Código de Defesa do Consumidor, bem como da compreensão de que a criança é pessoa em desenvolvimento, conforme consta no Estatuto da Criança e do Adolescente, e duplamente vulnerável como explicado anteriormente. O problema como se verá ao decorrer deste capítulo, é o setor publicitário seguir isso efetivamente na prática.

Além disso, o anexo H do referido código contém diretrizes quanto à publicidade de alimentos direcionada às crianças, segundo as quais é necessário que: (i) o uso de personagens ou apresentadores do universo infantil na publicidade seja feito apenas nos intervalos comerciais (tendo em vista a incapacidade da criança em diferenciar a mensagem de caráter publicitário do conteúdo editorial da programação infantil); (ii) a publicidade não se utilize de crianças excessivamente gordas ou magras em suas publicidades; e (iii) a publicidade se abstenha de qualquer estímulo imperativo de compra ou consumo.

Nesse aspecto, boletim do CONAR informa que entre 01/09/2006 e 31/05/2012, 298 casos envolvendo publicidade de produtos e serviços para crianças e adolescentes foram abertos, sendo que destes, 186 resultaram em penalização do anunciante e da agência por entender o conselho que teriam ultrapassado os limites autorregulamentares.38

Superada essa questão, o modelo estatal, em contrapartida, defende que a publicidade, por ser uma atividade de interesse social, não pode ficar sem a intervenção do Estado. Assim, ainda que a autorregulamentação tenha alcançado êxito em muitos casos, em outros, somente o exercício estatal é capaz de banir os abusos da publicidade, sendo, portanto, um controle externo necessário e que pode ser feito pela via administrativa, legislativa, ou jurisdicional, compreendendo a criação de normas, a fiscalização do cumprimento destas, bem como a punição por eventuais infrações e descumprimentos.

Por fim, o modelo misto de controle da atividade publicitária defende que a autorregulamentação somente não é suficiente, assim como, a intervenção estatal isoladamente também não o é, motivo pelo qual o controle deve ser exercido tanto pelo Estado, como pelo próprio mercado, um complementando o outro, configurando-se então uma dupla ordem de proteção, o que proporcionaria tanto a responsabilidade individual e coletiva, como também a empresarial do setor publicitário.