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A Química Medicinal caracteriza-se por estudar as razões moleculares da ação dos fármacos, a relação entre a estrutura química e a atividade biológica/farmacológica, além do planejamento racional de novos fármacos. Em função dos múltiplos fatores envolvidos na resposta terapêutica de um fármaco, torna-se necessário a interdisciplinaridade fundamentada na química orgânica, farmacologia e química computacional (BARREIRO, 2002; BARREIRO, 2015).

A identificação de compostos bioativos, que possam ser estruturalmente modificadas para adequação de propriedades que conduzam a um elevado potencial terapêutico, é um dos maiores desafios no planejamento racional de novos candidatos a fármacos. Geralmente, o alvo terapêutico é representado por uma enzima ou receptor e o planejamento do novo ligante é realizado introduzindo-se modificações moleculares clássicas no substrato natural e/ou sintético, já conhecido para este receptor (BARREIRO e BALZANI, 2009).

As estratégias clássicas de modificação molecular para o planejamento de ligantes são: bioisosterismo, hibridação molecular, simplificação molecular, química computacional e combinatória (QSAR e modelagem molecular) (SILVA, 2014). Entre as estratégias mais utilizadas encontra-se a hibridação molecular. Essa técnica é baseada no reconhecimento das subunidades farmacofóricas da estrutura química de dois ou mais compostos bioativos conhecidos e que através da fusão dessas subunidades forma-se uma nova entidade química híbrida (NCE, do inglês new chemical entity). O composto derivado resultante apresenta o esqueleto molecular que mantém as características das moléculas originais (SAMALA et al., 2014).

Diversos trabalhos envolvendo hibridação molecular foram publicados. Recentemente, nosso grupo de pesquisa (OLIVEIRA et al., 2015) sintetizou uma nova entidade química

proveniente da hibridação molecular entre a tiossemicarbazona presente na estrutura do fármaco antitumoral Triapina® e o núcleo tiofeno farmacóforo do antineoplásico Raltitrexede, obtendo o derivado tiofeno-2-tiossemicarbazona (Figura 7). Este híbrido apresentou atividade antitumoral in vivo e citostática revelando-se um composto promissor candidato a fármaco anticâncer.

Figura 7 – Estrutura química do derivado tiofeno-2-tiossemicarbazona obtido por hibridação molecular.

Outras estratégias fundamentadas no conhecimento das estruturas dos alvos moleculares ou dos complexos ligante-receptor permitem o planejamento de fármacos baseado na estrutura do receptor (SBDD, do inglês structure-based drug design). Em contraste, quando a estrutura do alvo eleito não é conhecida, métodos de planejamento de fármacos baseado na estrutura do ligante (LBDD, do inglês ligand-based drug design) podem ser utilizados. Em muitos casos, o uso integrado de estratégias de SBDD e LBDD pode fornecer informações úteis no planejamento de NCE, por meio da sinergia e complementaridade de conhecimentos entre as estratégias (GUIDO et al., 2008; ANDRICOPULO et al., 2009).

Uma nova abordagem no planejamento de fármacos baseia-se em múltiplos alvos terapêuticos (MTDD, do inglês multi-target drug design) e parece ser promissora devido a crescente evidência das doenças complexas multifatorias, como as neurológicas, infecciosas e o câncer serem consideradas poligênicas e englobarem várias proteínas sinalizadoras. O desenvolvimento do MTDD constitui em duas estratégias: a combinação de farmacóforos de ligantes alvo-único e o screening de compostos através da aplicação simultânea de múltiplos

modelos computacionais para identificar moléculas bioativas com diferentes atividades biológicas (BOTTEGONI et al., 2012; LAVECCHIA e CARMEN, 2016).

As principais vantagens do MTDD consistem em atenuar os problemas farmacocinéticos, reduzir as interações entre fármacos e amenizar a resistência farmacológica. Diversos trabalhos mostraram que a estratégia MTDD geralmente exibe um maior sinergismo, em comparação com a associação de vários fármacos (LECOUTEY et al., 2014; SHANG et al., 2014).

Embora o MTDD seja potencialmente reconhecido na perspectiva da química medicinal, ainda representa um grande desafio para o planejamento de novos fármacos. Isto se deve aos problemas relacionados com a identificação e otimização de uma série de compostos destinados a múltiplos alvos ainda continuarem insolucionáveis (PRATI, ULIASSI e BOLOGNESI, 2014).

3.8 Indol

A química do indol teve inicio com a investigação da estrutura do índigo, um corante azulado extraído de plantas do gênero Indigofera. Em 1866, Baeyer e Knop sintetizaram pela primeira vez o indol a partir da reação de oxidação do índigo, obtendo-se a isatina seguido por duas etapas de redução, formando o intermediário oxi-indol e por fim o indol (Esquema 1) (GRIBBLE, 2007).

O indol é um sistema aromático que possui dez elétrons pi obtidos pela deslocalização do par de elétrons no átomo de nitrogênio. É um composto fracamente básico e seu ácido conjugado é forte (pKa= -2.4) (SARKER e NAHAR, 2009).

O anel indólico existe em duas formas tautoméricas: 1H- e 3H- indol (Figura 11). O 1H-indol possui o grupo NH, fracamente ácido com o valor de pKa em 16.82 (25Cº), sabe-se que sua ligação com íons metálicos alcalinos e reagentes Grignard forma-se sais por desprotonação (OMOTE et al., 1969). No 3H-indol o átomo de nitrogênio (N-1) é considerado como nitrogênio imínico e o átomo de carbono (C3) torna-se carbono sp3, de modo que o comportamento de 3H-indol em direção a íons metálicos pode ser diferente do 1H-indol devido a coordenação do nitrogênio imínico e a ressonância do 1H-indol não favorecer sua ligação à íons metálicos (YAMAUCHI et al., 1990).

Esquema 2 – Formas tautoméricas do indol.

Para a obtenção de derivados indólicos a reação de Fisher é utilizada como método de síntese para uma variedade de intermediários indólicos e compostos biologicamente ativos (JOULE e MILLS, 2010).

A síntese de Fischer (Esquema 3) enoliza a N-arilhidrazona em indóis. Em diversas situações, a reação de indolização é realizada por simples aquecimento da cetona ou aldeído e arilhidrazina com o apropriado ácido ou catalisador ácido sem isolar o intermediário hidrazona. A vantagem consiste na inclusão de amplos grupamentos funcionais no anel aromático (HUMPHREY e KUETHE, 2006).

O mecanismo envolve o rearranjo do tautômero enehidrazina a bis- iminobenzilcetona. Ocorrendo ciclização e aromatização com perda de amônia, originando o produto indol (HUGHES, 1993).

Esquema 3 – Síntese de Fisher.

Outro modo de obtenção de indóis consiste na ciclização de Madelung (Esquema 4), uma abordagem usual para síntese de indol sem grupamentos funcionais. Por exemplo, o aquecimento de diamida (A) com tert-butóxido de potássio (t-BuOK) como sendo o método de escolha para preparação de 2,2-bis-indolil. O controle das condições reacionais é crucial a fim de otimizar os resultados (KATRITZKY et al., 2008).