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. ENUNCIADO FONTE ATRIBUIÇÃO E OPOSIÇÃO

1. “(...)[os negros introduzidos no Pará] não eram feios como os da corrente aberta não há muito de Barbados para Belém. (...) Typos estes de cara antiphatica, mesclaram a seleção que se fazia no pardavasco aqui nascido”.

Bibliografia (Raymundo Moraes, 1932?, p. 140- 141)

Pretos, feios, estrangeiros, que atrapalhariam a miscigenação

(branqueamento) no Pará. Pensados por oposição aos negros do Pará, já

mestiçados (de “semblante alegre” e “feição branda”, caracterizados por “brandura e bondade”), e tidos, por isso, como fator de civilização

2. “aquela negra [de Caiena], que fala diferente [francês] não pode ser francesa; ela é barbadiana”. “(...) eles trabalhavam nos portos. A Port of Pará era dos ingleses. Os barbadianos falavam inglês. Daí que eles traziam eles, era mais fácil”

Conversa informal com Zélia Amador de Deus, em referência a terceiros Conversa informal com José Mesquita dos Santos.

Ser negro e falar diferente, falar outra língua, mas ser colonizado, subalterno, que trabalha para ingleses Pensados por oposição ao estrangeiro colonizador, “superior”, principalmente o inglês

3. “eu não sou uma negra, sou uma barbadiana” “esses negros (...) galgaram posição social (...). São geralmente industriosos”

Conversa informal com militante do CEDENPA, referindo sua mãe

Bibliografia (Salles, 1971)

Não ser um negro qualquer, mas de tipo superior, inteligente, que ascendeu socialmente Pensados por oposição aos negros brasileiros, inferiores/inferiorizados pela cor/raça e pela situação no mercado de trabalho, marcados pelo passado da escravidão 4. “esses negros, ostentando nomes anglo-saxônicos e

falando o idioma inglês, chegaram em condições bastante favoráveis e galgaram posição social em diferentes setores: arte, magistério, economia, etc.”

Bibliografia (Salles, 1971) Negro que não é daqui, e não é como os ex- escravos, ascendeu; ostenta nomes ingleses. Pensado por oposição aos escravos africanos e suas atividades

manuais/braçais.

* As atribuições aqui apresentadas são resultado da listagem feita a partir da bibliografia que refere à presença dos barbadianos no Pará, bem como das conversas informais com pessoas a quem esta categoria não recobre.

Nele já aparecem questões muito pertinentes para uma discussão sobre identidade, como a importância da língua nas identificações dos barbadianos e seus descendentes, sendo um elemento recorrente nas suas histórias de vida. 46 Estes últimos receberam dos pais não só os traços físicos, mas também culturais, que revelavam aos outros, por exemplo: ao falar inglês fluentemente (o que garantiu para muitos deles a entrada no mundo do trabalho, tal qual os pais), ou ostentar nomes ingleses, embora os mesmos acabassem sendo aportuguesados pelas pessoas “que não sabiam pronunciá-los corretamente”, como afirmou um dos informantes. 47 Considerando os diferentes depoimentos, é possível concordar com Fredrik Barth que afirma ser a língua um dos sinais manifestos da identidade étnica, isto é, um dos signos que as pessoas exibem para mostrar sua identidade, sobretudo em situações de contato, interação social.48 De fato, nossos informantes destacaram como significativa a ascendência barbadiana (aspecto positivo desta identidade), que lhes propiciou, pela convivência com os pais, uma habilidade com a língua inglesa que os diferenciava das demais pessoas da cidade, mesmo as que eram suas colegas de trabalho, permitindo com que se perceba a “conveniência de se manter uma distinção”.49

Mas, não só a língua. A religião, as roupas e/ou a forma de usá-las e os costumes, são aspectos que contornam a identidade barbadiana, ou melhor, as identificações das pessoas que entrevistei e daquelas de quem se tem as memórias, as quais oscilam entre outras identidades, mais precisamente, neste sentido, entre a inglesa e a brasileira. Precisei “convidar” diferentes autores para “ler” comigo tantas histórias, que entrelaçam identidades e memórias. No terceiro capítulo, foi preciso fazer os informantes contar suas histórias no mundo do trabalho, apresentando os ofícios a que se dedicaram, atentando para as diferenças de uma geração a outra, entre homens e mulheres. Com suas famílias, no lar e fora dele. Pela cidade,

46 Definida como “(...) o relato de um narrador sobre sua existência através do tempo, tentando reconstituir os

acontecimentos que vivenciou e transmitir a experiência que adquiriu. Narrativa linear e individual (...), através dela se delineiam as relações com os membros de seu grupo, de usa profissão, de sua camada social, de sua sociedade global, que cabe ao pesquisador desvendar.” De forma simplificada, trata-se de “(...) uma técnica (qualitativa) de coleta de material, que exige muitos encontros entre o pesquisador e o narrador” e que “(...) capta o que sucede na encruzilhada da vida individual com o social (...)”, como pode ser conferido em: QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. “Relatos Orais: do “indizível” ao “dizível””. In: SIMSON, Olga de Moraes von (Org.).

Experimentos com Histórias de Vida: Itália/Brasil. São Paulo: Vértice/Editora Revista dos Tribunais, 1988, pp. 20 e 36.

47 James Burnett, em entrevista realizada em 30 de outubro de 2004.

48 Cf: BARTH, Fredrik. “Os Grupos Étnicos e Suas Fronteiras”. In: O Guru, o Iniciador e Outras Variações

Antropológicas. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2000, pp. 25-67.

49 Cf: CUNHA, Manuela Carneiro da. Negros Estrangeiros. Os escravos libertos e sua volta à África. São Paulo:

Brasiliense, 1985; BOURDIEU, Pierre. “Gostos de Classe e Estilos de Vida”. In: Pierre Bourdieu: sociologia. Organizado por Renato Ortiz. São Paulo: Ática, 1983, pp. 82-121.

envolvidos em várias atividades. Mas também nas igrejas, como a IEAB, da qual há a memória de lugar da “colônia”. Aos poucos, ao contarem sobre si e sobre os outros, barbadianos ou não, acabaram evidenciando em que contextos e situações é possível pensá-los como grupo ou não, como barbadianos, ingleses ou brasileiros, tudo isso dependendo das relações estabelecidas por eles,50 e revelado nas suas auto-atribuições e nas atribuições dos outros, agora passadas pelos filtros da memória.51

No capítulo final, considerando tudo que disseram, ou melhor, o que puderam e quiseram contar sobre suas experiências, também sobre preconceito, discriminação e racismo,52 demonstro de que forma foi possível perceber quando, como e por que os mesmos sinais que serviam para marcar suas diferenças, como símbolos de prestígio, acabavam também funcionando como símbolos de estigma,53 daí o jogo identitário entre ser visto e sentir-se com brasileiro, barbadiano ou inglês, sendo negro, preto ou moreno.

50 Cf: BARTH, 2000; CARDOSO DE OLIVEIRA, Roberto. Identidade, Etnia e Estrutura Social. São Paulo:

Pioneira, 1976.

51 Cf: POLLAK, Michael. “Memória, esquecimento e silêncio”. In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 2,

n.3, 3-15, 1989; “Memória e Identidade Social” In Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol.5, n.10, 1992, pp. 200-212; BOSI, Ecléa. “A Substância Social da Memória” In Memória e Sociedade: lembranças de velhos. São Paulo: T. A. Queiroz, EDUSP, 1987, pp. 329-386.

52 Cf: MOTTA-MAUÉS, 1997; GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo. Classes, Raças e Democracia. São

Paulo: Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo/Ed. 34, 2002, pp. 170 e seguintes.

53 Cf: GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro:

Capítulo 2

QUEM SÃO ELES? QUEM SOMOS NÓS? “BARBADIANOS”, DIANTE DOS