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Quadro 2 – Ciência, Educação Física, Ciências do Esporte e Esporte no Brasil entre 1978 e 1993:

1978-1985 - A ciência e a prática científica são neutras e “possuem” a verdade. - Fazer ciência é medir e comparar dados.

- Educação Física é capacitar fisicamente os indivíduos. É praticar atividade física sistemática ou assistematicamente.

- As ciências do esporte são as diversas ciências instrumentalizando a “melhor” forma de fazer atividade física e praticar esportes.

- Esporte é a prática de uma modalidade esportiva. É fazer uma atividade física sistemática ou assistematicamente.

1985-1989 - A ciência e a prática científica são instâncias ideológicas que devem trabalhar para a “transformação social”.

- Fazer ciência é analisar um dado fenômeno de forma a possibilitar uma interferência no mesmo visando conservá-lo ou transformá-lo.

- Educação Física é uma atividade escolar que deve saber oferecer e avaliar experiências motrizes adequadas à faixa etária e à individualidade de cada aluno, calcada nos princípios fisiológicos e neuromotores.

- As “ciências do esporte” são a educação física transformada em ciência, tenha ela o predicativo de “do movimento”, “da motricidade humana”, “do esporte” (no singular) ou “da Educação Física”.

- Esporte é uma “parte” da Educação Física que deve ser ensinado na escola com base nas capacidades e potencialidades de cada aluno e sua faixa etária.

1989-1993 - A ciência deve discutir na sua dimensão epistemológica a sua dimensão ideológica. - Fazer ciência é analisar e teorizar um dado fenômeno, buscando instrumentalizar uma possível e necessária intervenção no real.

- Educação Física é uma disciplina curricular que deve tematizar o movimento humano, a cultura física e/ou a cultura corporal.

- As “ciências do esporte” são a assunção valorativa de que é possível e necessário tratar do ponto de vista científico fenômenos referentes à prática pedagógica, à prática de atividades esportivas, o esporte, o lazer, o movimento, o corpo etc.

- O esporte pode ser um conteúdo tematizado na escola pela disciplina de EF, na sua prática e na elucidação desse fenômeno como um dos fenômenos sócio-culturais mais significativos da modernidade, que se relaciona diretamente com a EF na medida em que se liga às discussões sobre o lazer.

Fonte: Paiva (1994, apud BRACHT, 2009) NASSER (1995) relembra que na década de 70 houve por parte do Governo Federal incentivos para a criação de laboratórios, seguindo a tendência mundial de cientifização do esporte. Professores eram enviados ao exterior e estrangeiros convidados a vir ao Brasil para o intercâmbio de conhecimento na área.

Os intercâmbios patrocinados na época pelo Ministério de Educação e Cultura (MEC) através de programas propostos pelo Departamento de Desportos (DED) promoveu a vinda de alguns professores que ministraram alguns cursos de formação, atualização e especialização, como foi o caso da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade de Santa Maria (UFSM) que promoveram curso de especialização em biomecânica tendo como ministrante o Prof Dr.. Hartmut Riehle da Universidade de Konstanz, Alemanha. (NASSER, 1995, p. 73).

O I Encontro de professores de Cinesiologia e Biomecânica foi realizado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em 1989 e reuniu 100 congressistas. No mesmo ano houve o I Encontro Mineiro de Professores de Cinesiologia e Biomecânica e em 1992 a Sociedade Brasileira de Biomecânica (SBB) foi criada durante o IV Congresso Nacional de Biomecânica (NASSER, 1995).

Mas isso não significa, contudo, que a área de abrangência da Ciência do Esporte seja claramente delimitada ou aceita sem restrições no País. Pelo contrário. Os teóricos brasileiros, especialmente ligados à Educação Física como pedagogia, discutem acirradamente a validade da área. Santin aponta alguns questionamentos em relação à temática:

A expressão Ciências do Esporte referem-se a que ciências? Quais e quantas seriam? Como podemos nos assegurar de que tal ciência pode ser identificada como Ciência do Esporte? Fica evidenciado que a expressão Ciências do Esporte não consegue delimitar claramente sua abrangência. Assim precisamos nos perguntar o que constitui uma ciência, como Ciência do Esporte? São as ciências que se constituíram sobre o esporte ou, em outras palavras, as ciências que tem no esporte seu objeto específico? Ou seriam todas as ciências que podem ser aplicadas às praticas esportivas? (SANTIN, 1995, p. 8).

Para Santin (1995) o cientificismo trata o fenômeno esporte como algo controlável. “Numa palavra, o esporte é um fato humano, portanto, irredutível ao fato físico. O praticante do esporte nunca pode ser uma máquina reduzível a fórmulas de Física ou estruturas mecânicas.” (SANTIN, 1995). Outro crítico proeminente da cientifização da educação física é Valter Bracht, que discute a crise de identidade sofrida pela Educação Física pós década de 60:

Parece-me claro, que hoje não é possível diferenciar a identidade epistemológica de uma ou de outra, nem sequer identidade própria. Dai também, alguns autores proporem, como solução, uma 'nova ciência': a do movimento humano ou da motricidade humana, ou ainda, como foi o caso da Alemanha, a Ciência (no singular) do Esporte. Isso significaria poder concretizar uma identidade epistemológica nova e própria. (BRACHT, 1995, p. 31).

Para ele, as ciências do esporte não se unem a um mesmo objeto científico, não possuindo identidade epistemológica própria, enquanto a Educação Física, tendo Esporte como uma de suas áreas, pode também ser tratada cientificamente. Por isso refere-se a Ciências do Esporte no plural, já que não crê em uma unificação entre as áreas nem um referencial teórico- metodológico único sobre esporte e movimento humano.

Assim, o apelo para a cientificação da EF é problemática porque a racionalidade cientifica (tradicional) é limitada em relação às necessidades de fundamentação de sua prática – o que indica a superação do modelo tradicional de racionalidade científica – e sofre, ao mesmo tempo, o abalo da nova filosofia da ciência que é relativista no sentido de não reconhecer superioridade na racionalidade científica frente às outras formas de conhecer a realidade. (BRACHT, 2003, p. 39).

Apesar do conflito, atualmente é uma área estabelecida e nesta pesquisa utilizaremos o singular Ciência do Esporte, por acreditar que se trate de um conjunto coeso, conforme definição apresentada por Betti:

Os defensores da matriz pedagógica, preocupados com o desaparecimento da Educação Física, buscam resguardá-la no interior da Escola, restringindo o seu alcance conceitual, quando deveriam buscar ampliá-lo. Perdem igualmente a Educação Física quando a encontram. Antagonizam com o Esporte, hostilizam as Academias, criticam as bases epistemológicas das ciências da Natureza e associam a si próprios com as Ciências Humanas (e instalam aí uma outra dicotomia...). (BETTI, 1997, p. 10).

Também se optou por esta vertente por acreditar ser ingênuo reduzir a ciência do esporte à dominância de seu conteúdo “exato”. Transformar o corpo humano em “máquina reduzível a fórmulas de física ou estruturas mecânicas” é menos uma problemática intrínseca à ciência do esporte do que aos ecos profundos da cultura que ressoam na humanidade como um todo. Compreender em profundidade a ciência do esporte é ter em mente conteúdos filosóficos, éticos, antropológicos e sociais que não são, de forma alguma, reduzidos a uma fórmula matemática.