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Fonte: Pesquisa de campo 2007.

3.3.4 A multifuncionalidade67

Coriat (1994) analisa a origem das práticas toyotistas empregadas no início dos anos 1950 no Japão, e aponta o movimento de des/especialização dos operários profissionais e qualificados para transformá-los em trabalhadores multifuncionais como um movimento de racionalização do trabalho, de aumento da intensidade do trabalho. Desde então, essa forma de racionalização do trabalho estendeu-se pelo mundo, como um dos pilares da reestruturação produtiva, na qual se materializa o capital para se reproduzir.

Esse autor sublinha que o movimento de des/especialização, tem início quando os trabalhadores da Toyota passaram a comandar várias máquinas que foram agrupadas num mesmo lugar, dessa forma, a des/especialização e a intensificação do trabalho ocorrem de maneira simultânea.

A racionalização do trabalho com base no maior rendimento possível do trabalho vivo centra-se não na repetição de tarefas, mas na sua ampliação. “Baseando-se na manipulação ou na observação simultânea de várias máquinas diferentes, esta via permitia, eficazmente, maximizar as taxas de ocupação das ferramentas e dos homens” (CORIAT, 1994, p. 55).

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Encontramos as palavras multifuncionalidade e polivalência, ora como sinônimas, ora a segunda como oposto de especialização, entretanto o uso mais recorrente é da segunda na acepção ideológica toyotista, portadora de virtude de recomposição da unidade teoria/prática, criação/execução, pensamento/ação rompidos com o fordismo/taylorismo. Optamos pela primeira por compreender que no âmbito das exigências do e no trabalho ocorre uma adição de tarefas, e não um enriquecimento, como pretende o projeto hegemônico do capital.

Guimarães (1995) lembra que, na multifuncionalidade as tarefas são semelhantes do ponto de vista do conteúdo e da qualificação exigida, de modo que a natureza intrínseca do trabalho não sofre alteração. Com freqüência os faccionistas compararam a atividade de costura nas várias máquinas com dirigir “se você dirige um carro vai saber dirigir qualquer tipo de carro”. Na mesma direção, Francisco Teixeira (1998, p.67) afirma que “a nivelação geral das operações permite o deslocamento dos trabalhadores, efetivamente ocupados, de uma máquina para outra em tempo muito breve e sem a necessidade de um adestramento especial68”.

Esses argumentos se opõem às teorias que afirmam que a multifuncionalidade, enquanto técnica toyotista, enriquece o saber dos trabalhadores. Também as entrevistadas declararam não terem sido recompensadas por operar mais máquinas, haja vista as perdas salariais e as condições de trabalho. O campo empírico evidenciou o aumento nas tarefas de supervisão e controle do trabalho.

Agências formadoras como o SENAI, nos revelaram que o empresariado busca um trabalhador que faça várias tarefas:

Ele quer um profissional que atue na modelagem, mas se a costureira faltou, vá para máquina, que se o pessoal do PCP faltou também vá para lá, que entenda de vendas, mas agora ele não quer investir nesse funcionário, ele não quer fazer isso (coordenadora do setor do vestuário SENAI).

Após essas breves considerações, passemos ao contexto da multifuncionalidade do campo empírico:

a) A multifuncionalidade na empresa: Caracteriza-se pelo acúmulo de diferentes ocupações e/ou funções e tarefas:

Pretendo estudar, fazer contabilidade, porque eu trabalho aqui com três funções, contabilidade, administração e PCP, então eu trabalho no meio dessas três [....] então eu optei por contabilidade porque é a que eu preciso me aperfeiçoar mais, preciso aprender mais. (recepcionista de mercadorias)

Neste caso a manutenção do emprego associa-se à busca de complementação ou atualização técnico-profissional, ainda que isso não signifique automaticamente garantia de permanência e/ou promoção no emprego.

b) A multifuncionalidade nas terceirizadas:

Nas terceirizadas a multifuncionalidade está restrita à operação e manutenção de diversos tipos de máquinas de costura, pela rotação das tarefas nessas máquinas. Nas

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entrevistas, porém transpareceu o fato de que, quando essas operações implicam em programação de pontos na máquina de costura eletrônica, as costureiras com freqüência não detém esse conhecimento, sendo então necessário chamar a encarregada.

O trabalhador realiza múltiplas atividades, incluindo a manutenção das máquinas e equipamentos:

[...] se a máquina estraga tem que esperar o outro dia [....] ainda bem que a nossa encarregada é bem metida, ela tenta ver o que consegue fazer, igual sexta feira aconteceu isso, a minha máquina costurava um tanto assim e depois ficava sem costurar, aí a gente foi ver que o dente embaixo afrouxou o parafuso e na hora de puxar a peça não costurava, aí a gente começou a mexer, mexer e arrumamos, nós mesmos, a gente tem que aprender (costureira 03 empresa).

[...] eu aprendo vendo com o pessoal que vem fazer a manutenção [...] o técnico vem e arruma aquela válvula, eu já vi ele arrumando, da próxima vez a gente compra a válvula e eu mesmo troco (estampador).

[...] eu limpo ela, (máquina) cuido pra ver se tem óleo ou se não tem, regulo ela pra fazer os tipos de serviço, pra franzir que é outro pé [... ] a cada tecido que entra a gente pega com a pinça e limpa lá dentro (costureira facção 02).

Os depoimentos seguintes revelam que os saberes nesses ambientes são construídos e reconstruídos constantemente:

A encarregada ensina, mas a gente na máquina às vezes sabe mais que ela, e a gente vai descobrindo, trabalhando a gente vai descobrindo (costureira facção 01).

[...] O meu pessoal trabalha assim, uma só prega manga, outra fecha só lateral [...] mas se eu precisar tirar essa que prega manga pra fazer lateral, como ela é mais prática na manga, ela vai ser mais lenta pra fechar lateral, mas se precisar ela faz. (faccionista 05).

Segundo a ABRAVEST, cerca de 80% do trabalho produtivo envolve a operação de costura, persistindo a relação 1 máquina = 1 posto de trabalho, porém a reestruturação produtiva rompeu com essa relação. A costureira precisa operar em várias máquinas, de modo que a quantidade de máquinas aumenta e diminui o número de trabalhadores no mesmo ambiente, na empresa, por exemplo, encontramos doze máquinas e oito costureiras. A foto a seguir, retrata o momento que a costureira troca de máquina, na facção 06.

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