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2 ENSINO/APRENDIZAGEM DA PRODU ÇÃO ORAL: PRESSUPOSTOS

2.2 PERSPECTIVA ACIONAL-CULTURAL

2.2.1 Quadro Europeu Comum de Refer ências para as Línguas

Em virtude da consolidação da União Europeia, facilitando a mobilidade entre as pessoas dos países que a compõe, o Conselho da Europa (CE)2524 percebeu

que seria necessário elaborar um documento que pudesse servir como referencial para o ensino/aprendizagem de línguas. A elaboração deste documento durou 10 anos (1991-2001) e teve a colaboração de várias entidades reconhecidas pela qualidade de suas pesquisas em Didática das Línguas, tais como: CREDIF (França), Fundação Eurocentres e Fundo Nacional Suíço de Investigação Científica (Suiça), Centro Nacional de Línguas Estrangeiras dos EUA (ROSEN, 2007).

Em 2001, foi publicado o Quadro Europeu Comum de Referências para as Línguas-Aprendizagem, ensino, avaliação (doravante QECR ou Quadro). Este documento

25 Conselho da Europa é um organismo responsável por diferentes missões, dentre elas a de

[...] fornece uma base comum para a elaboração de programas de línguas, linhas de orientação curriculares, exames, manuais, etc., na Europa. Descreve exaustivamente aquilo que os aprendentes de uma língua têm de aprender para serem capazes de comunicar nessa língua e quais os conhecimentos e capacidades que têm de desenvolver para serem eficazes na sua actuação. A descrição abrange também o contexto cultural dessa mesma língua. O QECR define, ainda, os níveis de proficiência que permitem medir os progressos dos aprendentes em todas as etapas da aprendizagem e ao longo da vida (CE, 2001, p. 19).

O QECR tenta abranger o maior número de fatores que se pode encontrar quando se trabalha com línguas. Não é objetivo de quem o concebeu fazer dele “uma metodologia específica, [...] mas sim apresentar opções” (CE, 2001, p. 13), isto é, oferecer um suporte teórico que leve em conta as necessidades, motivações, características e recursos dos aprendentes (europeus) que estão imersos em uma Europa multilíngue e multicultural.

Profissionais do mundo inteiro que trabalham com a didática das línguas têm adotado os aportes teóricos difundidos na Europa. Enquanto representante da língua portuguesa neste continente, Portugal, tendo o QECR como norteador, elaborou em 2009 o Quadro de Referência para o Ensino de Português no Estrangeiro (QuaREPE) a partir do

[...] diagnóstico da situação do ensino, aprendizagem e avaliação dos cursos EPE (...) As informações obtidas, em que se incluem os dados recolhidos por inquéritos através de questionários, contribuíram para a compreensão da heterogeneidade do público- aprendente e das variáveis contextuais dos cursos do EPE (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO DE PORTUGAL, 2009, p. 5346)

Neste trabalho, utilizamos o QECR, e não o QuaREPE, devido a dois motivos: um deles é o fato de a América do Sul ainda não possuir um documento recente que possa servir de marco para o ensino/aprendizagem de línguas e outro porque a fundamentação teórica do QERC é mais consistente que a do QuaREPE: este parece ser mais um resumo sucinto do documento apresentado

pelo Conselho da Europa.

O Brasil, na década de 1990, publicou os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que visam oferecer um percurso para os professores de línguas. Porém, os parâmetros para o ensino de LE já têm quase vinte anos e não abrangem os mais recentes avanços na área, tanto no que concerne ao ensino-aprendizagem de línguas, quanto no que diz respeito à política linguística.

Tanto no cenário europeu, quanto no sul-americano é cada vez mais necessário desenvolver a capacidade dos aprendentes de comunicarem entre si, ultrapassando as fronteiras linguísticas e culturais. Isso exige uma abordagem plurilinguística e pluricultural, já que à medida que se aprende uma língua-cultura,

[...] a experiência pessoal de um indivíduo (...) se expande, da língua falada em casa para a da sociedade em geral e, depois, para as línguas de outros povos (aprendidas na escola, na universidade ou por experiência directa), essas línguas e culturas não ficam armazenadas em compartimentos mentais rigorosamente separados;pelo contrário, constrói-se uma competência comunicativa (CE, 2001, p. 23).

A finalidade do ensino de línguas é tornar os aprendentes competentes e proficientes na língua-alvo. Para que esta comunicação se dê de forma mais harmônica, o QECR fornece descrições de níveis comuns de referência que “permitem acompanhar os progressos dos aprendentes à medida que estes constroem a sua proficiência” (CE, 2001, p. 13), o que torna mais fácil, para aqueles que trabalham com o ensino de línguas, estabelecer o que os aprendentes deverão ser “capazes de fazer em diferentes contextos de uso (...) da língua-alvo” (p. 45). Com isso, será possível identificar as competências (orais e escritas) que os aprendentes conseguiram alcançar em um determinado estágio de sua aprendizagem.

Foram concebidos pelo Conselho da Europa seis níveis comuns de referências (A1, A2, B1, B2, C1, C2) que ajudarão as escolas de línguas e as instituições que elaborarão testes e/ou exames de proficiência. Abaixo,

apresentamos um quadro com a Escala Global dos níveis:

Quadro 2 - Níveis Comuns de Referência: Escala global

C2

É capaz de compreender, sem esforço, praticamente tudo o que ouve ou lê. É capaz de resumir as informações recolhidas em diversas fontes orais e escritas, reconstruindo argumentos e factos de um modo coerente. É capaz de se exprimir espontaneamente, de modo fluente e com exactidão, sendo capaz de distinguir finas variações de significado em situações complexas.

C1 É capaz de compreender um vasto número de textos longos e exigentes, reconhecendo os seus significados implícitos. É capaz de se exprimir de forma fluente e espontânea sem precisar de procurar muito as palavras. É capaz de usar a língua de modo flexível e eficaz para fins sociais, acadêmicos e profissionais. Pode exprimir-se sobre temas complexos, de forma clara e bem estruturada, manifestando o domínio de mecanismos de organização, de articulação e de coesão do discurso.

B2 É capaz de compreender as ideias principais em textos complexos sobre assuntos concretos e abstractos, incluindo discussões técnicas na sua área de especialidade. É capaz de comunicar com um certo grau de espontaneidade e de à-vontade com falantes nativos, sem que haja tensão de parte a parte. É capaz de exprimir-se de modo claro e pormenorizado sobre uma grande variedade de temas e explicar um ponto de vista sobre um tema da actualidade, expondo as vantagens e os inconvenientes de várias possibilidades.

B1 É capaz de compreender as questões principais, quando é usada uma linguagem clara e estandardizada e os assuntos lhe são familiares (temas abordados no trabalho, na escola e nos momentos de lazer, etc.). É capaz de lidar com a maioria das situações encontradas na região onde se fala a língua- alvo. É capaz de produzir um discurso simples e coerente sobre assuntos que lhe são familiares ou de interesse pessoal. Pode descrever experiências e eventos, sonhos, esperanças e ambições, bem como expor brevemente razões e justificações para uma opinião ou um projecto.

A2 É capaz de compreender frases isoladas e expressões frequentes relacionadas com áreas de prioridade imediata (p. ex.: informações pessoais e familiares simples, compras, meio circundante). É capaz de comunicar em tarefas simples e em rotinas que exigem apenas uma troca de informação simples e directa sobre assuntos que lhe são familiares e habituais. Pode descrever de modo simples a sua formação, o meio circundante e, ainda, referir assuntos relacionados com necessidades imediatas.

A1 É capaz de compreender e usar expressões familiares e quotidianas, assim como enunciados muito simples, que visam satisfazer necessidades concretas. Pode apresentar-se e apresentar outros e é capaz de fazer perguntas e dar respostas sobre aspectos pessoais como, por exemplo, o local onde vive, as pessoas que conhece e as coisas que tem. Pode comunicar de modo simples, se o interlocutor falar lenta e distintamente e se mostrar cooperante.

O número de níveis adotado visa refletir, de forma razoável e coerente, a progressão dos indivíduos no decorrer de sua aprendizagem. A elaboração desses pontos de referência é arborescente, pois

[...] a vantagem de uma abordagem em árvore é que um conjunto comum de níveis e/ou descritores pode ser dividido, nos níveis locais praticados, em diferentes pontos, por diferentes utilizadores, de forma a satisfazer necessidades locais e, contudo, manter uma relação com o sistema comum. Esta estrutura permite que se façam subdivisões sem perder de vista o objectivo principal estabelecido. Com um esquema flexível, em árvore, como este, as instituições podem desenvolver os ramos que considerem relevantes até ao grau de especificação desejado, de forma a organizarem os níveis utilizados pelo seu sistema em termos do QECR (CE, 2001, p. 60).

Além de fornecer uma base comum de níveis que permitirão checar e comparar as competências adquiridas pelos aprendentes em diferentes sistemas de ensino e certificação, o QECR tem como objetivo preparar “os aprendentes em classe, em uma abordagem fundamentada na realização de tarefas, para [eles] poderem se integrar em países da Europa em que eles serão levados a frequentar por um longo período [...] porque elas [as tarefas] fazem parte do processo de aprendizagem” (ROSEN, 2007, p. 23)26.