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1. INTRODUÇÃO

1.2 Análise de Discurso como Metodologia da Investigação

1.2.1 Quadro Teórico da Análise de Discurso

Comecemos pela definição mais cara a nossa investigação: o discurso. Na concepção de Maingueneau (2005, p.15): “uma dispersão de textos cujo modo de inscrição histórica permite definir como um espaço de regularidades enunciativas”. Essa concepção tem como base os estudos de Foucault (2008), o qual estabelece a seguinte definição para o discurso: “conjunto de enunciados que depende da mesma formação discursiva” (p.153). A ligação entre as duas concepções fica ainda mais evidente quando recuperamos de Foucault sua definição de formação discursiva ou FD,

No caso em que se puder descrever, entre um certo número de enunciados, semelhante sistema de dispersão, e no caso em que entre os objetos, os tipos de enunciação, os conceitos, as escolhas temáticas, se puder definir uma regularidade (uma ordem, correlações, posições e funcionamentos, transformações), diremos, por convenção, que se trata de uma formação discursiva ((FOUCAULT, 2008, p. 43).

É, portanto, através do entendimento de que todo discurso tem regularidades que Maingueneau aproxima sua definição do universo foucaultiano. Essas regularidades assinalam que as FD em relação às formações ideológicas (tratada de agora em diante por FI) estabelecem uma conexão sem a qual seria impossível determinar a função de um enunciado.

Ou seja, um discurso pertence a uma dada FD e FI ao manter regularidades ou dispersões para com outros discursos que também sejam reconhecidos como parte dessas FD e FI. Essas regularidades, ainda segundo o filósofo francês, autor de Arqueologia do Saber (2008), seriam: ordem, correlação, funcionamento e transformação, que fazem com que determinados enunciados sejam apontados como parte, por exemplo, de uma mesma ideologia ou como prefere Foucault de uma mesma FD.

De forma que a questão da ideologia, ou melhor, da FI se prende sempre a da FD, já que a primeira se define na sua relação com a segunda. Segundo Maria Helena Brandão (1997), podemos entender a noção de FI “como o conjunto de atitudes e representações ou imagens que os falantes têm sobre si mesmos e sobre o interlocutor e o assunto em pauta” (p.7). Segundo Maingueneau (1996), uma FI pode abranger várias FD (essas últimas carregadas por marcas linguísticas, temáticas ou posições ideológicas), as quais podem abarcar outras FD com quem dialoga, inclusive, formações diferentes, produtoras de sentidos diferentes.

conceito atrelado ao Marxismo, uma das disciplinas que deu forma ao quadro teórico da AD, em sua primeira fase, além da Linguística e da Psicologia. No entanto, Foucault preferiu criar o conceito de FD a trabalhar com o de FI. Para ele, ideologia era um termo repleto de significados. Quem trouxe esse conceito de Foucault para a AD foi justamente Pêcheux.

Segundo Maingueneau (1996), o uso do conceito de FD por Pêcheux na AD permitiu a propagação de que as FI incluem uma ou mais FD interligadas. Estabelecendo o que pode ou não ser dito por um sujeito em uma determinada posição social e num determinado contexto.

Assim sendo, essa estreita relação atribuída a FI e a FD fez com que AD utilizasse o conceito de FD de forma bastante pontual. Geralmente para designar os discursos políticos ou religiosos. Com o tempo, outros discursos se tornaram de interesse de seus analistas, além destes (jornalismo, propaganda, história, educação, etc.).

Some-se a isso, a propagação do conceito de interdiscursividade (BAKTHIN, 1992) no campo da linguagem, que aos poucos fez com que conceitos como FI e FD dessem lugar à noção de interdiscurso (BAKTHIN, 1992). Para Maingueneau (1996, p.62), “o interdiscurso é um conjunto de discursos (de um mesmo campo discursivo ou de campos distintos, de épocas diferentes)”. O que nos faz reconhecê-lo como o que já foi dito por uma determinada sociedade em uma dada época.

Retornando aos conceitos de discurso estabelecido por Maingueneau e Foucault, que acompanhamos no início deste item, eles nos dizem que entre a língua e o mundo existe o ato da enunciação, cujo produto é denominado de enunciado. É justamente o conjunto de enunciados, ao tratar de uma mesma FD que poderemos reconhecer como discurso. O que faz da AD um estudo que não tem como objeto a superfície linguística, mas os sentidos produzidos pela língua, que resultam em: relações de poder, identidades sociais, processos de inconsciência ideológica, etc.

O que traduz o discurso como uma ação social, levando Foucault (2008) a cunhar o termo práticas discursivas e assim defini-la: “um conjunto de regras anônimas, históricas sempre determinadas no tempo espaço, que definiram em uma dada época, e para uma área social, econômica, geográfica, ou linguística dada, as condições de exercício da função enunciativa”. (FOUCAULT, 2008, p. 43). Tais regras constituem o que Foucault (1998) chamava de a ordem do discurso, ou seja, uma hierarquização do valor de um dado discurso em sociedade geralmente atrelado ao poder social ocupado

pela disseminação de um determinado discurso.

É preciso ressaltar que, ao cunhar sua definição de FD, Foucault estava estabelecendo uma relação nova entre o poder e o saber - antes pensada por Bacon, em termos de: quanto mais saberes nós temos mais poderes reunimos -, em Foucault (1987,1998, 2000, 2008) essa relação será construída através do conceito de vontade de poder. O que transforma o saber (ou a vontade de verdade) em produção resultante da vontade de poder e ao mesmo tempo envolvida e atravessada por esse poder. De forma que tal vontade transforma o dito em saber (para Foucault, verdade). Consequentemente essa verdade é histórica. Construída por um dado momento e reconstruída a cada novo momento histórico.

Para muitos analistas do discurso, entre os quais Pêcheux (1995), discursos/saberes carregam as ideologias dos indivíduos. Ou melhor, não há discurso neutro, mesmo que habitualmente não seja possível identificar a autoria de um discurso. Assim, os discursos transportam anonimamente a ideologia, difundindo e fundindo-a com novos discursos. Como é impossível controlar tal expansão, os discursos acabam se unindo a discursos semelhantes e divergentes. O que esclarece a natureza conflituosa dos mesmos e dos sujeitos, que os carregam (MAINGUENEAU, 2005).

É importante lembramos ainda que, para Maingueneau (2005), o discurso não interfere sobre a realidade do mundo em si, por isso o que realmente importa em uma investigação, que pretende analisar um determinado corpus sobre a perspectiva da AD, é o uso que o sujeito faz de um discurso, ou seja, de que forma o uso dos discursos pelos sujeitos estabelece um efeito nas relações entre eles. Para a AD é através do discurso que conhecemos o sujeito, visto que o próprio Maingueneau (2005) nos informa que os sujeitos se constituem socialmente pelos discursos.

Mas é preciso frisar que o sujeito da AD não é propriamente um indivíduo, um ser empírico e sim uma concepção forjada pela sociedade, ideologia e história. O que faz AD denominá-lo de sujeito discursivo, que se ilude ao acreditar que é fonte de sentido, quando tratar-se apenas do resultado da interação entre muitas vozes, um ser heterogênero, segundo Pêcheux (1995).

Ao contrário do que diz a filosofia da linguagem tradicional, já que ela percebe o sujeito como fonte de tudo o que diz. Para viver essa ilusão, o sujeito discursivo precisa passar por dois tipos de esquecimento. O número 1, como denomina Pêcheux (1995), é de natureza ideológica, já que o sujeito tenta apagar inconscientemente tudo que não está de acordo com sua FD. Por isso, a filosofia propagou que o sujeito era a fonte de

tudo o que dizia. No número 2, o sujeito acredita que ao dizer algo, constrói apenas um significado para o dito. De forma que todos que o ouvem recepcionam o dito com um único significado conferido pelo sujeito em questão.

A filosofia tradicional, ao construir essa imagem, faz o sujeito responsável pela origem do que diz e capaz de resumir o dito a um único sentido, promovendo a ideia de um sujeito centralizado no mundo. Foucault (1985), no entanto, descentralizou o sujeito, ao nos advertir que tal sujeito produz um poder disciplinar através do discurso que: regula, vigia e governa o homem. Não apenas em termo de discurso, mas de corpo também. Tal controle visa à construção de um corpo e de uma mente dócil para promover o disciplinamento das sociedades modernas (FOUCAULT, 1985).

Portanto, essa relação intrínseca entre sujeito, linguagem, história e ideologia estabelece para a AD as condições de produção do discurso. O que equivale a dizer que as condições em que o discurso é produzido precisam ser estudadas para que o analista de discurso consiga produzir sua interpretação. É impossível desatrelar discurso do meio e do tempo em que ele foi produzido ou continua a se reproduzir.

Por essa razão, o quadro teórico da AD também é composto da memória, pois sem uma memória discursiva o dito não pode ser sustentado como discurso. Ou o interdiscurso (o já-dito) não pode ser identificado. A memória estabelece as relações de força (o lugar do qual parte o sujeito) e de sentido (ligações entre discursos) em um enunciado. Permitindo que o interdiscurso (o já-dito) se faça presente no intradiscurso (o que se está dizendo). (ORLANDI, 2010).

De maneira que não é possível confundir os conceitos de interdiscurso e intradiscurso com a ideia de interior e exterior. A relação se dá entre o passado e o presente, numa dependência que garante que o passado sobreviva por constituir parte do presente. Criando assim imagens que passam a circular em diferentes posições dentro do discurso ou de formações imaginárias. Definido, por sua vez, como um conjunto de representações que o sujeito faz de si e dos outros e isso interfere na construção dos sentidos. Sendo assim, os sujeitos criam imagens que serão determinantes em sua relação com o outro (ORLANDI, 2012).

Por isso ao decidir investigar os discursos dos docentes formadores de base dos cursos de licenciatura em letras das universidades federais de Pernambuco optamos pela AD. Por percebermos ser possível identificar através deste tipo de análise como o sujeito discursivo docente universitário significa a profissionalidade docente e, ao mesmo tempo, como esse sujeito docente se significa enquanto profissional diante do

discurso de mudança (ou inovações), pois só através desse tipo de análise poderemos determinar o sentido do discurso, enquanto interação social.

Entre todos os conceitos aqui destacados, é preciso estabelecer que, para a AD, a superfície linguística, ou texto, é muito importante, pois sem ela limitamos a possibilidade de interpretar textos verbais. Para Maingueneau (1997), não se pode negligenciar o léxico, mesmo quando a análise a ser realizada é a AD, uma vez que a identificação das formações discursivas de um texto muitas vezes é estabelecida a partir do uso de determinadas palavras caracterizadoras dessas formações. Palavras que estarão organizadas em enunciados afirmativos ou negativos. Para esses últimos, a AD dispensa uma atenção especial, de forma que subdivide tais enunciados em: negação metalinguística, polêmica e descritiva (MAINGUENEAU, 1997, p. 84). No primeiro deles, há uma negação dos pressupostos do locutor. No segundo, nega-se o enunciador do discurso e no terceiro o enunciado menos significativo, nele apenas se descreve o mundo.

Além das negações, interessa a AD os elementos argumentativos através dos mais diversos conectivos argumentativos presentes na superfície linguística de um texto vai construindo as relações discursivas:

A argumentação da linguagem se apoia frequentemente sobre o implícito: o implícito não é uma lacuna presente em uma alocução que, de direito, deveria ser explicitável, mas constitui uma dimensão essencial da atividade discursiva.

Os fenômenos para os quais estão voltados os trabalhos que tratam da argumentação na língua são muito variados: poderá ser uma estrutura interrogativa, uma negação, um advérbio de quantidade, uma interjeição, conectores, etc. [...] Não se trata de estudá-los por eles mesmos, mas de verificar o proveito que a AD pode tirar de sua análise sistemática (MAINGUENEAU, 1997, p. 160).

Compreenda-se, portanto, que trabalhar com a AD é ter o objeto-linguagem de uma forma diferente daquela realizada pelos estudos tradicionais, pois esse tipo de análise vê a língua como fenômeno linguístico e não como um produto acabado. O que exige que a língua seja concebida como social e histórica e capaz de promover a ação e a interação, por isso a AD trabalha com o discurso, porque é nele que se faz presente o social da linguagem, mas ao mesmo tempo não nega a importância da linguagem, pois ela constitui o sujeito e o mundo desse sujeito.

De forma que trabalhar um discurso é buscar o entendimento de como os sujeitos constroem sua subjetividade e com ela se relacionam com seus contemporâneos

para estabelecer relações de poder, de identidades, de ideologias, etc. (ORLANDI, 2008). O discurso não se separa de uma exterioridade. Pelo contrário, essa exterioridade é responsável pela construção do discurso (ORLANDI, 2010). O que exige que este estudo trate não apenas da profissionalidade docente, enquanto discurso, mas ao mesmo tempo das condições de produção em que ela foi e é produzida.

Não podemos esquecer que o discurso se constitui como um espaço, ou como denomina a AD, como um lugar discursivo, que só existe discursivamente, porque há um determinado lugar social que, por sua vez, só se legitima pela prática discursiva, isto é, pela inscrição do sujeito no lugar discursivo (GRIGOLETTO, 2007).

Por sua vez, o sujeito ocupa para AD uma posição (posição-sujeito), ou seja, projeta-se do lugar social onde ele se encontra para o lugar discursivo, essa projeção material transforma a situação social em posição-sujeito (ORLANDI, 1999).

O que nos leva a incluir neste estudo não apenas a posição-sujeito do docente universitário como também uma discussão sobre universidade enquanto lócus de exercício profissional dos nossos sujeitos de pesquisa, transformado pelo discurso histórico em lugar discursivo. Uma vez que a materialidade dos lugares dispõe a vida do sujeito e, ao mesmo tempo, a resistência desses sujeitos constitui outras posições que vão materializar novos lugares (ORLANDI, 1999, p.21).

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