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2 Quais são os limites estruturais ao desenvolvimento?

Capítulo III Determinações dos preços chave na economia brasileira 1999-2011

III. 2 Quais são os limites estruturais ao desenvolvimento?

A Cepal dos anos 1950/60 indicou uma série de limitações estruturais ao desenvolvimento da América Latina e, por conseguinte, brasileiro. Contudo, sessenta anos se passaram e alguns desses entraves foram superados, alguns novos surgiram e outros permaneceram.

Gentil e Araújo (2012) identificam quatro diferentes limites estruturais para a economia brasileira. Todos têm implicações com os preços chave da economia e podem ser observados através dos itens apontados na seção 3.2, quais sejam: o tipo de inserção externa, os condicionantes estruturais internos e as possibilidades de ação estatal. As soluções dependem de uma política de desenvolvimento que se utiliza dos instrumentos do Estado para promovê-las. Os quatro limites, esquematicamente são:

 Taxas de crescimento moderadas e instáveis;

 Reduzidas fontes de inovações e de avanços tecnológicos;

 Insuficiente capacidade de ampliar a formação bruta de capital fixo - baixa capacidade do investimento;

 Heterogeneidade estrutural.

O primeiro ponto diz respeito a atual dinâmica de crescimento da economia brasileira, o que não significa que este fenômeno é exclusivo do atual padrão de crescimento. Salvo, nos anos do "milagre econômico" da década de 1970, a economia brasileira sempre foi caracterizada pela volatilidade de suas taxas de crescimento. Assim, podemos elencar este limite como sendo um traço histórico da economia brasileira.

O segundo ponto e o terceiro, pelo contrário, dizem respeito às economias de renda média e industrializadas, sendo elencado como novo limite estrutural ao desenvolvimento.

Já o último ponto é uma das teses fundamentais do pensamento clássico da Cepal. Apesar de o Brasil ser uma economia de renda média e industrializada, persiste a

heterogeneidade estrutural. Ela se manifesta hoje pelas diferenças de produtividade entre os setores da economia, regiões, segmentos urbanos, classes sociais e segmentos de classe, propiciando uma apropriação profundamente desigual dos ganhos de produtividade oriundos da modernização, ocasionando disparidades de salário e renda.

Gentil e Araújo (2012, p.10) ainda apontam para alguns limites mencionados pelo pensamento clássico da Cepal que podem ser "datados no tempo". O primeiro é a hipótese da inelasticidade da oferta de alimentos, superada com a expansão da fronteira agrícola doméstica. O segundo é referente aos desequilíbrios externos, superados - pelo menos em parte35 - pela melhora nas contas externas brasileiras (gráfico 8). Por fim, os

problemas relacionados a infraestrutura econômica que foi parcialmente reaparelhada nos anos 1970 mas que, contudo, sofreu retrocesso, principalmente os setores de logística e energia , que constituem gargalos estruturais ao desenvolvimento econômico atual.

Podemos chamar atenção ainda para o fim - pelo menos temporário - da deterioração dos termos de troca, que também era uma das teses fundamentais do pensamento clássico da Cepal. Com o boom dos preços internacionais da commodities e por este produto ser um componente massivo da pauta de exportação brasileira, houve uma inversão, favorecendo este setor.

Bresser e Gala (2010) em sua proposição de uma "macroeconomia estruturalista do desenvolvimento" em comparação com o estruturalismo cepalino elencam os limites estruturais que estes autores julgam que foram superados, aqueles que se mantêm e alguns novos. A tabela 4 faz uma comparação dessas duas interpretações teóricas, segundo estes autores.

Tabela 4. Teoria estruturalista original comparada com a macroeconomia estruturalista do desenvolvimento

Fonte: Bresser e Gala (2010)

Contudo, não há evidências de que as proposições 5, 7, 11, 12 e 13 tenham ocorrido na economia brasileira. A proposição 5 pode ser classificada como "anti-cepalina", pois esbarra na defesa do argumento da teoria das vantagens comparativas. Como visto nos capítulos anteriores, a economia nacional - mesmo sendo uma economia de renda média - passa por um processo de especialização regressiva, afetada dentre outras razões pelo papel que a China possuí no âmbito do comércio internacional. Assim, para manter esse importante polo dinamizador da economia e gerador de emprego e renda - e de desenvolvimento de cadeias produtivas e tecnológicas - a proteção da industria infante se faz fundamental mesmo para os países de renda média. Principalmente naqueles países que sofrem de heterogeneidade estrutural, como é o caso da economia brasileira.

A proposição 7 diz respeito ao fato da inflação estrutural ter sido superada. Como mencionado no capítulo II, a partir da abordagem de conflito distributivo proposta por

Gentil e Araújo (2012), a inflação estrutural brasileira não está superada, embora não seja igual à inflação estrutural do passado, dos anos 1960/1970. Os motivos de hoje são diferentes, mais ainda assim, são estruturais e não oriundos de choques de demanda. Sobre a proposição 11, como visto no capítulo II, a valorização cambial é causada, fundamentalmente, por praticar-se uma taxa de juros elevadíssimas e não exclusivamente pela especialização regressiva do parque industrial nacional (produção de commodities agro minerais).

Sobre a proposição 12 entende-se que há uma imbróglio teórico sobre o conceito de poupança externa. O que tem ocasionado o déficit em conta corrente, e que pode ser visto no gráfico 8 como visto também no capítulo II, é o aumento dos fluxos de capitais especulativos que são atraídos para os países da periferia por taxas de juros elevadas, em detrimento das operações da economia real.

Por fim, a proposição 13 “equilíbrio fiscal como essencial ao desenvolvimento” não condiz com as proposições do Pensamento Clássico Cepalino. Pelo contrário, pode-se classifica-lo como uma proposição das reformas oriundas do Novo Consenso de Washington.

À guisa de conclusão

A instituição Cepal e seu pensamento sobre as economias da periferia do sistema capitalista - as economias da América Latina e, especificamente, a economia brasileira - são referências fundamentais para aqueles que pretendem entender e transformar a realidade desse vasto continente composto de mais de 50 países. Sua principal contribuição resiste até hoje pela força explicativa e reveladora que nela existe, qual seja a capacidade de fornecer ferramentas analíticas e diagnósticos radicais e precisos sobre a estrutura capitalista desses países periféricos.

Apesar das mudanças ideopolíticas no interior do seu pensamento e das transformações econômicas e políticas ocorridas ao redor do globo, suas ideias e seus autores principais como Furtado e Prebisch não perderam a validade e são clássicos eternos da história do pensamento econômico.

A proposta deste trabalho se localiza no âmbito teórico e não no campo histórico. Esta é uma tentativa de resgatar o que a Cepal produziu de melhor e que foi em certa medida abandonado pela academia em geral, pelos operadores de política econômica e autoridades públicas a nível nacional. Entendemos que o estruturalismo visto a partir da análise dos preços chave da economia pode ser um bom caminho para ajudar no resgate da metodologia de análise dos limites estruturais do desenvolvimento, desde que não se cometa o erro da análise puramente economicista, um dos principais avisos dos teóricos do subdesenvolvimento.

A ferramenta macro é necessária, mas não suficiente, pois nem todos os limites estruturais se refletem nos preços chave, porém, o contrário é verdadeiro para as economias latino americanas, como este trabalho mostrou.

A inflação brasileira - apesar da queda de patamar durante o período estudado - tem origem estrutural (e não de demanda agregada como é decorrente no debate sobre o nível geral de preços).

A política de elevação da taxa básica de juros antes de ser uma política doméstica de controle monetário, tem consequências estruturais graves.

A política de câmbio flutuante tem reforçado os dilemas - mesmo que em novas formas - apontados pelos teóricos cepalinos desde 1950.

Os limites estruturais ao desenvolvimento e à superação das desigualdades sociais ainda persistem (mesmo que a forma desses limites seja diferente do que foi no passado), e até ampliaram-se como é o caso da heterogeneidade produtiva. Além disso, os limites estruturais extraeconômicos tais como o baixo grau de escolaridade da população nacional, desrespeito aos direitos básicos e mesmo ausência de uma cultura política promotora de direitos, desigualdade no acesso aos serviços públicos básicos e etc., só reforçam a nossa heterogeneidade produtiva e social, reforçando o caráter subdesenvolvido de um país continental que é a sexta economia mundial.

Deste modo e tendo em mente essa realidade que se descortina para a economia nacional, as ferramentas do Pensamento Clássico Cepalino continuarão sendo peças fundamentais para deflagrar os grandes dilemas da economia brasileira e latino americana.

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