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O acesso precário à água potável e ao saneamento básico são outros fatores que comprometem de forma determinante a saúde indígena. Segundo COIMBRA (2014), escrevendo a respeito dos dados coletados em 2008-2009 pelo I Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição dos Povos Indígenas, um retrato das “grandes iniquidades em saúde entre o Brasil indígena e não-indígena”. Vamos aos dados: apenas 19% dos domicílios indígenas possuía banheiro dentro de casa, dado que cai para 0,6% na

90 Região Norte, onde se encontra nossa população de estudo – a maioria da população indígena ou tem o banheiro fora de casa ou usa a mata do entorno para fazer suas necessidades. Os dejetos são coletados por meio de fossas rudimentares em 63% dos domicílios indígenas do País, chegando a 91% na Região Norte. COIMBRA (2014) conclui que “as aldeias indígenas praticamente não dispõem de infraestrutura sanitária minimamente adequada e compatível com a tendência verificada no restante do país“.

Em relação à água utilizada para consumo humano, a situação é semelhante. A maioria das aldeias consome água de fontes naturais sem qualquer tratamento prévio. Somente no Nordeste o uso de água potável proveniente da rede pública alcançou 28% dos domicílios, realidade positiva muito diferente das demais regiões. Poços artesianos são a fonte de água de 55% dos domicílios indígenas do País, sendo que na Região Norte esse dado cai para 40%. Ocorre, porém, que mesmo quando poço artesiano, muitas vezes há uma série de problemas inviabilizam o seu uso, desde a falta de dinheiro para comprar o combustível para abastecer o gerador até avarias de diversas naturezas no equipamento, que comprometem o seu uso por longos períodos de tempo, levando os indígenas à utilização de fontes naturais. O manejo do lixo doméstico também é realizado de forma rudimentar, sendo que em 79% das aldeias é enterrado, queimado ou jogado no entorno da aldeia.

91 Uma percepção unânime entre os caciques estudados é a importância da qualidade da água para a prevenção de doenças, até porque são um determinante evidente na morte de pessoas e, principalmente, de crianças no Acre, por diarréias, hepatites etc. Tipos rudimentares de tratamento da água, como a cacimba manual, são ainda utilizados e muitos poços artesianos estão inacabados. Também são fornecidos pelo governo filtros de água e suas respectivas velas, mas não há explicação sobre o seu uso correto. Há problemas com o fornecimento de cloro e, em plena Amazônia, os rios estão poluídos pelos esgotos das cidades.

6.7 – Logistica

Os DSEIs localizados na Região Norte são os que apresentam maiores problemas de logística e comunicação, o que atrapalha demasiadamente não apenas o acesso ao atendimento aos indígenas como é causa determinante para a rotatividade da mão de obra. LIMA (2013) sintetiza a situação do DSEI do Médio Rio Purus:

Um dos grandes desafios dos DSEI, das regiões de difícil acesso, é colocar esses profissionais em áreas (nas aldeias) tendo em vista a alta complexidade que envolve a logística nos deslocamentos das equipes, sendo realizadas por via fluvial, em barcos conhecidos na região como “voadeiras”, por via aérea, em aeronaves bimotor ou monomotor e por via terrestre de veículos motorizados. Os deslocamentos por via hidroviária chegam a demorar até 20 dias, com as EMSI permanecendo nas aldeias por até 30 dias, em condições sanitárias penosas de trabalho, exposição de riscos à saúde, precárias condições nos alojamentos, além das barreiras linguísticas, situações inusitadas face às diferenças culturais, o que os levam a desistir na primeira entrada em aldeias.

92 LOUZADA (2007), que estudou as atividades do EMSI em aldeias da região dos municípios de São Gabriel da Cachoeira e Barcelos, no Amazonas, reportou situações semelhantes. HORIBA (2012), que atuou na mesma região, acrescentou “os riscos relacionados aos animais selvagens (onças, porcos do mato), serpentes e os insetos (aranhas, mutucas, mosquitos, dentre outros) que por vezes atrapalham as caminhadas”, e a umidade, que dificulta os deslocamentos dentro da floresta. Também a distância entre as aldeias e os pólos de saúde praticamente inviabiliza atendimentos emergenciais. SCOPEL (2013) descreve problemas semelhantes na Terra Indígena Kwatá-Laranjal, Município de Borba, Amazonas, e dá muita ênfase à questão da falta de comunicação: para ele, a falta de recursos de telefonia e internet seria um fator determinante para a rotatividade de mão de obra. Estudando a mesma região, FURTADO (2015) identifica ainda a falta de segurança dos barcos que fazem o transporte tanto dos pacientes como dos profissionais de saúde, que não teriam condições mínimas para a função, faltando até coletes salva-vidas.

MARTINS (2013) opina que o investimento em logística é fundamental para que o Subsistema de Saúde Indígena possa cumprir a sua função, sugerindo que é preciso: “Disponibilizar os meios logísticos adequados (barcos, carros, aviões, suprimentos em geral) para garantir regularidade das ações de atenção primária à saúde nas aldeias e, com isso, permitir extensão da oferta dos serviços e acesso mais oportuno da população”.

Os depoimentos dos caciques, especialmente Osmildo Conceição e Josias Kaxinawá, que habitam Terras Indígenas localizadas nos locais mais

93 distantes das principais cidades do Acre, evidenciam a precariedade dos transportes existentes na região, falando de barcos de madeira, canoas inseguras etc e deslocamentos em busca de atenção de saúde que são medidos em dias. É algo comum “morrer em viagem”, em busca de tratamento. Outro problema é a ausência de telefonia e rádio nas aldeias, inviabilizando também a possibilidade de pedir socorro.