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2. Introdução Teórica

2.2. Qualidade na indústria Farmacêutica

O conceito de qualidade é descrito, na diretriz ICH Q10, como a extensão de propriedades inerentes de um produto, sistema ou processo que cumprem os requisitos [19]. Uma organização focada na qualidade promove comportamentos, atitudes, atividades e processos adequados, impedindo assim, o aparecimento de produtos ineficazes e/ou prejudiciais com impacto negativo na saúde do consumidor. Tipicamente, a qualidade de um produto farmacêutico é assegurada pela implementação de um Sistema de qualidade farmacêutico, que promova Boas Práticas de Fabrico (GMP, do inglês Good

Manufacturing Practice) e uma Gestão e análise de riscos [20].

2.2.1.

Sistema de Qualidade Farmacêutico (SQF)

O SQF é um conceito amplo que engloba a gestão de todos os parâmetros que individualmente ou coletivamente podem influenciar o produto final, no intuito de garantir a sua qualidade. Para este fim, um SQF apropriado deve assegurar que [20]:

▪ A elaboração do produto é conseguida através da conceção, planeamento e implementação de boas práticas, mantendo e melhorando continuamente o sistema, de forma a obter consistentemente produtos de qualidade;

▪ As responsabilidades da administração, cargos e funções estão claramente definidas;

▪ O conhecimento relativo às etapas do ciclo de vida de um produto é garantido;

▪ Os produtos farmacêuticos são produzidos e desenvolvidos cumprindo as boas práticas fabrico. A informação relativa às etapas de produção e controlo deve estar especificada, detalhada e documentada;

▪ Sistemas de controlo e monitorização do processo e qualidade do produto são implementados, mantidos e validados. Os resultados obtidos devem ser documentados e analisados, por lote de produto. Caso se verifique desvios significativos, a sua origem pode ser determinada utilizando princípios de Gestão e análise de riscos, resultando, na implementação de ações preventivas e/ou corretivas (quando aplicável) para evitar que estes ocorram no futuro;

▪ Após a implementação de uma mudança, esta cumpre o seu propósito e analisar o seu impacto na qualidade do produto farmacêutico;

▪ A cadeia de abastecimento de uma matéria-prima e/ou materiais de acondicionamento só é aprovada após uma análise de risco favorável, certificando assim, a qualidade dos mesmos;

▪ O armazenamento, distribuição e manuseamento do produto farmacêutico é atingido de forma a manter a qualidade deste;

▪ Nenhum produto farmacêutico pode ser comercializado sem um certificado que garanta conformidade com os requerimentos de AIM ou qualquer outra regulação relevante. A eficácia da implementação do Sistema de Qualidade Farmacêutico é verificada através de auditorias internas e externas realizadas periodicamente.

2.2.2.

Boas Práticas de Fabrico (GMP)

As GMP são um conjunto de requerimentos relativos à produção e controlo da qualidade do produto farmacêutico [20]. Tipicamente, a INFARMED realiza uma auditoria para aferir o cumprimento destes requisitos, e se o resultado for favorável, é atribuído um certificado de GMP válido durante 3 anos. [16] Este certificado é um dos critérios exigidos para que se possa produzir medicamentos em Portugal, em seguida, encontram-se os requisitos gerais para o cumprimento das GMP’s [20]:

▪ Todos os processos de fabrico são claramente descritos, definidos e sistematicamente revistos. Etapas críticas e alterações nos processos devem ser devidamente validadas;

▪ Todas as instalações fabris destinadas ao fabrico do produto devem possuir colaboradores qualificados, espaços e locais apropriados para a atividade realizada, equipamentos qualificados e serviços validados, identificação correta dos vários intervenientes, condições de armazenamento e distribuição apropriadas;

▪ Instruções e/ou procedimentos devem ser documentados utilizando uma linguagem instrutiva, clara e inequívoca;

▪ Procedimentos aprovados para a amostragem e análise (por métodos validados) de matérias- primas, materiais de acondicionamento, produtos intermédios, bulks e produtos finais devem ser realizados por colaboradores qualificados com formação adequada à sua função;

▪ A consulta através do registo manual e/ou por instrumentos de dados de produção, amostragem e análise deve ser possível, de modo, a averiguar se os procedimentos e instruções definidas foram aplicadas corretamente e se a qualidade e quantidade de produto obtida era a esperada;

▪ Existência de um sistema operativo que permita consultar todos os lotes de produtos produzidos e recebidos;

▪ Amostras de matérias-primas, material de acondicionamento e produtos finais devem ser conservados em conformidade com o anexo 19 do EudraLex Volume 4, para caso seja necessário, poderem ser analisadas no futuro;

▪ Todas as queixas apresentadas por consumidores devem ser analisadas, as causas apuradas e medidas adequadas implementadas.

2.2.3.

Gestão dos Riscos na qualidade

Tanto o conceito de risco como a sua gestão são alvo de definições, conclusões e aplicações diversas. Em ICH Q9, o conceito de risco é definido como a combinação da severidade e probabilidade de ocorrência de um determinado perigo [21].

A proteção do consumidor por uma gestão de risco eficaz da qualidade, segurança e eficácia ao longo do lifecycle do produto é crucial e pode ser assegurada através de um conjunto de práticas proactivas ou retroativas que constituem este processo [22].

Avaliação do Risco

A avaliação do risco consiste na identificação de perigos, a respetiva análise e estimação dos riscos associados. De maneira a realizar uma descrição bem definida do problema ou risco, levantam-se tipicamente, questões como “O que é que pode dar errado?”, “Qual é a probabilidade de correr mal?” e “Quais são as consequências (Severidade)?” [21].

Antes de se iniciar esta avaliação, é necessária a formação de um grupo de trabalho com colaboradores especialistas na área, a definição do problema e/ou questão e adquirir informação relativa ao impacto do potencial perigo na saúde do consumidor [21].

▪ A identificação do risco é o uso sistemático de informação recolhida, de dados anteriormente obtidos, de literatura relevante, opiniões de especialistas da área, entre outros. No intuito de identificar possíveis perigos que se referem à questão de risco ou descrição do problema em questão [21].

▪ A análise do risco é o resultado do processo qualitativo ou quantitativo que relaciona a probabilidade de ocorrência, a severidade e a detetabilidade do perigo [21].

▪ A Avaliação do risco compara o risco identificado e analisado com critérios de criticidade estabelecidos [21].

Controlo do Risco

O controlo do risco tem como objetivo a tomada de decisões para a redução e/ou aceitação dos riscos, para níveis aceitáveis [21].

A redução do risco é conseguida através de ações de mitigação ou de deleção do risco quando este está acima do aceitável. Porém, a aplicação destas pode introduzir novos riscos ou aumentar a relevância de riscos existentes [21].

A aceitação do risco pode passar pela aceitação formal do risco residual ou pode ser passiva, uma vez que, não se define níveis aceitáveis de controlo para este [21].

Comunicação do Risco

A comunicação do risco é a partilha de informação sobre o risco e a sua gestão entre os responsáveis pela tomada de decisão e outros relevantes para o processo, podendo esta partilha ser efetuada a qualquer altura do mesmo. A informação incluída deve dizer respeito à existência, natureza, forma, probabilidade, severidade, aceitabilidade, controlo, tratamento, detetabilidade, entre outros aspetos do risco em questão [21].

Revisão do Risco

A gestão de riscos deve ser uma parte contínua do processo de gestão da qualidade. A frequência da revisão depende do nível do risco associado face à aquisição de novos conhecimentos e experiências (através, por exemplo, de auditorias, controlos de mudança, inspeções, etc.). A revisão do risco pode levar a alterações nas decisões tomadas relativamente ao controlo do risco. Na Figura 2-2, é possível observar o esquema do processo de Gestão de Risco [21].

Tal como evidenciado em EudraLex Volume 4 Parte III, o documento de referência para a Gestão dos riscos da qualidade é a diretriz ICH Q9. No anexo I desta, é possível observar alguns dos diversos métodos a adotar [21]:

▪ Diagramas de Causa e Efeito (Diagrama Ishikawa e “fish bone”);

▪ Análise de modo e efeitos de falha (FMEA, do inglês Failure Mode Effects Analysis); ▪ Análise da árvore de falhas (FTA, do inglês Fault Tree Analysis);

▪ Análise de perigos e Pontos de controlo críticos (HACCP, do inglês Hazard Analysis

and Critical Control Points);

▪ Análise de perigos operacionais (HAZOP, do inglês Hazard Operability Analysis); ▪ Análise preliminar de perigos (PHA, do inglês Preliminary Hazard Analysis); ▪ Classificação e Triagem do risco;

▪ Ferramentas Estatísticas de Apoio.

Dependendo da complexidade ou relevância da questão a ser tratada, o grau de rigor e formalidade da gestão de risco deve refletir essa necessidade. Muitas vezes, esta é conseguida através da combinação de métodos de avaliação de risco que quando apropriado são adaptados à realidade da questão colocada [23].

Na Tabela 2-1, é possível observar a comparação entre alguns dos métodos referidos acima, expondo as suas vantagens e limitações.

Tabela 2-1 - Comparação entre vários métodos de gestão de risco (Adaptado de [23])

FTA FMEA HACCP Métodos

estatísticos Diagramas Avaliação de Risco Identificação do risco + 0 + + 0 Análise do Risco 0 + 0 + 0 Estimação do risco - + 0 0 + Controlo do risco Redução do risco - + + - 0 Aceitação do risco - 0 + - + Revisão do risco 0 0 0 + + Comunicação do risco 0 - - + +