• Nenhum resultado encontrado

A Qualidade da Participação das Crianças como Desafio da Cidade Amigas das Crianças

CAPÍTULO II A COMUNIDADE COMO SUJEITO A EDUCAR SOCIALMENTE Introdução

4. A Reinvenção da Cidade como Comunidade e Lugar de Exercício de Direitos de Cidadania

4.3 A Qualidade da Participação das Crianças como Desafio da Cidade Amigas das Crianças

Segundo Prout, existem quatro modos de olhar a criança: i) como objecto; ii) como sujeito; iii) como actor social; e iv) como participante e co-investigador. Por outro lado Natália Fernandes aponta três paradigmas: i) a criança dependente que tem como base uma perspectiva de protecção; ii) a criança emancipada, considerada competente para tomar decisões embora defenda que só o faça se for orientada nesse sentido; e iii) a criança participativa que reconhece a sua necessidade de protecção e em simultâneo a sua intervenção social.

Actualmente, cada vez mais se reconhece que as crianças constroem mundos sociais próprios ao desenvolver redes de amigos e grupos onde se definem lideranças e se vivem relações de pertença e de exclusão. Reconhecem-se também expressões culturais próprias, brincadeiras, canções, jogos, modos e tempos de brincar segundo regras que se transmitem no espaço e no tempo. Reconhece-se ainda que, embora sejam cada vez menos os tempos que as crianças passam sozinhas em casa, elas continuam em muitos casos, a gerir e atribuir significado, por exemplo, à realização de tarefas domésticas ou de cuidado de irmãos mais novos.

O facto de considerar que as crianças têm uma visão consistente e própria do mundo que as rodeia, alerta-nos para a prioridade metodológica de lhes dar voz e as considerar

10

informadoras credíveis sobre as suas vidas e os significados que lhes atribuem. No que respeita aos estudos da infância, muda portanto o centro de gravidade. O ponto de vista privilegiado é o da criança, o das crianças protagonistas e produtoras de relações sociais ( ), produtoras de cultura. (Almeida, Ana, 2009, P.34). Concordamos por isso que ao privilegiar uma intervenção social com crianças baseada nos seus direitos permite, acentuar uma imagem social da criança enquanto sujeito de direitos e com acção social, decorrendo daqui a exigência de lhe reservar espaços sociais de participação (Fernandes, N., 2009, P.29).

Como considera Catarina Tomás, a participação e cidadania dizem respeito à forma como as crianças e adultos se apropriam do direito à construção democrática das suas vidas. A concretização desses pressupostos implica que as crianças compreendam e dominem o processo em que estão inseridos. É necessária uma organização colectiva dos actores, a promoção de espaços de discussão e negociação e a formulação de reportórios de acção para a concretização desses princípios, o que também pressupõe o diálogo com os poderes públicos (sd, P.127).

Enquanto processo político, a participação implica a apropriação de meios de reflexão e intervenção pelos sujeitos de forma a que possam desenvolver uma visão e consciência crítica do que os rodeia, o que implica escapar ao conformismo perante a estrutura social, pelo desenvolvimento da capacidade de contribuir para a mudança social. Quando reflectimos sobre as condições de participação das crianças temos que considerar o quanto a participação transforma as relações de poder que existem entre as crianças e os adultos, o quanto pode desafiar as estruturas autoritárias na mesma medida em que se estimule a sua capacidade de influenciar famílias, comunidades e instituições.

A participação é um processo que constrói novas relações entre as crianças e os adultos. Ela demanda respeito e confiança mútuos e um compromisso permanente de longo prazo. Trata-se, na concepção de Dubet, de um trabalho complexo, pois envolve a articulação do mérito, da igualdade e do respeito sendo que existem diferenças substanciais entre comunicar com adultos ou com crianças.

Efectivamente, Robert Hart a propósito da participação das crianças, desenvolveu uma escala baseada na metáfora da escada que é composta por oito níveis. Os três primeiros têm

muito pouco ou nada em atenção os direitos da criança uma vez que os adultos mobilizam as crianças para os seus objectivos. O primeiro degrau corresponde à manipulação e/ou engano, estando presente quando os adultos usam as vozes das crianças para comunicar as suas próprias ideias. No segundo degrau, as crianças têm um papel decorativo, sendo que são convidadas para promover uma causa, embora não saibam bem do que se trata e o terceiro degrau implica uma participação simbólica das crianças, na medida em que os adultos querem que estas se saiam bem e dirigem suas opiniões, dando a ilusão que as crianças têm voz.

Os dois níveis seguintes demonstram já alguma preocupação com ouvir as crianças. Porém, o quarto degrau embora pressuponha que as crianças são informadas, ainda assim tem um carácter um pouco dúbio, pois existe uma ténue diferença entre actividade voluntária em que as crianças se mobilizam com algum fim e sabem do que estão a participar e quando há manipulação, ou uma pressão para a participação. No quinto degrau existe já assumidamente uma consulta informada das crianças, sendo claro que apesar dos processos serem dirigidos pelos adultos, elas são informadas dos propósitos do processo, dão opinião e são respeitadas com uma escuta qualificada e séria.

Os três últimos níveis são já significativos quanto à participação das crianças, uma vez que a partir do sexto degrau em que embora o processo seja iniciado pelo adulto é compartilhado pelas crianças, o que demonstra já um salto qualitativo na interacção adulto/criança. No sétimo degrau o processo participativo é iniciado e dirigido pelas crianças, sendo os exemplos mais comuns a actividade de jogo ou do brincar social espontâneo. O oitavo e último degrau implica uma actividade iniciada e dirigida pelas crianças com o apoio dos adultos, ou seja em que estes compartilhem decisões, existindo uma cooperação explícita baseada na colaboração e confiança, um reconhecimento mútuo de valor e de respeito.

Para além desta escala de participação, Trilla e Novella (2001) propõem uma outra escala composta por quatro níveis de participação. Nos dois primeiros níveis de participação a criança é destinatária de uma actividade exterior iniciada por outros e sobre a qual tem uma opinião, sendo que na i) participação simples se pressupõe que a criança faça parte do processo apenas como espectadora, não intervindo nem na preparação, nem nas decisões sobre o que está a decorrer, limitando-se a seguir indicações e a responder a estímulos,

enquanto na ii) participação consultiva já se supõe que a criança seja escutada podendo a sua opinião ser tida em conta ou não. Os dois níveis seguintes implicam que a actividade seja também da criança. Assim, a iii) participação projectiva engloba as crianças que passam a ser agentes activos no projecto, sendo que Trilla e Novella se reportam à proposta de Hart para referenciarem os seus subníveis: projecto iniciado pelos adultos cujas decisões são compartilhadas com as crianças; projecto iniciado e dirigido pelas crianças e projecto iniciado pelas crianças cujas decisões são compartilhadas com os adultos. A quarta e última forma de participação denomina-se metaparticipação e consiste nas próprias crianças criarem espaços e mecanismos de participação. É de referir que estes quatro tipos de participação admitem subtipos que dependem de quatro factores: i) a implicação enquanto dimensão emotiva, uma vez que se trata do grau em que as crianças se sentem pessoalmente afectadas pelo assunto, ou seja quanto menor for a distância entre a criança e o conteúdo maior a participação da mesma; ii) a informação, enquanto dimensão cognitiva, pois refere-se ao grau de consciência que a criança tem sobre os objectivos da actividade ou projecto, ou seja quanto maior a quantidade e a qualidade da informação disponível sobre o assunto, maior a possibilidade de participação da criança; iii) a capacidade de decisão, enquanto dimensão psicológica na medida em que se deve estar preparado para decidir e enquanto dimensão cívica, na medida em que se tem a efectiva capacidade de decisão, sendo por isso este factor dependente das relações de poder estabelecidas entre crianças e adultos ao longo do processo; e iv) a responsabilidade e compromisso enquanto conceitos pré e pós participação, ou seja o compromisso deve anteceder a participação e a responsabilidade suceder-lhe, na medida em que quanto maior for o compromisso, mais impelida se sente a criança de participar e com maior responsabilidade.

Para Manuel Sarmento existem três domínios fundamentais de incidência dos resultados da participação infantil: a construção dos direitos da criança no espaço urbano; a participação na acção pedagógica e a organização colectiva das crianças. No entanto e conforme realça o autor a participação infantil tem alguns contextos de ocorrência, nomeadamente nas escolas que promovem práticas educacionais que assumem os direitos da criança como lógica de acção do seu trabalho educacional (2007, P.198).

CAPITULO III AVEIRO: UMA CIDADE AMIGA DAS CRIANÇAS?