• Nenhum resultado encontrado

a qualidade do trabalho e a pobreza

Além da questão do desemprego é preciso analisar de que forma essa mudança de paradigma – que levou ao brutal crescimento do setor informal – afetou a qualidade do trabalho, ou seja, o nível e a estabilidade de suas rendas e os esquemas de proteção social.

O exame do gráfico 11 revela algumas surpresas. Tentativas de estabili- zação desse conturbado período da nossa história econômica tiveram, num primeiro momento, efeito positivo sobre as rendas reais médias dos indiví- duos, especialmente o Plano Cruzado em 1986 e o Plano Collor em 1990. O último foi seguido por grande queda das rendas em função da pior recessão da década (1992), somada a forte arrocho salarial. A partir desse

fundo do poço, houve contínua recuperação seguida ao paulatino cresci- mento do PIB, que se manteve em ascensão após o Plano Real, gerando boas notícias:

a renda média do setor informal, especialmente na categoria Conta

Própria, sempre liderou os saltos de renda;

• até o Plano Real, os ganhos de renda eram rapidamente perdidos; a partir de 1994, mantiveram-se e cresceram, alterando o perfil da massa salarial a favor do setor informal.

Por que, sendo essa a realidade, nas pesquisas de opinião, a sociedade revela uma forte sensação de insegurança quanto ao futuro de seu empre- go e uma percepção de exclusão social crescente? Vamos às más notícias:

• a análise do gráfico 12, que apresenta o rendimento real médio por posição na ocupação, revela informações muito importantes. Obser- va-se durante todo o período analisado (1985-1996), que o rendi- mento real médio dos trabalhadores sem carteira manteve-se signifi- cativamente inferior (aproximadamente 30% a 40%) ao rendimento dos trabalhadores com carteira (incluídos na remuneração os ganhos proporcionais de férias e 13º salários). Embora essa diferença tenha se estreitado um pouco em função da maior recuperação de renda após o Real já relatada, ainda se mantém significativa. O mesmo acon- tece com relação aos trabalhadores por conta própria, sempre com renda inferior àqueles com carteira, apesar de seus ganhos relativos após o Real terem sido bem maiores, diminuindo em cerca de meta- de essa diferença quando comparados aos trabalhadores em carteira. No entanto, quando consideradas as médias – quando os trabalhado-

res perderam suas funções no mercado formal e mergulharam no in- formal – sua renda sofreu uma queda expressiva, somada a uma nova e forte insegurança com relação ao seu futuro e à sua proteção social;

• apesar do crescimento relativo de renda dos setores informais, para usar um conceito piagetiano, há uma espécie de dor de passagem da heteronomia para a autonomia. Além do que, férias, feriados e fins de semana do trabalhador informal têm sabor de renúncia de renda, não de direito adquirido.

• devido ao trabalhador informal em vários casos “inventar” seu traba- lho (vendedor de bolinhos, guardador de carros etc.), corre-se o ris- co de ver uma reformulação e radicalização da aplicação da antiga ética protestante do trabalho como novo conceito moral, o “vá tra- balhar, vagabundo!” agora aplicado não às oportunidades de empre- go disponíveis, mas ao “vá vender bolinhos, ora bolas!”, o que pode- rá estabelecer uma nova e perigosa cisão social com a total ausência de responsabilidade social das elites em garantir crescimento econômico e oferta real de postos de trabalho;

• a partir de janeiro de 1998 estão surgindo indícios de reversão do crescimento e de queda de renda, aparentemente maiores que os sa- zonais, talvez influenciados pela crise internacional. É possível que se trate de um primeiro sintoma de esgotamento dos benefícios do Pla- no Real;

• o setor informal padece de uma relação mal resolvida com o Estado, na qual, ao mesmo tempo em que as autoridades vêem no setor in- formal uma “solução”, tratam-no muitas vezes como marginal, dado nosso sistema tributário encará-lo como agente de evasão fiscal. Para completar o quadro vamos analisar o que aconteceu com o seg- mento inferior de renda no Brasil nessas duas últimas décadas, antes de tudo, definindo quem são os pobres (Rocha, 1997). Trata-se de pessoas – tendo como referência unidades familiares – que não atendem à renda mínima necessária para a aquisição da cesta básica alimentar (padrão FAO), mais o custeio das necessidades mínimas de moradia, transporte e vestuário. A pesquisa que utilizamos define essa renda per capita como sendo de US$ 110 para as regiões metropolitanas de São Paulo e Rio, US$ 74 para o interior urbano de São Paulo e US$ 37 para o Nordeste rural.

Uma inferência possível a partir dos dados apresentados no gráfico

13 (Sonia Rocha, 1997) é que a proporção dos pobres com relação à popu- lação total, que havia caído apenas 5 pontos percentuais de 1981 a 1993,

diminuiu mais de 9 pontos após o Plano Real, considerado excelente avan- ço. Recentemente, porém, parece ter havido ligeira queda (0,7%) de 1996

para 1997.

Gráfico 11: Brasil Regiões Metropolitanas – rendimento médio real*

Posição na ocupação

Fonte: IBGE.

O que está acontecendo com a distribuição de renda dos 20% mais pobres? A análise dos dados apresentados no gráfico 14 (Sonia Rocha, 1996) nos revela que com o Plano Real um número muito importante de brasilei- ros com rendimento próximo à linha de pobreza pôde sair da condição formal de pobres, um enorme avanço. Entretanto, a situação dos que con- tinuaram pobres aparentemente se agravou. Houve maior distanciamento da média dos remanescentes da linha de pobreza, ou seja, a distribuição de renda entre os pobres parece ter piorado, acentuando o que se poderia chamar de lumpenização da pobreza.

Gráfico 12: Brasil Regiões Metropolitanas – Rendimento Real Médio* Posição na ocupação

Fonte: IBGE.

Gráfico 13: Proporção de pobres em relação à população total Brasil 1981/1996.

Gráfico 14: Renda média dos pobres como percentual do valor da linha de pobreza – Brasil Metropolitano 1990/96

Fonte: IBGE-IPEA.

Documentos relacionados