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Foi a partir dos anos 80 do século XX, que o conceito de QV começou a ganhar uma importância crescente no domínio da saúde, aumentando a sua relevância no discurso e prática médica (Ribeiro, 1994; Naughton & Shumaker, 2003; Stenner, Cooper, & Skevington, 2003; Lowy & Bernhard, 2004, como citados em Canavarro, Pereira, Moreira & Paredes., 2010). Os mesmos autores adiantam ainda que é no âmbito das DCV‟s que se tem verificado um maior interesse em avaliar a QV.

O conceito de QV, apesar de ser um termo universalmente utilizado, é difícil de definir mas segundo a OMS (como citado em Bettencourt et al., 2005), representa a “percepção do indivíduo acerca da sua posição na vida, no contexto da sua cultura e sistema de valores, relativa aos seus objectivos, êxitos e padrões” (p. 688). O sentir-se com maior QV está relacionado com o estado de saúde, mas não só, incluindo outros domínios principais: saúde física, estado psicológico, níveis de independência, relacionamento social, características ambientais e padrão espiritual, interagindo num equilíbrio dinâmico: a idade, o tipo de atividade profissional, as condições socioeconómicas, o espectro ambiental, o universo pessoal, as características de personalidade, o apoio e suporte familiar e o tipo de reabilitação a que são sujeitos. É assim um processo dinâmico e multidimensional, que engloba os domínios: físico, psicológico, social, nível de independência, ambiente e espiritualidade (Canavarro et al., 2010).

Para Lima (2002, como citado em Pires, 2009), dentro dos vários modelos de QV, destacam-se os seguintes:

 Modelo Psicológico, no qual a perceção do doente, de como as incapacidades provocadas pela doença influenciam a sua QV, é uma tentativa de traduzir o seu estado psicológico que, neste caso, é indissociável do físico;

 Modelo teórico de Beck, que apesar de valorizar o estado psicológico, dá maior ênfase ao psíquico, o carácter subjetivo e a intenção de tratar, havendo uma relação direta entre o grau de desconforto psicológico e a qualidade e quantidade de vida;

 Modelo de Utilidade, no qual o utente faz uma escolha entre a qualidade e a quantidade de vida, sendo explorado neste modelo o risco que o utente pode ter perante um procedimento perspetivando uma melhor vivência;

 Modelo baseado nas necessidades do individuo, postulando este modelo que a vida ganha em qualidade consoante a capacidade e habilidade do indivíduo em satisfazer as suas necessidades;

 Modelo de QV relacionada com a saúde, em que a doença só significa problema quando interfere com a capacidade de desempenho, assumindo este modelo que a saúde é a variável mais influente na QV.

O enquadramento psicossocial que determina a perceção individual da QV foi definido por Wilson e Cleary (1995) através de um modelo conceptual que estabelece relações causais entre os componentes biológicos, psico-emocionais e sociais. De acordo com o seu modelo, a QV depende de uma sequência unidirecional de alterações biológicas/fisiológicas, sintomas e condição física global, modulados por características individuais (ansiedade, depressão, hostilidade, expectativas) e características externas (suporte familiar e social). De facto, estes fatores moduladores exercem não apenas uma forte influência sobre a perceção da capacidade física, da QV e participação social, como são considerados fatores de prognóstico independente de morbilidade e mortalidade cardiovascular, pelo que o uso de métodos de deteção sistemática e protocolos de intervenção precoce são fortemente recomendados.

Os representantes da medicina holística afirmam que a QV tem impacto sobre a saúde. Não sendo elementos estáticos, nem independentes, saúde e doença, trata-se de um processo global, em que os fatores estão em constante interação e influenciam um equilíbrio instável (Pires, 2009).

A QV reflete mais que o estado de saúde de um indivíduo, levando-se em consideração tanto a maneira como ele percebe e reage à limitação imposta pela doença, assim como os outros aspetos gerais da sua vida. A projeção da QV deve-se sobretudo a uma nova esfera cuidativa que se apoia num modelo holístico de saúde. Tradicionalmente, o atendimento clínico baseava-se no modelo médico marcado pelo enfoque no diagnóstico, tratamento e resultados medíveis através de indicadores objetivos: taxa de mortalidade e morbilidade. Atualmente traça-se uma nova dimensão de cuidados em que se reconhece a importância de avaliar o tratamento e os resultados através de variáveis subjetivas que incluem as perceções dos indivíduos em relação ao seu bem-estar e QV. Isto porque, com as opções metodológicas existentes, a oferta do tratamento permite não só prevenir a

morbilidade, mas também aumentar a longevidade com a melhor QV possível (Paschoal, 2000).

A expressão “Qualidade de Vida Relacionada com a Saúde” (QVRS), tradução da expressão inglesa Health-Related Quality of Life, a qual tem sido utilizada para ser distinguida da QV, é definida como o valor atribuído à longevidade quando modificada pela perceção de limitações físicas, psicológicas, funções sociais e oportunidades influenciadas pela doença, tratamento e outras complicações, tornando-se um indicador importante para a pesquisa sobre o resultado de intervenções (Diniz & Schor, 2006).

A QVRS emergiu no contexto da saúde e da psicologia para abordar as perceções relacionadas com a doença, sobretudo com a doença crónica e diferentes formas de tratamento das patologias, sendo um conceito aplicado à avaliação da QV associada aos processos de saúde/doença, incluindo os critérios de subjetividade, perceção pessoal, multidimensionalidade (inclui componentes de nível físico, psicológico, social, espiritual e outros) e valorização dos aspetos positivos (Pires, 2009)

Na atualidade, a promoção do bem-estar e a melhoria da QV colocam-se como metas de saúde, onde o indivíduo é um ser único e centralizador dos cuidados, progredindo dos parâmetros tradicionais de avaliação da doença, relacionados com avaliações epidemiológicas, para uma perspetiva mais abrangente que abarque a vida nas suas múltiplas dimensões (DGS, 2013).

Ribeiro (2008), na avaliação da QV, recomenda o uso de medidas funcionais genéricas acompanhado de medidas específicas de doença em estudo, normalmente indicadores de sintomas (em caso de existência de doença). Paralelamente recomenda o uso de medidas mais genéricas de satisfação com a vida.

Para Olbridge (2013), se a decisão for usar os dois tipos de questionários, genéricos e doença-específicos, para obter uma perspetiva vasta de QVRS, os questionários doença- específicos têm vantagem por serem reconhecidos como superiores aos instrumentos de QVRS genéricos para medir mudança ao longo do tempo. A avaliação da QV revela a perceção do doente quanto à interferência da doença no seu dia-a-dia. A perceção do estado de saúde e da QV das pessoas, bem como o impacto da doença e também do seu tratamento, têm sido amplamente reconhecidos, como um tópico de pesquisa em estudos clínicos e epidemiológicos. Esta perceção tem sido estudada na área da cardiologia na qual se objetiva, além da sobrevivência e melhoria dos sintomas, uma melhor participação nas atividades de

vida diárias. Não é fácil determinar a QV, por ser um conceito amplo, multifacetado, sendo influenciado por múltiplos fatores.

A mesma fonte refere que, a maioria dos doentes com cardiopatia isquémica apresentam um dos três diagnósticos mais frequentes, Angina, EAM ou insuficiência cardíaca, havendo questionários de QVRS doença específicos disponíveis para cada um destes três diagnósticos, no entanto o MacNew e o HeartQoL são dois questionários de QVRS específicos que podem ser usados nestas patologias. As maiores vantagens destes questionários são o facto de:

a) Terem sido validados em cada um dos diagnósticos major, significando que é necessário usar apenas um questionário para os doentes com qualquer dos três diagnósticos;

b) Ambos estarem disponíveis em português.

Os resultados reportados pelos doentes, nos questionários de QVRS, fornecem informação direta dos doentes sobre o seu desempenho no dia-a-dia ou sobre como efetivamente se sentem em relação à sua situação de saúde e à sua terapêutica, fornecendo um melhor conhecimento sobre o impacto da doença e das intervenções na vida dos doentes, o que cada vez mais é reconhecido como objetivo terapêutico para os doentes cardiovasculares (Olbridge, 2013).

Melo (1998), afirmava que a avaliação da QV, em pessoas com DCV, deve integrar os domínios físicos, sociais e psicológicos, incluindo a medição dos resultados dos seguintes aspetos:

- Capacidade física, incluindo a mobilidade, capacidade de auto cuidar e

desempenho nas actividades de vida diária; estado emocional, incluindo mudanças de humor, cólera, culpa, hostilidade, depressão, desamparo, comportamento de doente e expectativas acerca do futuro; interacção social, englobando a participação em actividades sociais, relacionamentos familiares, função sexual, e satisfação conjugal; função intelectual, incluindo memória, capacidade de julgar e interesse; estatuto económico, incluindo a capacidade de manter o nível de vida, rendimentos, emprego; auto-percepção do estado de saúde, que engloba a evolução da severidade da doença e o grau de enfraquecimento que determina no doente. (p. 42)

Para Silva (2012) o retorno à atividade laboral, após um SCA, assume um papel crucial para a melhoria da QV daqueles indivíduos que ainda se encontram no ativo. Assim, refere que a par de uma função “instrumentalização”, apresenta uma função de “realização

pessoal”. Assim sendo, está-se perante uma situação multifatorial interdependente, em que o indivíduo/doença/QV/trabalho se interligam e auto influenciam. No entanto, este retorno à atividade laboral implica uma reabilitação integral do indivíduo, através da qual poderá encontrar novamente uma boa imagem de si próprio ao nível psicológico. Deste modo, a QV do indivíduo com patologia cardíaca pode ser considerada como o impacto da doença e do respetivo tratamento na vida do indivíduo, tudo isto em função do nível de atividade física e ocupacional, interação social, estado psicológico e capacidade de sensação somática.

É nesta linha de pensamento que nos propomos a estudar a QV do indivíduo após um PRC nas suas dimensões física, psicológica e social.

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