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Qualificação do conceito de mercadoria na Jurisprudência

5 A POSSIBILIDADE DE TRIBUTAÇÃO PELO ICMS-MERCADORIA

5.2 Qualificação do conceito de mercadoria na Jurisprudência

Na busca pela determinação do conceito de mercadoria empregado pela jurisprudência, constata-se manifestação do Superior Tribunal de Justiça, no qual a Primeira Turma publicou acordão do Recurso Especial 39.797/SP, em dezembro de 1994, de relatoria do Ministro Garcia Vieira considerando que os programas de computador (softwares) “não se confundem com suportes físicos, e por isso, não podem ser considerados mercadorias para fins de incidência do

ICMS”100.

97 GRECO. Internet e direito, 2000, p.88. In: MIGUEL, Luciano Garcia. A hipótese de incidência do ICMS e a

evolução dos conceitos tradicionais de mercadoria e serviço de comunicação. 2016. Tese (Doutorado em Direito)

– Pontifica Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, p. 101.

98 STURTS, Gabriel Pinos. Tributação do Comércio eletrônico: análise da incidência do ICMS, 2004, p. 34-35.

In: PAULSEN, Leandro. Direito tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 16ª ed. Porto Alegre: Ed. Livraria do Advogado, 2014, p. 615.

99 Ibidem, p. 616.

100 STJ. RECURSO ESPECIAL: REsp 456.650 PR 2002/009939-5. Relatora: Ministra Eliana Calmon. Revista

Inauguralmente, em 1998, o Supremo Tribunal Federal analisou também a incidência do ICMS sobre licenciamento de software no Recurso Extraordinário n. 176.626-3/SP, de

relatoria de Supúlveda Pertence. O Ministro exarou voto no sentido de que “o conceito de

mercadoria efetivamente não inclui os bens incorpóreos, como os direitos em geral: mercadoria é bem corpóreo objeto de atos de comércio ou destinado a sê-lo”101.

Para o Ministro em questão, o corpus mechanicum da obra intelectual poderia cogitar a incidência do ICMS. Entendimento este seguido pelo RE 199.464-9/SP, ao considerar a produção em massa para comercialização e revenda de softwares através de exemplares corpus mechanicum da obra intelectual legitima sob a incidência de ICMS, não se confundindo com um simples licenciamento ou cessão de direito de uso.102

A partir disto, nota-se que o Judiciário admite o conceito de mercadoria consolidada pela doutrina tradicional, relacionando o termo mercadoria à noção de bem corpóreo e objeto de mercancia. Este conceito passa a ser questionado pelo Supremo Tribunal Federal em 2010, esboçando uma inicial modificação jurisprudencial por ocasião do julgamento da Medica Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.945103.

O pleito em questão proposto pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) questiona o dispositivo de lei do Estado do Mato Grosso ao prever a incidência do ICMS sobre operações com programas de computador (software), mesmo que realizadas por meio de transferência eletrônica de dados.

Em 19 de abril de 1999, o Ministro Relator Octavio Gallotti proferiu voto em consonância ao entendimento anterior supramencionado, restringindo a incidência do ICMS somente aos exemplares físicos dos programas produzidos em série e comercializados no varejo. Na oportunidade, o Ministro Nelson Jobim demonstra entendimento discordante:

[...] a energia elétrica compõe elemento da base e semelhança e a energia elétrica não é um sinal binário matemático, mas algo que não coincide com um bem corpóreo no sentido estrito da expressão que está sendo utilizado.

<https://ww2.stj.jus.br/docs_internet/revista/eletronica/stj-revista-eletronica-2005_186_capSegundaTurma.pdf>. Acesso em: 25 maio 2019.

101 STF. RECURSO EXTRAORDINÁRIO: RE 176.626-3 SP. Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. DJ: 11 dez.

1998. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=222535>. Acesso em: 25 maio 2019.

102 STF. RECURSO EXTRAORDINÁRIO: RE 199.464-9 SP. Relator: Ministro Ilmar Galvão. DJ: 30 abr. 1999.

Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo140.htm>. Acesso em: 25 maio 2019.

103 STF. MEDICA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE: ADI 1.945-MC /

MT. Relator: Ministro Octavio Gallotti. DJ: 11 mar. 2011. Disponível em:

[...] se digo que [...] a transmissão de um programa [ocorre] pela via da transferência eletrônica de dados, estou dizendo que não estou cobrando o programa, mas o bem corpóreo? Por que não tem bem corpóreo não estou comprando? [...] ou seja, a linguagem utilizada no sistema da Constituição pelo ICMS começa a bater (sic) com sistemas modernos de comercialização, de transferências.

Em momento posterior, após pedido de vista em 29 de março de 2006, o Ministro Nelson Jobim exarou voto argumentando que “a pergunta fundamental, portanto, é essa: é possível a incidência de ICMS sobre a circulação de mercadoria virtual? A resposta, para mim, é

afirmativa”. O Ministro Jobim continua ainda dizendo:

Ora, se o fato de ser bem incorpóreo fosse ressalva à incidência do ICMS, não poderia ser cobrado o imposto também da aquisição de programa de computador de prateleira. É que, nesse caso, o que se está adquirindo não é o disquete, o CD, o DVD, a caixa ou o livreto de manual, mas também é principalmente a mercadoria virtual gravada no instrumento de transmissão.

Portanto, se o argumento é de que bem incorpóreo não pode ser objeto de incidência de ICMS, o argumento valeria também para o caso de bens incorpóreos vendidos por meio de bens materiais.

Haveria uma clara contradição da jurisprudência do STF104.

Com isso, suspendeu-se o processo em razão do pedido de vista do Ministro Ricardo Lewandowski que proferiu seu voto em sessão do Plenário ocorrido em 26 de maio de 2010. Nesta sessão, por votação unânime do Tribunal indeferiu-se a medida liminar suspendendo provisoriamente o texto legal do Estado de Mato Grosso que tratava da incidência de ICMS sobre operações com softwares realizadas por intermédio de transferência eletrônica de dados. Reserva-se, no entanto, uma reflexão mais aprofundada do tema para o exame de mérito da ação direta de inconstitucionalidade.

Assim restou decidido em via cautelar, ainda que provisoriamente, a irrelevância da inexistência de bem corpóreo para caracterização do comércio. Percebe-se, a partir da ementa deste julgado que a Corte Suprema empregou a expressão “mercadoria em sentido estrito”105 referindo-se à conceituação tradicional de mercadoria, na qual prevê, necessariamente, que os

104 STF. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE: ADI 5659 MG. Relator: Ministro Dias Toffoli.

Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/arquivos/2017/4/art20170403-08.pdf>. Acesso em: 25 maio 2019.

105 Ementa da MC na ADI n. 1945-MT: “8. ICMS. Incidência sobre softwares adquiridos por meio de

transferência eletrônica de dados (art. 2º, § 1º, item 6, e art. 6º, § 6º, ambos da Lei impugnada). Possibilidade. Inexistência de bem corpóreo ou mercadoria em sentido estrito.” (STF. MEDICA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE: ADI 1.945-MC / MT. Relator: Ministro Octavio Gallotti. DJ: 11 mar. 2011. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=ADI- MC(1945%20.NUME.)&base=baseAcordaos>. Acesso em: 27 maio 2019).

bens sejam corpóreos. Em virtude disto, fala-se em um sentido de “mercadoria em sentindo

amplo” ao abarcar tanto bens corpóreos quanto incorpóreos.106

Diante deste cenário, ainda que em juízo preliminar, depara-se que o Supremo Tribunal Federal esboça a ideia de mutação constitucional do conceito de mercadoria. Logo, incorpora- se os bens intangíveis postos no comércio decorrente das evoluções tecnológicas. Em voto da Medica Cautelar da ADI em questão107, o Ministro Eros Grau assim relata: “a realidade altera

o significado dos textos”, e conclui dizendo que “o movimento da vida e da realidade é que dá

o significado normativo dos textos”.

A despeito disso, o Ministro Ayres Britto exprimiu uma reflexão em seu voto ao dissertar:

O ser das coisas é o movimento, e as palavras para efeito de movimento, são coisas. Hoje temos uma realidade virtual, isso é tão verdadeiro que a própria expressão

‘realidade virtual’ é paradoxal; seria paradoxal há dez anos, porque virtual era o

oposto de real. E hoje já falamos de realidade virtual eliminando toda e qualquer contradição.

Aberta a possibilidade de interpretação de que bens intangíveis possam ser qualificados como mercadoria, resta entender se o objeto da comunicação audiovisual sob demanda pode ser entendido como mercadoria, a fim de que esta atividade seja tributada pelo ICMS.

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