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QUANDO AS LEMBRANÇAS ANESTESIAM: UMA HISTÓRIA DE LOUCURA QUE RECOBRE UMA MÃE.

Assim são os abismos da história. Neles se encontra tudo misturado, e o pavor e a vertigem nos tomam quando olhamos lá para baixo. W. G. Sebald

Neste capítulo, trabalharei com uma construção clínica baseada em um atendimento por mim realizado.  Ela não se configura propriamente como uma ilustração da história recobridora; aliás, todo o percurso desta tese constitui um esforço para encontrar, a posteriori, elementos que poderiam explicitar aquilo a que Fedida (1992) se refere como “a teoria em gérmen” contida em um caso.

Em seu texto “(A vida entre parênteses) – o caso clínico como ficção”, Sousa (1994) afirma que “o caso é uma construção”. Entendo que o autor corrobora a ideia de construção clínica como um recorte. Convém observar que um recorte não deve ser confundido nem com a história factual do analisando nem compreendido como descrição exaustiva da rica e complexa experiência de um atendimento.

Uma construção clínica revela algo não só a respeito do sujeito que procura a análise e de seu sofrimento, mas também algo sobre aquele que o escuta. A produção de um recorte implica múltiplas transferências57, que nos levam a pensar acerca do atendimento, além de manter a natureza teórico- clínica da psicanálise, tarefa vital e complexa do analista. É neste sentido que um atendimento, por vezes, requer um novo debruçar sobre a teoria: esta precisa ser compreendida, mas, sobretudo, questionada.

No movimento de ir e vir entre a teoria e a clínica, esta construção clínica visa discutir os efeitos da história recobridora na subjetividade de uma analisanda, a quem chamarei de Pietra. Mencionarei também aspectos

                                                                                                                         

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Eis a enumeração de algumas: transferência do analisando, contratransferência do analista, transferência do analista com a psicanálise e com determinada(s) escola (s).

relativos à transmissão psíquica entre as gerações, assim como pontuarei alguns elementos para a discussão do trabalho clínico com as histórias recobridoras, ressaltando que o encontro com uma mãe, para além ou para aquém de uma história de loucura, foi um ponto de virada na análise e na vida de Pietra.

Pietra, em um momento mais próximo da adolescência do que da infância, ouve o diagnóstico da doença materna: esquizofrenia. Se, por um lado, a nomeação vem, no après-coup, trazer-lhe algum alívio para uma vivência turbulenta e sem nome, por outro, a história da loucura da mãe recobre sua possibilidade de atribuir novos sentidos ao binômio mãe-louca.

Fala Pietra das marcas deixadas em si pela esquizofrenia materna e, simultaneamente, do próprio anestesiamento diante da vida. Tal anestesiamento, como forma de defesa, possibilita, por muito tempo, que a analisanda possa seguir adiante, mesmo em face de situações extremamente delicadas, dolorosas e excessivas. Contudo, esse anestesiamento era efeito da história recobridora, assim, capaz de transformar a existência de um ser em petrificação, em um não sair do lugar. Isso dava a Pietra a sensação de uma vida que estava, além de estagnada, prestes a ruir a qualquer momento.

1. A chegada

Pietra me foi encaminhada pela analista de sua filha. No atendimento da menina, aparecia uma faceta do transgeracional que não deixava de se fazer escutar, porém, a análise da menina não tinha como dar conta disso isoladamente.  

Encontro uma mulher tomada por um pavor de enlouquecimento. A loucura a ameaça, mais do que isso, parece rondá-la, especialmente no âmbito da relação com sua filha. Naquela ocasião, Pietra tinha quase a idade de sua mãe quando esta, segundo Pietra, havia surtado pela primeira vez. O destino parecia inevitável e, quanto mais se aproximava a data de seu aniversário, mais sem saída e sob o efeito imperioso da repetição Pietra se sentia. Havia uma certeza: a do enlouquecimento.

Em um instigante artigo denominado “O delírio como herança”, Enriquez (2001a) discute os efeitos da psicose nos filhos colocados na condição de testemunha, de aliado, de cúmplice ou até mesmo de destinatário da atividade delirante. De acordo com essa autora,

Embora seja verdade que nenhuma realidade histórica, por mais patógena que seja, é suficiente por si mesma para explicar tal ou qual psicopatologia e que não podemos inferir, das condições precoces da infância, o destino psíquico do adulto, também é verdade que uma situação tão traumatizante em si, como o encontro com a psicose parental, impõe à criança uma violência e um sofrimento que exigem um esforço de interpretação nem sempre fácil de manter. Pode ser, aliás, que a fase aguda em que o genitor perde francamente a razão comporte menos efeitos patogênicos que os contatos contínuos e os vínculos afetivos que se instalam secundariamente entre o genitor e o filho, vínculos e contatos através dos quais se tecem identificações, organizam-se tramas fantasísticas, instaura-se ‘uma confusão de línguas’, proferem-se palavras que veiculam de modo latente os temas delirantes. (ENRIQUEZ, 2001a: 99).

Petrificada diante do horror e do fascínio exercidos pela loucura materna, Pietra segue apostando em um espaço terapêutico como aquilo que poderia ajudá-la a compreender a violência à qual fora exposta e que, também, reproduz. Mas, simultaneamente, faz do enlouquecimento uma certeza para si mesma e para a filha.

Pietra já passara por outras terapias; descreve uma em que depositara mais confiança. Contudo, a morte do terapeuta fez ruir o que se delineava em Pietra como interrupção da repetição mortífera. Ela fala de seu medo, do quanto investira naquela terapia, que fora muito importante para ela, do quanto o trabalho de seu terapeuta alicerçara um terreno para que pudesse engravidar e ser mãe. Mas a morte do terapeuta ocorreu quando Pietra ainda estava grávida. Como confiar? Como acreditar em outra possibilidade de trabalho sem a garantia de sua continuidade?

Escuto a dor da perda, com a atualidade e a intensidade de hoje. É impossível prometer a Pietra que o mesmo não ocorrerá. Só posso oferecer minha presença implicada e reservada, minha escuta e a aposta de que algo novo pode acontecer. Mas, quanto a mim, penso em silêncio que, de saída, trate de sobreviver...

Conta-me Pietra que sua filha não consegue dormir sozinha, solicita sua presença constante, tem medo... Ela não mais suporta ter que se haver com as dificuldades da menina, que a tiram do sério, que já esgotaram todas as suas possibilidades de lidar com a situação. Sente-se exausta, enfraquecida, à beira da insanidade, especialmente quando é tomada por ataques de fúria que instalam cenas de agressão e violência entre ambas. Pietra sente-se à beira da loucura diante de uma demanda de sua filha. A menina exige a presença constante da mãe, impedindo uma separação entre elas, o que, por sua vez, evoca a não separação entre ela (Pietra) e sua própria mãe.

Pietra está muito assustada porque, algumas vezes, extrapola o campo do verbal e chega à violência física. Logo em seguida, a culpa a inunda, paralisa, leva-a a fazer contato com algo que tenta esquecer, mas que insiste em vir à tona e perturbá-la: uma mãe enlouquecida tal e qual a mãe de Pietra, uma imagem de mãe que ela sente encarnar. É o não dizer não, o não colocar um ponto final nessa demanda enlouquecedora/enlouquecida que a impele a fazer loucuras com a própria filha; é isso que a remete diretamente às loucuras feitas por sua mãe, mas que ficavam apartadas por meio da história recobridora de loucura da mãe.

Por um lado, essa relação vivida por Pietra só comparecia ali via cena de violência com sua filha; por outro, Pietra se defendia do “incômodo” via história recobridora. Essa história, ao entrar, pouco a pouco na dimensão do discurso, traz consigo notícias de algo relativo à transmissão entre gerações: havia um destino de violência e loucura imposto pela geração anterior, do qual Pietra tentava escapar.

A filha lhe dá a ver seu próprio traumatismo, e é nessa nova-velha cena que irrompe algo. Esse algo, contudo, vem carregado de um excesso, o que dificulta seu processamento, sua metabolização. Trata-se de uma cena que dá a ver no presente aquilo que não passou, embora a história recobridora tente, com algum sucesso, manter esse algo apartado. Nesses momentos, Pietra não se encontra anestesiada nem petrificada, mas atuando uma violência. Além disso, Pietra está colada a uma certeza que lhe confere filiação: as mães

enlouquecem, suas filhas enlouquecem e, quando estas se tornam mães, enlouquecem suas filhas.

Morar a certa distância (em quilômetros) da família de origem “facilita” a situação de Pietra, que, assim, não fala com a filha58 a respeito de seus pais (avós da menina), especialmente de sua mãe, e irmãos. Mas, curiosamente, há algo que aterroriza a menina, algo que se presentifica e suscita uma angústia indizível. Pietra e a filha estão aprisionadas numa cena, mas, ao mesmo tempo, vivem outra cena, a alheia, como se fosse delas.

Pietra relata um circuito no qual mães e filhas estão capturadas. Não consegue sustentar os limites entre ela e a filha (é tomada pelo medo vivido por esta) e entre ela e sua mãe (sente-se muito perto da loucura desta). É desse modo que se mantêm indiscriminadas, é desse modo que fazem laço. A mediação é difícil; ou Pietra está longe demais para sentir, ou perto demais; ou é torturada, quando invadida, ou torturadora, quando invade.

Para tratar dessa questão, convém recorrer, nesse momento, a Enriquez (2001a):

O genitor psicótico dá a ver e a escutar ao filho uma angústia e um sofrimento psíquico incomensuráveis, impossíveis de relacionar, mesmo que o sujeito tenha uma intuição confusa de suas causas, como uma perda, uma depressão, um luto. O sofrimento psicótico do genitor é enunciado, é compreendido como ligado a uma perseguição, uma vontade de fazer o mal. (p.107).

Mais adiante, a autora conclui:

portanto, a confusão radical sobre a interpretação causal do sofrimento, que despertará as identificações mais mortíferas com a vítima e com o agressor, e forçará a criança a estabelecer relações com o outro no modo perseguido-perseguidor, cujas afinidades eletivas com o ódio sob todas as suas formas de expressão possíveis conhecemos muito bem. (p.108).

A citada autora ajuda-nos a compreender os motivos pelos quais, considerando os efeitos da transmissão psíquica geracional, a filha de Pietra já está enredada numa trama de sucessão que passa por sua avó materna e sua mãe. Se, como defende Enriquez, a genitora envia uma mensagem que confere a Pietra uma posição identificatória mortífera na sucessão das

                                                                                                                         

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gerações, Pietra não escapa, até o momento, de re-endereçar esta mensagem a sua filha.

Em termos transferenciais, antevejo o que nos espera, o que será preciso surgir e ser acolhido para que os trabalhos de interpretação e de manejo venham a apostar no estabelecimento de um “vínculo inédito” 59.

A relação de Pietra com a filha atualiza algo da relação de Pietra com sua mãe, algo que ela gostaria de esquecer, mas sequer consegue lembrar. Há uma história que recobre uma vivência, uma história rígida, que só reitera a doença materna e seus efeitos na descendência. Embora lute desesperadamente para modificar aquele destino renitente, Pietra, em sua percepção, considera-o com status de Verdade. Insistir na história da loucura da mãe é construir uma barreira de sentido que alivia, por transformar-se em uma proteção narcísica do contato com um horror indizível; em contrapartida, atormenta, ao apartar o vivido, ao impedi-lo de tornar-se uma experiência. Enriquez (2001a: 124), ao refletir sobre o caso de uma analisanda, faz as seguintes considerações (válidas também para o caso de Pietra):

Não poder nem querer curar-se totalmente disso pode eventualmente contribuir para fazer cicatrizes mutilantes que essa experiência inscreveu no corpo e na psique, marcas identificatórias, que, por mais masoquistas e masoquisantes que sejam, declinam, no entanto, uma identidade, inscrevem numa genealogia.

Entendo que esse trecho menciona um aspecto crucial presente no trabalho com a história recobridora de Pietra. Isso porque, ao mesmo tempo em que a história recobridora transforma-se em um tapa-buraco mutilante, pelo fato de interceptar a ligação entre o vivido e a experiência, entre a pulsionalidade e a significância, guarda relação com um significante primordial do qual não é possível abrir mão.

No que diz respeito a essa questão, Zalcberg (2003: 64) destaca:

O significante primordial (o desejo da mãe) domina a vida da criança, sem que esta possa realizá-lo. O fato de haver um significante primordial a cujo significado, no início, a criança não tem acesso determina uma divisão fundamental em seu ser: uma parte dela mesma, a regida por seus significantes primordiais, permanecerá para sempre desconhecida para ela. Ao propor essa formulação da divisão original do sujeito através da lógica do significante, Lacan segue a linha de pensamento de Freud, que falara sobre o recalque

                                                                                                                         

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original do objeto de desejo – recalque a formar um núcleo inconsciente no sujeito, do qual este só terá uma ideia através dos efeitos inconscientes produzidos. Essa questão estrutural determina que o sujeito torne-se, como diz Lacan, falta-a-ser. Ele será, para sempre, regido pelo significante primordial que o determina e ao qual não tem acesso.

Como se pode notar, trata-se de algo dado a ver, que não surge como lembrança, mas emerge de uma memória atuada no presente da relação mãe e filha. Atentando para o discurso de Pietra, neste primeiro momento, observa- se que ela não fala da história da experiência com sua mãe, mas da história da loucura da mãe, como duas correntes paralelas e desarticuladas. Consigo escutar muito pouco acerca dela, preciso de um esforço de escuta para saber onde ela está quando, petrificada, descreve situações extremas. Sou tomada, invariavelmente, por uma petrificação na escuta. Em algumas vezes, é por meio de meu corpo que sou sacudida – sacolejos que resultam em dor, mal- estar –; em outras, é por meio da dor e do desespero de Pietra, que se manifestam em seu choro, em seu suspiro, em seu quase-grito.

Convém observar que à petrificação se contrapõe o choro, diria até que como fio tênue para manter a vida. O choro de Pietra é comovente, dolorido, parece inconsolável. Quando chora, percebo que algo está presente, não passou; estou diante da menininha assustada. Pergunto-me: Como me portar ali para que o choro e os gritos ganhem no encontro um caráter para além da pura descarga? Como lidar com o que se apresenta via atuações, por exemplo, para que algum trabalho de representação seja realizado?

Penot (2005), ao tomar o sujeito como função, ou seja, não redutível ao narcisismo, deixa claro o quanto é preciso uma articulação entre as dimensões do pulsional e da significância. A primeira dimensão, com toda a sua carga energética, e a segunda, com a carga simbólica advinda das reações da mãe, quando articuladas, resultam na "captura de um agente pulsional numa relação significante" (p.19).  

O interesse desse autor recai, especialmente, sobre a clínica na qual esse imbricamento encontra-se fragilizado60, o que é traduzido por ele em

                                                                                                                         

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termos de uma carência que tem relação direta com o meio constitutivo do sujeito. Seguindo os ensinamentos freudianos, Penot procurará discutir a função sujeito, com base em casos nos quais esta se encontra de alguma maneira deficiente. A clínica partiria então daquilo que ele define como uma função sujeito hipotecada por uma alienação invalidante, a fim de “dialetizar o que se pode designar como ‘funções do eu’ (integrativas-defensivas e fundamentalmente narcísicas) e o que constitui esse ‘sujeito novo’ (FREUD, 1915), o agente pulsional promotor da fantasia [fantasme] inconsciente” (PENOT, 2005:16). Essa foi direção adotada no atendimento de Pietra.

Se temos a função sujeito sempre em algum grau de precariedade, dependente das primeiras transações pulsionais do bebê com as respostas advindas da mãe, ao longo da vida, outras experiências de interação subjetivas podem reiterar ou não essa "condição do sujeito". Uma análise faz uma aposta no surgimento da oportunidade, do novo, do inédito. Penot (2005: 20), por sua vez, lembra-nos de que

Trabalhar como psicanalista para que um paciente instaure melhores ligações funcionais entre os registros de sua psique não implica que se deva ceder às ilusões unificadoras, globalizantes, simplificadoras, isoladoras; supõe que não se pare de considerar essa heterogeneidade (com a irremediável sexuação) que a metapsicologia freudiana precisamente se esforça por definir. Assim, a prova da alteridade é indispensável à afirmação de uma subjetividade - na direção do sexo que não se tem, da língua que não se tem, dos recursos que não se tem… Não é através da experiência da alteridade vivida que se adquire o máximo de chances de integrar as potencialidades subjetivas de soluções novas?

Este psicanalista, recorrendo a Freud e Lacan, reitera a ideia de pulsão em um circuito em forma de volta, ou seja, construído em três tempos. A importância de tal circuito, como possibilidade de satisfação, reside muito mais “no grau de acabamento desse périplo, na riqueza de seu contorno do que numa pretensão de se assegurar verdadeiramente do objeto em si” (p. 28). A pulsão é, desse modo, aquilo que não poderá ser jamais satisfeito com nenhum objeto da necessidade, uma vez que “(...) se trata, sobretudo, de obter algo do outro primeiro” (p.28).

Segundo Penot, a “(...) busca pulsional visa sempre um outro perdido- faltante” (2005: 28), sendo sua primeira forma de satisfação, aquela que está

na origem, uma experiência “deleitável aos olhos de sua mãe”, sem correr o risco de ser destruído por ela. Para esse autor, bloqueios subjetivos como os descritos por ele com base em sua clínica com anoréxicos e bulímicos só poderiam ser ultrapassados via experiência durante o tratamento. Tal experiência aposta na reversibilidade; no caso, o próprio analista se dispõe a aceitar “uma suficiente apassivação”. Convém destacar que Penot toma o termo apassivação de Green para designar um tempo decisivo do jogo pulsional que está a serviço do processo de subjetivação. Ainda de acordo com Penot, a apassivação se caracteriza pela receptividade fecunda, em contraposição a um ausentar-se defensivamente, ou seja, consiste no posicionamento do analista de não “bater em retirada” diante das trocas, especialmente, as de caráter agressivo.

 

2. Quando uma analista é convocada a comparecer

Pietra diz que não se lembra de quase nada, embora relate muitas cenas infantis. Há um mecanismo curioso: os elementos se encontram presentes, mas algum nível de desligamento não permite uma articulação entre eles. A história recobridora da loucura materna ocupa um lugar totalizante, no qual é a dor que se presentifica, sem que seja possível transformá-la em sofrimento. Estamos falando de uma dor que petrifica, imobiliza, mantém, apesar de todos os esforços em outras direções, um passado que não passa, um presente-passado que impede o futuro; esse é o tempo do traumático.

Entendo que a história recobridora construída por Pietra, depois do diagnóstico de esquizofrenia de sua mãe (diagnóstico recusado durante longo período pelos adultos), veio na tentativa de trazer algum sentido para o enigma da loucura. Loucura esta que, segundo Enriquez (2001a:103),

(...) adquire para um sujeito singular um aspecto eminentemente trágico quando está relacionado com um de seus mais próximos ascendentes ou descendentes. Quando se trata de uma criança, a confrontação, mesmo descontínua, com o universo psicótico em seu contexto familiar afetiva e mentalmente investido, de quem depende para a satisfação de suas necessidades e de seu desenvolvimento

psíquico e em quem busca apoio para compreender, é violenta e impõe, para começo de conversa um a-mais de interpretar.

Contudo, ainda há um questionamento: por que essa tentativa de construção de um sentido para a loucura materna, via reconhecimento tardio de que a mãe era esquizofrênica, não trouxe uma possibilidade de simbolização para as vivências traumáticas, para o aparente sem sentido dos delírios, para tanta dor e desespero?  

Aquilo que poderia ter sido a resposta para o enigma torna-se uma presença totalizante. Pietra, nesse esforço de dar conta do buraco resultante da recusa, fica destituída de parte também importante de suas vivências, desse modo, incapaz de vislumbrar outras possibilidades identificatórias para além da loucura e da morte.61  

O diagnóstico de esquizofrenia da mãe faz signo para Pietra, recobrindo toda a mãe, em razão disso, impossibilita que Pietra se encontre com uma mãe para além ou aquém daquela psicótica do diagnóstico. Mas, será que não é

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